Terreno minado
Os chefes de Estado do G-20 vão se encontrar nos dias 11 e 12 em Seul, capital da Coreia do Sul. O item principal dos trabalhos é a tentativa de conciliar políticas que afastem o risco de guerra comercial que ameaça o mundo, devido à excessiva volatilidade e aos movimentos desordenados nos mercados de câmbio. O Brasil deixou de comparecer à reunião preparatória dos ministros da Fazenda do grupo, na penúltima semana de outubro. Pelo que se viu, não perdeu grande coisa.
O ministro Guido Mantega se poupou, ao menos, de ouvir a discutível proposta do secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, que sugeriu o estabelecimento de metas numéricas de superávits e déficits comerciais entre os países como forma de ter um crescimento econômico global mais equilibrado. Obviamente, a sugestão não prosperou, diante da indiferença chinesa e de críticas de países como a Alemanha e o Japão, dentre vários outros. A China, porque já deixou bem claro que não sacrifica o próprio crescimento para resolver os problemas do mundo – já que não vê como lidar com a intranquilidade social consequente do desemprego de sua gente. E a Alemanha, porque não pretende ser punida simplesmente por ter maior produtividade. Os problemas dos outros nada têm a ver com a sua taxa de câmbio. Da mesma sorte é o argumento japonês.
A proposta tem os ingredientes de pura enganação, como bem lembrou Joelmir Beting no telejornal Gente, da Band, do qual participo às segundas-feiras. E ela ainda foi apresentada em nome de um keynesianismo de pé quebrado, sob o argumento de que um sistema semelhante foi sugerido em 1944, na reunião de Bretton Woods, em New Hampshire (EUA), quando se criou o Fundo Monetário Internacional. Ora, o próprio Keynes teria se divertido bastante com a ideia de comparar aquele mundo de 1944 com o atual: se hoje não conseguimos controlar o câmbio das moedas, como é que vamos controlar os déficits em conta corrente dos países, que envolvem cinco ou seis variáveis, cada uma delas mais complicada que a outra?
É surpreendente como muitos economistas defendem no Brasil a ideia de que a valorização do câmbio não é tão importante. “O problema são as instituições que não funcionam, uma infraestrutura precária”, dizem. Sabe-se lá com que interesse argumentam que o câmbio é assim por culpa do governo, apenas. Não percebem que o câmbio não é mais aquele animal que equilibra o fluxo de importações e exportações, e sim um ativo financeiro com o qual o mundo joga à vontade. O governo tem uma parte da culpa, mas a parte principal é o mercado, mesmo, que faz.
A valorização do câmbio brasileiro está produzindo efeitos dramáticos. Compare-se 2008 com 2010: o déficit comercial no setor da indústria de transformação passou de 4 bilhões de dólares para 26 bilhões de dólares; nos setores de baixa tecnologia, onde tínhamos crédito, o saldo caiu de 31 bilhões para 29 bilhões de dólares.
É só verificar qual foi a mudança fundamental entre 2008 e 2010: o imposto não aumentou, até caiu; a infraestrutura não piorou, até melhorou um pouco. Então, é absolutamente falsa a ideia de que os déficits se devem àqueles fatores. Eles têm alguma importância para o nível da taxa de câmbio, mas a valorização do real, ou seja, a mudança de nível, não se deve àqueles efeitos, mas foi produzida pela especulação desenfreada com o câmbio no sistema financeiro mundial. O real passou a ser uma das moedas mais valorizadas do mundo, objeto de uma enorme especulação.
Na reunião do G-20 em Seul (onde estarão 19 chefes de Estado dos países mais desenvolvidos e dos principais emergentes, mais um representante da União Europeia), o presidente Lula e o ministro Mantega vão buscar o compromisso das autoridades monetárias globais no sentido de reduzir os excessos de volatilidade nos mercados de câmbio e a garantir a resistência à tentação de medidas protecionistas.
O comunicado do encontro preparatório dos ministros de finanças, embora não seja muito claro, permite acreditar que os 20 países mais influentes evitarão recorrer a políticas que possam levar à prática das desvalorizações competitivas, compreendendo que isso só vai acirrar a guerra cambial que fatalmente degeneraria em uma guerra comercial, com as consequências trágicas que todos conhecem.
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Fonte: CartaCapital