O tempo que tritura tudo
nos reduziu a uma frase:
um beijo úmido
numa tarde úmida de abril
Os talheres, um garçom impaciente,
e nós dois num desses restaurantes
do centro de cidade.

A moda antiga informei:
o aniversário dos teus anos
é no mesmo dia da revolução dos cravos.
Espantada e orgulhosa,
enveredaste em perguntas mil.
Disse o que sabia
mas diante de tantas indagações
e eu já naquele estado
a que o encanto conduz
com um jeito de garoto,
de um menino que julgava
já morto em mim,
brinquei:
– Alto lá, rapariga, que tu pensas?
Imaginas que sou algum "lusitanólogo"?
E aquele riso de menina travessa
ciente de estar brincando
com brincadeira perigosa.

E o garçom ainda mais impaciente,
olhando e olhando o relógio.
Bom, disse eu, já assim meio triste,
um jeito meu.
muito titubeio e uma frase antiquada:
-" Eu preciso te dar um beijo
de presente de aniversário".

E como se fosse uma façanha,
eu beijei o rosto dela
e a impressão que tive
é que os meus lábios tocavam em pétalas
tal veludo da pele.

-"Dessa idade e ainda não aprendeu a beijar?!"
E aqueles lábios bravios,
e aquela língua – sei lá – de víbora
avançou contra mim
onda lambendo areia,
fêmea lambendo cria,
leoa lambendo tigre.

Os Sonhos e os Séculos
Adalberto Monteiro
Círculo Azul Livros – Goiânia – edição 1991.

Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2006).