Não tenho as respostas para tais questões, mas, ao que tudo indica, não há como duvidar: a mídia tradicional é a grande derrotada nessas eleições. Senão a mídia propriamente dita, mas o conceito de neutralidade. No tiroteio para desqualificar a candidata Dilma e incensar o candidato José Serra, a grande vítima foi a verdade factual e os verdadeiros problemas brasileiros. A cobertura dos grandes jornais, com seus colunistas pouco argutos (por conveniência?) para a realidade, com aversão à ideia de que a política mudou e que a esquerda passa a fazer parte, de maneira inescapável, da vida nacional, com um tratamento nada equitativo dos candidatos, com tudo isso, tornou-se o clichê perfeito de uma época que acabou.

O leitor hoje é bem informado. Conhece a mídia internacional, avalia o noticiário, conhece a realidade do país. Não teme o fantasma do comunismo. Desconfia de pesquisas de opinião. Questiona o que lhe é apresentado como fato. Percebe quando a discurso camufla interesses inconfessáveis. Percebe, por exemplo, quando o discurso sobre a liberdade serve de escudo para negar a prática social da liberdade. Ambiciona soluções reais para realidades concretas, como são os casos da violência, do aborto (que mata milhares de jovens todos os anos por ser ilegal e , assim, inibir políticas públicas). É um leitor que desmascara factóides, que não se deixa iludir por discursos de boas intenções. Essa realidade.

A realidade, também, é que mundo da mídia se transformou uma ilusão. O conceito de verdade ganhou dimensão religiosa. É como se fosse uma dogmática jornada da fé, uma fé que se propõe a ser incontestável. Com esse conceito de "verdade", leia-se isenção, é criado um fantasioso exercício do tratamento dos fatos. Questão: qual o sentido dessa prática? Neutralizar mudanças. Combater toda e qualquer tentativa de construção de uma democracia real.

Quando o presidente Lula definiu a imprensa como um partido político, certamente, estava querendo dizer que há uma crise de objetividade. Uma crise porque a sociedade não deseja mais conviver com velhos padrões de "verdade", com o antigo conceito de democracia sem povo. A mídia hoje não se dispõe a contribuir, essencialmente, na discussão dos grandes problemas da sociedade, mas, sim, espetacularizá-los, tranformá-los em mercadoria de consumo.

A verdade é a verdade dos interesses que a mídia defende? É uma questão a procura de respostas. Mas, o dado novo, é que a mídia encontra-se sob suspeita e questionamento. E esse questionamento é da sociedade. Não se trata de censura institucional, mas de uma crítica prática, que nasceu da sociedade para a mídia, não das instituições públicas para a sociedade. Sempre que se crítica a mídia, o recurso à liberdade de expressão é imediato, mas não existe liberdade de expressão da mídia. Existe, sim, liberdade de expressão da sociedade. Não existe registro na história da existência de imprensa livre numa sociedade amordaçada.

O impasse dessa constatação é que a mídia, a despeito da sua natureza manipuladora, é associada ao que existe de melhor na defesa das liberdades individuais e das liberdades públicas. Esse o paradoxo, esse o núcleo profundo do problema. A decadência da mídia por força das suas contradições – o conflito entre interesses e a propalada neutralidade – põe em risco a indispensável defesa das liberdades individuais e das liberdades públicas? Evidentemente que sim. A esperança, no sentido do devir prático, é que as mídias sociais sejam o embrião de um novo conceito de mídia e que a própria fragmentação seja a matriz de um novo conceito de informação. Ou que venha a surgir uma nova geração de empresários da mídia, sensível à realidade da nova sociedade brasileira.

Seja qual for o futuro, um fato é inescapável. A mídia tradicional está em crise. Será que ela existe para que a verdade, no sentido da realidade autêntica, não seja dita? Será que se tornou mais fonte de contra-informação do que fonte de informação? Por que ao criticar o socialismo, por exemplo, não publica no mesmo espaço uma visão a favor do socialismo? Por que semeia a cultura do medo da mudança, quando deveria semear a cultura do esclarecimento, da informação, do diálogo? Por que as notícias alarmantes não têm fim? A liberdade de imprensa é uma ideia modernizadora, como é modernizadora a democracia real. Por que tudo hoje gira em torno de manchetes alarmistas, em torno da condenação de toda e qualquer reforma da sociedade que implique em participação popular?

Toda análise da cultura do medo que ignorar a ação da imprensa ficaria evidentemente incompleta. Entre as diversas instituições com mais culpa por criar e sustentar o pânico a imprensa ocupa indiscutivelmente um dos primeiros lugares. A frase não é minha: Literalmente, é da lavra do sociólogo Barry Glassner, está no livro Cultura do Medo. Ele trata de temas como crime, drogas, minorias, mães de adolescentes, crianças assassinas, micróbios mutantes, acidentes de avião, fúria no trânsito, temas que na definição de Glassner, deveríamos temer cada vez menos, mas tememos cada vez mais(Editora Francis, 2003, p. 33).

No Brasil, a lista, a constatação é inescapável, incorpora a propagação do medo político, a visão de que tudo que implica em igualdade e expressão das grandes massas implica em risco para a ordem, em ameaça à liberdade de expressão. Se a mídia tem liberdade de expressão, por que o presidente da República, os políticos, os empresários, cidadão comum, enfim, não pode criticá-la? Teriam os donos de jornais o monopólio das Sagradas Escrituras? Esse é um tema que veio para ficar. As eleições que agora chegam ao 2o turno, mostraram o que há por trás das cortinas da neutralidade da chamada grande imprensa. As contradições tornaram-se transparentes. Se houver censura no Brasil, não mais será da parte de governos, será a censura social. Como a notícia vem sendo tratada como produto, é certo que o leitor reagirá como reage na compra de produtos que não lhe inspiram confiança: simplesmente virará as costas – deixará de comprar – a mídia que não forma e informa com consistência. Essa é a realidade: nos nossos tempos o cidadão age, não fica se lamentando. Mais do que as companhias de produtos e serviços, pelo papel que exercem ( ou deveriam exercer) jornais, revistas, rádios e televisões necessitam de confiança do público para existir, se não há confiança, falta oxigênio. Morre-se por asfixia.

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Francisco Viana é jornalista, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica (e-mail: [email protected]

Fonte: Terra Magazine