EUA-Talibã: fim das conversações de paz
Se esse impasse não for superado, o próximo ano promete ser muito difícil no Afeganistão e nas áreas tribais do Paquistão, onde vivem militantes e a al-Qaeda.
O recente diálogo estratégico entre EUA e Paquistão, que renovou um pacote de US$2 bilhões por cinco anos de ajuda ao exército do Paquistão visa, de fato e efetivamente, a reforçar o combate contra bases da al-Qaeda situadas nas áreas tribais entre o Paquistão e o Afeganistão.
A resposta da al-Qaeda, como esse correspondente ouviu, será reativar células que estão em hibernação em todo o mundo, comandadas por novas equipes que já tomaram posição em áreas da fronteira do Paquistão e Afeganistão.
As conversações emperraram
Os movimentos em direção a uma reconciliação com os Talibã começaram no final de 2008. A mídia ocidental falou da Arábia Saudita como principal elemento do processo; alguns ex-membros dos Talibã e da al-Qaeda do Afeganistão Hezb-e-Islami foram convidados para um jantar durante o hajj (peregrinação) anual.
Foi o primeiro passo do que viria a ser um primeiro processo regular de interação indireta entre os EUA e os Talibã, com mensagens que lhes chegavam de vários diferentes intermediários.
No mesmo período, contudo, aumentaram os ataques pelos aviões-robôs dos EUA contra santuários da al-Qaeda nas áreas tribais; os ataques tornaram-se praticamente diários, especialmente no Waziristão Norte.
Nesse mês de outubro, foram mortos pelo menos duas dúzias de importantes membros da al-Qaeda, além de número semelhante de europeus recentemente recrutados e treinados. Franquias regionais da al-Qaeda, inclusive os Tehrik-e Taliban Pakistan (Talibã do Paquistão), também sofreram perdas, como as milícias uzbeques.
Vastas redes de espiões operam nas áreas tribais, fornecendo informação aos EUA sobre as dinâmicas da al-Qaeda e a situação em campo no Waziristão Norte. Caso a destacar é Nasrullah Khan, ex-membro de um grupo jihadista do Laskhar-e-Taiba, que uniu forças com a Brigada 313 da al-Qaeda de Ilyas Kashmiri..
Antes do início dos Jogos da Commonwealth que terminaram dia 14/10 em Delhi, Khan foi escolhido para comandar uma unidade da Brigada, numa operação contra os Jogos.
Mas, dia 20/9, ele e os cinco homens que o acompanhavam foram mortos num ataque por aviões-robôs na cidade de Mir Ali no Waziristão Norte. Khan tinha extensa rede de agentes na Índia e no Kashmir administrado pela Índia; sua morte desarticulou as ações de campo na Índia, a tal ponto que nenhuma ação chegou a ser levada adiante.
Ataques similares de aviões-robôs em setembro e outubro também fizeram parar várias redes de europeus operacionais da al-Qaeda no Waziristão Norte.
Apesar de a morte continuar a chover dos céus sobre as áreas tribais, o processo de paz com os Talibã parecia estar avançando, com novos movimentos em agosto. Pela primeira vez, todos os lados constataram alguma flexibilidade na abordagem pelos Talibã, e parecia que, afinal, aceitariam sentar para negociações com os EUA ou com o governo afegão (ver “Taliban and US get down to talks”, Asia Times Online, 11/9/2010).
O processo levou todos os atores internacionais a esperar que os Talibã (a milícia “dos estudantes”) contribuiria para que se chegasse a uma solução para o conflito que se arrasta já há dez anos (ver “Taliban soften as talks gain speed”, Asia Times Online, 15/11/2010.) Para fazer contato com os Talibã e promover o processo de diálogo, foi libertado o comandante dos Talibã no Afeganistão, Mullah Abdul Ghani Baradar (ver “Pakistan frees Taliban commander”, Asia Times Online, 12/10/2010).
O principal comandante dos EUA no Afeganistão, general David Petraeus, ao mesmo tempo em que dizia que a OTAN continuaria a atacar pesadamente os Talibã no Afeganistão, considerou bem-vindo o processo de paz. Na ocasião, chegou a revelar que a OTAN daria salvo conduto a um alto comandante dos Talibã para viajar a Kabul e participar das conversações – clara referência à libertação de Baradar no Paquistão.
Publicamente, os Talibã nunca confirmaram que as conversações estivessem em andamento. Recente “declaração oficial” deles dizia:
Nenhum combatente dos Talibã está em conversações com os americanos ou com seu governo fantoche no Afeganistão (…) os que foram presos [Baradar], os que mudaram suas lealdades [ex-ministro de Relações Exteriores do governo dos Talibã, Abdul Wakeel Muttawakil e o senador Arsala Rahmani] ou os que vivem sob proteção do governo afegão [ex-embaixador do governo dos Talibã ao Paquistão Mullah Zaeef] não são representantes dos Talibã. O que façam ou negociem nada significa para os Talibã
Dada a extraordinária vigilância contra os Talibã, nenhum alto comandante aceitou dar entrevistas para apresentar a real versão dos Talibã sobre as conversações; mas um quadro intermediário foi designado para encontrar-se comigo, do jornal Asia Times Online, e ele confirmou o que se lia na declação pública.
“A tão propalada estratégia de reconciliação sempre foi uma armadilha e nós jamais a consideramos opção viável” – disse o enviado dos Talibã, que viajou de Kandahar, no Afeganistão.
“Os EUA jamais cogitaram de reconciliação com os Talibã. Jamais nos abordaram diretamente. Não consideramos sérias as abordagens indiretas, feitas por intermediários, como a Arábia Saudita, o Paquistão ou os Emirados Árabes Unidos”, disse ele.
Nada disso combina com o que se sabia – que Naseeruddin Haqqani, filho do comandante Jalaluddin Haqqani e irmão de Sirajuddin Haqqani da mais poderosa rede Talibã, estivera na Embaixada Saudita em setembro. Depois, a embaixada fez os necessários preparativos para que ele e sua família viajassem em peregrinação à Arábia Saudita. (Naseeruddin Haqqani foi preso em 2009 pelas forças de segurança do Paquistão e depois libertado, em troca por soldados paquistaneses presos pelos Talibã. A troca foi negociada pelo líder do Talibã paquistanês Baitullah Mehsud, depois assassinado).
Disse ao enviado dos Talibã que, na minha opinião, essa teria sido já “interação clandestina entre a rede de Haqqani e os EUA ou o governo afegão, intermediada pela Arábia Saudita, não alguns contatos mencionados na mídia ocidental.”
E prossegui, contraditando a versão do enviado dos Talibã sobre eventos. Disse a ele que “O fato principal é que, se os Talibã nunca se mostraram dispostos a conversar com os americanos, por que, agora, estariam dizendo que as conversações fracassaram?”
O Talib respondeu: “Por um lado, eles ofereciam um ramo de oliveira. Pelo outro lado, apertavam a corda no nosso pescoço. Via-se facilmente o jogo deles: a reconciliação não visava a nos dar qualquer direito, mas, só, a nos causar ainda maior dano.”
E explicou: “Por um lado, querem criar uma via de comunicação com os Haqqanis; por outro lado, hoje [em outubro], estão reunindo tropas em Khost [província afegã junto à fronteira do Waziristão Norte]. Está acontecendo extraordinária mobilização de tropas em Khost. Para quê?” – perguntou. Em seguida, explicou.
“Estão pressionando o Paquistão para que comandem uma operação no Waziristão Norte contra a rede de Haqqani. É evidentemente claro que estão tentando empurrar a rede de Haqqani para pô-los entre a rocha [as forças da OTAN em Khost] e a espada [o exército do Paquistão no Waziristão Norte].”
E o Talib concluiu: “E não é só isso. Pela primeira vez, vemos grande movimentação de soldados em Chaman [cidade de fronteira na província paquistanesa do Baloquistão, junto à área de Spin Boldak-Kandahar no Afeganistão]. Tudo isso nos faz pensar: que tipo de reconciliação estariam propondo? Nesse quadro, o papel do Paquistão é decisivo. Se adotar o lado da OTAN, os Talibã enfrentaremos tempos difíceis. Há batalha à nossa frente, escondida sob a cortina de fumaça desse falso processo de reconciliação.”
Ali al-Shamsi, enviado especial dos Emirados Árabes Unidos ao Paquistão e Afeganistão e principal agente na construção dos encontros de altos comandantes dos Talibã em Dubai, a pedido dos EUA, para iniciar o processo de diálogo, renunciou ao cargo esse mês. (Shamsi foi embaixador dos Emirados Árabes Unidos ao Paquistão, durante o governo dos Talibã no Afeganistão, 1996-2001.)
Mas o governo dos Emirados Árabes pediu que Shamsi se mantivesse no cargo até depois de uma conferência de paz prevista para realizar-se em Dubai, sobre a questão afegã, marcada para o final de novembro próximo. Essa conferência é iniciativa do governo afegão.
O pedido de renúncia de Shamsi aconteceu imediatamente depois de os EUA terem declarado que não podiam assegurar nenhuma das pré-condições que os Talibã haviam apresentado para participarem das negocições, e que os EUA voltavam atrás no que haviam garantido antes (ver “Taliban and US get down to talks”, Asia Times Online, 11/9/2010).
Enquanto isso, a Al-Qaeda, que já sabe quais são os verdadeiros objetivos dos EUA, recomeçou a reorganizar-se, depois das várias importantes perdas que sofreu.
No início do ano, a al-Qaeda afinal conseguiu libertar 16 de seus membros, libertados pelo Irã (ver “How Iran and al-Qaeda made a deal”, Asia Times Online, 30/4/2010). Entre esses prisioneiros agora libertados estão Saad bin Laden (um dos filhos de Osama bin Laden), Saiful Adil, Suleman al-Gaith e Abu Hafs al-Mauritani.
Todos se instalaram nas áreas tribais entre o Paquistão e o Afeganistão. Como passaram quase oito anos na prisão no Irã, a al-Qaeda decidira mantê-los afastados das operações e não permitira sequer que assistissem às reuniões da shura (conselho).
Mas, por causa dos vazios que se criaram pelos muitos quadros que a al-Qaeda perdeu, a organização decidiu agora integrá-los outra vez às operações. É possível que Saiful Adil apareça como o novo rosto da al-Qaeda em 2011, com agentes operativos no Paquistão, que avançarão pela Somália, Iêmen e Turquia, para alcançar a Europa e a Índia.
Conforme o quadro que se constata hoje, já nos aproximando de 2011, os Talibã continuarão a combater no Afeganistão, com ajuda da nova equipe recém constituída da al-Qaeda – a qual, sim, também planeja ataques na Europa e na Índia.
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Fonte: Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/LJ30Df03.html
Tradução: Caia Fittipaldi