Diante da necessidade de responder às críticas feitas pelos seus próprios alunos ou mesmo visando melhorar a exposição de algumas ideias cruciais presentes naquela obra magna, o autor resolveu redigir seus “prolegômenos”, ou seja, “coisas que deveriam ser ditas antes” e, no caso, foram escritas depois. Sem dúvida, a leitura deste livro é fundamental para quem deseja conhecer mais e melhor o pensamento do chamado “último Lukcás”, que tão fortemente influenciou intelectuais marxistas, como István Mészáros. As teses apresentadas por Lukcás são passíveis de serem criticadas, mas nunca desconhecidas.

A obra

Após a publicação de sua Estética, em 1963, o filósofo húngaro György Lukács começou a trabalhar num projeto que deveria desembocar num ambicioso projeto de uma Ética que sintetizaria sua longa trajetória intelectual. No entanto, suas investigações o direcionaram para o desenvolvimento da noção de ontologia em Marx, ele encontrava-se “submetido à necessidade de uma elaboração prévia: a determinação histórico-concreta do modo de ser e de reproduzir-se do ser social“, como aponta José Paulo Netto. Estes esforços que são publicados pela primeira vez em 1968 com o título de A ontologia do ser social.

Por conta tanto de críticas recebidas a este livro quanto por necessidade de explicar melhor alguns conceitos apresentados ali, Lukács passa a trabalhar no manuscrito do que seriam os Prolegômenos a uma ontologia do ser social: questões de princípio de uma ontologia hoje tornada possível, publicado em alemão em 1984 e traduzidos para português pela primeira vez agora pela Boitempo Editorial.

Um dos pensadores marxistas mais importantes de todos os tempos, Lukács tinha como objetivo ao escrever sua Ontologia reexaminar passo a passo as categorias fundamentais do pensamento de Marx, “iniciando pela retomada das considerações marxianas acerca do trabalho como complexo central decisivo do ser social, passando pelo problema da reprodução, da ideologia, e culminando no tratamento da alienação”, como explicam Ester Vaisman e Ronaldo Vielmi Fortes, autores da completa apresentação que acompanha a edição destes Prolegômenos, ou seja, princípios ou elementos básicos para a compreensão de assunto.

Ainda segundo Vaisman e Fortes, o autor apresenta uma denúncia de que o caráter ontológico do pensamento de Marx ficou obscurecido “pela rigidez dogmática em que o marxismo se viu imerso desde a morte de Lenin, que rechaçava a discussão acerca da ontologia, qualificando-a de idealista e/ou simplesmente metafísica”. Ao contrário do que alguns detratores do marxismo costumam afirmar, Lukács buscava mostrar como não há em Marx um determinismo unívoco da esfera econômica sobre as outras instâncias da sociabilidade: “o cerne estruturador do pensamento econômico de Marx se funda na concepção da determinação recíproca das categorias que compõem o complexo do ser social”, como explicam os autores da apresentação. A base econômica constitui o momento preponderante, mas interage com uma série de superestruturas de forma dialética e recíproca.

Além de introduzirem e contextualizarem a Ontologia – também inédita em português e sendo preparada para publicação pela Boitempo – os Prolegômenos acrescentam novas reflexões e abordagens ao texto publicado em 1968, complementando-o. Partindo da premissa marxiana de que a realidade deve ser não somente analisada e compreendida, mas principalmente transformada, ao redigir este material Lukács tinha nos ombros o peso de uma série de desilusões e derrotas da esquerda no período posterior à Revolução de 1917. Buscava partir de Marx para reformular as perspectivas revolucionárias de então, apontando respostas aos impactos que o stalinismo causara no projeto comunista. Certamente aqueles que ainda se preocupam com uma atuação social transformadora não podem deixar de analisar esta importante contribuição para o pensamento revolucionário.

Sobre o autor

Nascido no dia 13 de abril de 1885, György Lukács é considerado um dos mais influentes filósofos do século XX. Filho de um dirigente de uma das mais prósperas instituições bancárias da Hungria, obteve seu doutoramento em ciências jurídicas aos 21 anos e em filosofia três anos depois. Seu primeiro livro, História do drama moderno, foi publicado em 1911. Antes de mergulhar em Karl Marx, estudou com profundidade Hegel e Kant.

Aderiu ao Partido Comunista Húngaro em 1918, e teve papel de destaque na Revolução Húngara de 1919, nas posições, alternadamente, de comissário do povo na Instituição Pública da República Húngara, de comissário político do Exército Vermelho Húngaro no front e, depois, de militante clandestino, em Budapeste, depois que a revolução tinha sido sufocada. Partiu depois para Viena, mantendo no exílio intensa atividade política. Viveu em Berlim e Moscou, retornando a seu país natal somente em 1945. Com a invasão dos soviéticos em 1956, é deportado para a Romênia, onde permanece prisioneiro até 1957, quando obtém permissão para regressar. No final de sua vida dedica-se a suas obras mais profundas e ambiciosas, morrendo em 1971 sem tempo de terminá-las.

Fonte: Boitempo