WikiLeaks: De que “diplomacia” afinal se trata, nos EUA?
Em democracias, as pessoas têm direito de saber o que realmente o governo faz. Em pseudo-democracias, quaisquer contos de fadas narrados por autoridades e repetidos nos jornais e televisões dão para o gasto.
Fachadas ditas ‘diplomáticas’ muitas vezes são apresentadas como se fossem fatos. Mas vez ou outra a máscara cai – para que o mundo inteiro veja –, o que acaba de acontecer nesse descomunal vazamento de telegramas do Departamento de Estado.
“Estados são entidades governadas por mentirosos”, observou I.F.Stone, jornalista independente. “Ninguém deve acreditar em mentirosos.” A extensão e a gravidade das mentiras variam de governo a governo – mas nenhum ‘pronunciamento’ das capitais mundiais deve ser levado a sério.
Quanto aos EUA, o governo está em guerra há mais de nove anos, ainda sem data para terminar. Como o Pentágono, o Departamento de Estado só trabalha para atender os interesses do estado de guerra. Militares e diplomatas são peças móveis dessa mesma vasta máquina de guerra.
A guerra exige pesadíssimo escudo de meias mentiras, totais mentiras, mentiras desavergonhadas, falsidades. Com o esforço de guerra em plena arrancada, as contradições entre o que o público sabe e os objetivos jamais revelados – ou entre a retórica grandiloquente e as terríveis consequências humanas – não sobrevivem à luz do dia.
Detalhes de tenebrosas transações e alianças entre Washington e ditadores assassinos, tiranos corruptos, senhores-da-guerra, traficantes, estão entre os mais bem guardados desses quase-segredos. Praticamente tudo que a mídia publique pode ser manipulado ou descartado pelas autoridades, mas telegramas diplomáticos divulgados antes de baixar a poeira das últimas mortes são mais difíceis de ignorar.
Por causa da massiva dependência absoluta da força militar – o que resulta sempre em crescente carnificina e num rastro de luto e fúria, no Afeganistão, no Paquistão e por toda parte – o governo dos EUA tem buracos colossais entre o que contam os roteiros dos publicitários e de ‘relações públicas’ e as realidades da guerra e do fazer guerra.
O mesmo governo que dedica quantidades tremendas de recursos para continuar a empregar violência militar em distantes pontos do mundo é obrigado a zelar atentamente pela própria credibilidade e decência, no trato com o ‘público nacional’, conosco, os que vivemos nos EUA. Mas essa tarefa, que cabe essencialmente aos ‘Relações Públicas’, vai-se tornando cada vez mais difícil, quando acontece de documentos do próprio governo dos EUA continuarem vazando e vazando e, todos, com informações diferentes das que conhecemos por aqui.
Nenhum governo deseja encarar documentos reais de políticas reais, objetivos, prioridades, que contradigam frontalemente todos os protestos de alta virtude do próprio governo. Em sociedades nas quais se respeitem as liberdades democráticas, os governos que mais têm a temer de vazamentos reveladores são os que mais e por mais tempo tenham mentido aos seus próprios cidadãos.
Os recentes vazamentos de WikiLeaks são especialmente terríveis, por causa dos contrastes extremos que se veem entre o que os representantes dos EUA dizem aos cidadãos norte-americanos e o que realmente fazem. Estranhamente, a reação padrão daqueles representantes e governantes dos EUA é culpar quem divulgou os fatos.
“Condenamos nos termos mais vigorosos a distribuição não autorizada de documentos secretos e informação sensível de nossa segurança nacional” – disse a Casa Branca no domingo.
E o senador Joseph Lieberman denunciou “ação vergonhosa, ignóbil, desprezível, que reduz a capacidade de nosso governo e de nossos parceiros trabalharmos juntos para defender nossos interesses vitais”. Para garantir, também escreveu pelo Twitter: “A divulgação deliberada dos telegramas, por WL, é nada menos que ataque direto à segurança nacional dos EUA.”
Mas… que tipo de “segurança nacional” se pode esperar, construída de tantas mentiras? Que segurança alguma nação poderia obter, de governo que é desmentido e desacreditado por documentos que ele mesmo escreve, assina, depacha e lê?
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Norman Solomon é jornalista, escritor e historiador. Trabalha hoje na Commission on a Green New Deal for the North Bay,
Fonte: Commondreams
http://www.commondreams.org/view/2010/11/29
Tradução: Caia Fittipaldi