Dona Geralda era uma senhora dos seus sessenta anos e por todos muito querida, por ser amável com todos. Ela veio de longe, de Minas Gerais, para a fazenda São José. Veio de um lugar cujo nome me pareceu muito bonito: São Sebastião do Paraíso.

       Extremamente pobre, poderia se dizer que era mesmo quase miserável. Não tinha nenhum bem, exceto a aliança e o bem querer da família. Mestre nas artes de quitandeira, dona Geralda era muito requisitada para ajudar em pequenas festas nas casas das comadres, tais como batizados, crismas e casamentos. Fazia pães de queijo, pau- a- pique, Mané- pelado, broa de milho, biscoitos de araruta e de mandioca, e de quebra cozinhava muito bem. A limpeza de sua casa era um primor. Suas roupas, além das do marido e filhos, apesar de surradas e rústicas mostravam bem os dotes de dona Geralda: as camisas, vestidos e calças eram um remendo só, ou melhor, pareciam feitos de retalhos, tantos os remendos, uns sobre os outros, caprichosamente alinhavados (Geralda não possuía máquina de costura), porém fazia a própria roupa e da família, tudo costurado à mão. A limpeza e a brancura de suas roupas, só eram comparáveis ao seu sorriso.

      Pois bem, sendo eu um menino, acostumei-me a comer todos os quitutes da dona Geralda. Muitas vezes consegui convencer minha mãe a convidá-la para fazer alguns pães de queijo ou broa de milho lá em casa. Como sabia que ela era muito generosa, de vez em quando passava por sua casa, quando regressava da escola. Algumas vezes dava certo e ela me oferecia bolo de fubá, pé de moleque e outras delícias.


                                   FOTO DA SEDE DA FAZENDA PINHAL (SP), FINAL DO SÉCULO XIX.
    
A FAZENDA SÃO JOSÉ DO PÂNTANO, ONDE ACONTECEU O EVENTO, TEM A MESMA ARQUITETURA

      Mas, um dia apareceu em casa um grupo de garotos e garotas, vestindo roupas elegantes e procurando por mim. É que um amiguinho da fazenda vizinha, ao ver chegar os filhos do patrão, inventou de ir pescar, para se livrar deles; ao que os garotos e garotas de São Paulo quiseram acompanhá-lo. Sem saber o que fazer, disse que eu é que sabia onde dava peixe bom, e agora estavam ali, ávidos para pescar. Para se ter idéia, levaram até molinete e carretilha, que eu só conhecia de revistas, para pescar num córrego de, no máximo, dois metros de largura e um metro de profundidade. Levei-os até um trecho do córrego e os deixei lá pescando.

                                                               
                                 PESCADOR CAIPIRA NÃO USA CARRETILHA OU MOLINETE

      Eu e meu amiguinho caímos fora. Como crianças de cidade não sabem brincar sozinhos no campo, logo se cansaram e passaram a correr atrás dos cavalos, além de espantar o gado que estava sendo recolhido para a ordenha.

      – Leve esses diabos daqui, disse o cocheiro e tirador de leite; leve esses diabos daqui, disseram os camaradas, minha mãe e tudo o mais.

      Procurei pelo amiguinho da fazenda vizinha que havia trazido esses pestes, mas ele já havia ido embora. Que fazer?

                                             
                     CANECA ESMALTADA, QUE OS MINEIROS CHAMAM DE “PENIQUINHO”

       Eu os reuni, e prometi que os levaria até a divisa da fazenda, de onde iriam juntos com pessoas da fazenda deles que os estariam esperando, conforme tratado telefonicamente pela minha mãe e a mulher do doutor patrão de outra fazenda, esta já desesperada sem notícias dos filhos. Para percorrer os seis quilômetros da minha casa até o local da divisa, num trecho de cerca de arame farpado, conhecido por “passador”, (pois permitia que pessoas passassem pela cerca de arame farpado, porém os animais não), tínhamos que atravessar a colônia da minha fazenda; e ao passar pela casa da dona Geralda, ela nos convidou a todos para entrar, mais ou menos oito pessoas.

                                      
                                         BOLO DE FUBÁ-SUPREMA DELÍCIA CAIPIRA

      E a dona Geralda nos serviu um bolo de fubá delicioso e ainda quentinho, e, praxe na minha terra; coou um cafezinho fresco. Dona Geralda pegou uma bandeja redonda e colocou uma série de canequinhas esmaltadas, na cor azul, com florzinhas brancas e passou a servir àquele grupo risonho que já, a esta altura, haviam devorado o bolo (demonstrando uma total falta de educação). Dona Geralda foi primeiro servir a Marta, uma garota um tanto gordinha e branca como leite, que a essa altura estava toda vermelha pela exposição ao sol.

      Marta agradeceu, e girou a canequinha, tentando encontrar a asa da mesma, visto que não havia pires; girou a segunda, a terceira, a quarta e nada!! Muito sem jeito olhou para Dona Geralda que calmamente lhe disse:
            
                            – Pega na caneca, fia: “us piniquim tá tudo sem asa; uai!!!!!!!”.

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.