MIS-Campinas e Grabois lançam documentário sobre Paulo Marcomini
Da mesa do evento participaram Vandré Fernandes, diretor de Camponeses do Araguaia; Amira Camargo, representando os diretores de Um Homem (in) comum; Augusto Buonicore representando a Fundação Maurício Grabóis, Orestes Toledo pelo MIS; Agildo Nogueira da direção municipal do PCdoB, e Paulo Marcomini. Após o evento, dentro do bom espírito cine-clubista, houve um debate com o público no qual foi realçado o papel fundamental da memória histórica e do cinema na luta de idéias que se trava na nossa sociedade. Foi reforçado, também, o papel educativo que representa a divulgação do exemplo deixado por pessoas como Paulo Marcomini e os camponeses pobres que apoiaram a Guerrilha do Araguaia e, por isso, foram vítimas da repressão militar.
Vejam abaixo o texto que serviu de suporte para a montagem do projeto do documentário sobre a vida de Paulo Marcomini.
Um homem (in) comum: a vida de Paulo Marcomini
Por Augusto Buonicore
Quem visse este senhor magro e silencioso caminhando pela periferia de Campinas, interior de São Paulo – ou mesmo participando de alguma reunião na comunidade – não poderia imaginar a vida atribulada que teve. Aparentemente uma pessoa comum – e, de fato, é uma pessoa comum – mas, sua história é uma lição de vida para as novas gerações de militantes socialistas. Ele soube articular de forma conseqüente pensamento crítico e ação transformadora.
O estudo de sua trajetória pessoal também nos ajuda a entender melhor história do Brasil durante os tempos sombrios da ditadura militar e a opção que centenas de homens e mulheres fizeram naquela época. Opção de largar uma vida confortável de classe média e se embrenhar no difícil e perigoso mundo da militância clandestina e a integração às camadas populares. Escolha consciente que, para muitos, significou a tortura e a morte.
Quem é Paulo Marcomini?
Filho de trabalhadores rurais do interior paulista que foi para a capital para estudar e trabalhar, sendo o primeiro da família a fazê-lo. Pensando unir a tradição familiar camponesa e a modernidade técnica, resolveu cursar Engenharia Agrícola na Esalq/Usp de Piracicaba.
Um objetivo difícil de ser alcançado por um filho das classes populares no início da década de 1960. Os assentos das universidades públicas eram monopolizados pelas classes mais favorecidas – a burguesia e as altas camadas médias. Na Esalq eram dos filhos dos proprietários de terras paulistas que predominavam entre os estudantes. Mas, o jovem Paulo venceu estas barreiras e entrou na faculdade. Estávamos no início de 1964.
Em Piracicaba, já no final de 1963, havia ingressado no Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – uma organização política ilegal que acabava de se reorganizar, depois de uma grave crise interna ocorrida entre 1961 e 1962. Em março de 1964, voltando de sua primeira reunião partidária em São Paulo foi pego num violento trote universitário e teve os materiais e anotações que trazia apreendidos por estudantes de direita. Tudo acabou sendo entregue ao delegado local que imediatamente iniciou um inquérito policial. Mesmo no governo Jango ser comunista podia trazer transtornos.
As coisas iriam se complicar ainda mais alguns dias depois com o golpe militar ocorrido em primeiro de abril daquele ano. Paulo foi obrigado a abandonar o curso e voltar para São Paulo. Ali começou a trabalhar até ser deslocado para o interior de Goiás, onde deveria ajudar a implantar o Partido Comunista. Vivia-se uma fase na qual os comunistas procuravam áreas para implementarem a guerrilha rural.
O esquema, no entanto, foi descoberto pelas forças de repressão e Paulo ele acabou sendo preso. Permaneceu vários semanas na cadeia, onde foi espancado. Após sua libertação, viajou para China com uma turma de comunistas e ali realizou um curso político-militar que durou cerca de seis meses. Entre seus companheiros estava o médico João Haas Sobrinho, morto na Guerrilha do Araguaia.
Logo que desembarcaram na França, voltando da China, foram alertados pela dirigente comunista Elza Monnerat que não poderiam regressar imediatamente ao Brasil. A ditadura militar já havia descoberto os planos do retorno e os aguardava para prendê-los. Por isso, tiveram que mudar de planos e viajaram para a Albânia socialista. Neste pequeno país ficaram alguns meses e continuaram os treinamentos político-militares.
Quando a barra finalmente se aliviou, eles puderam voltar atravessando a fronteira brasileira por terra. Imediatamente Paulo foi escalado para ir para a região do Vale do Ribeira. Sob supervisão de Pedro Pomar, montou – ao lado de outros camaradas – uma área de apoio e recuo para a Guerrilha do Araguaia que ainda estava em processo de preparação. Muitos de seus companheiros que cursaram na China combateram e morreram na guerrilha.
A Chacina da Lapa, ocorrida em dezembro de 1976 e na qual morreu Pedro Pomar, deixou-o sem contato com a direção do Partido. A derrota da guerrilha (1974) e a queda do Comitê Central (1976), o levou a mudar o rumo de sua militância. A fase da ação guerrilheira estava sendo substituída gradualmente pela atuação nas entidades de massas legais ou semi-legais. Estávamos vivendo a época da “abertura lenta, gradual e segura” dos generais-presidentes Geisel e Figueiredo.
Apenas após a anistia, em 1979, que ele pode retomar o contato com a direção partidária e receber novas tarefas. Deslocou-se para o sul do Pará, região recordista em conflitos de terras. Ali existia uma guerra entre posseiros e latifundiários que custou a vida de inúmeros dirigentes camponeses, como Doza e os irmãos Canuto. Foi assassinado também o advogado e dirigente comunista Paulo Fonteles. Algum tempo depois Paulo Marcomini deslocou-se para Marabá e, por fim, para Belém.
Na capital paraense retomou seus estudos universitários e formou-se em história. Lecionou em escolas públicas de segundo grau e, também, como professor substituto na UFPA. Tentando continuar sua formação e retomar contato com a família mudou-se para região de Campinas no início do ano 2000.
Esta mudança, afirma ironicamente, foi a sua primeira aventura, pois fez “por sua conta e risco”.
Devido às vicissitudes da vida não conseguiu ingressar no mestrado nem se estabilizar profissionalmente. A própria família já tinha se dispersado por várias localidades. Paulo ficou, praticamente, sozinho em Campinas. Na nova cidade reatou seus laços com o Partido Comunista do Brasil, elegendo-se para a direção de sua base e depois para o Comitê Municipal.
A vida de Paulo foi, aparentemente, uma vida de sacrifício. Mas, parece que não se arrepende das decisões que tomou. Sabe que poderia ter optado pela não-militância comunista e ter concluído seu curso de engenheiro agrônomo. É muito difícil imaginar o que significava ter um título de engenheiro no Brasil da primeira metade da década de 1960. Isto representava altos salários e status bem superior à maioria do povo brasileiro. Num país de analfabetos, ser engenheiro era pertencer à seleta elite do país. Paulo largou tudo isso para viver na clandestinidade e conviver com o povo pobre do interior de Goiás, Vale do Ribeira ou do sul do Pará. Ainda hoje vive com parcos recursos numa área da periferia da cidade.
Assim, a vida de Paulo Marcomini é uma lição de história do Brasil nos anos difíceis da ditadura e, também, um exemplo da justa articulação entre ideologia comunista e prática social. Ele viveu a maior parte de sua vida de maneira condizente com os ideais que defendeu. Portanto, serve de exemplo às novas gerações de militantes que lutam por um país e um mundo muito melhores.
Outro aspecto importante da vida de Paulo é que ela nos ajuda a preencher lacunas na história da esquerda brasileira pós-1964. É muito pouco conhecida a história do Partido Comunista do Brasil. Quase não existem publicações sobre a trajetória dessa organização política. Algumas informações fornecidas por Paulo são inéditas, como as viagens de treinamento à China e Albânia, a montagem de esquemas de apoio à guerrilha no interior de Goiás e no Vale do Ribeira. Ele nos oferece informações sobre a vida de vários outros importantes dirigentes do Partido Comunista, como Pedro Pomar e Armando Gimenez, que foram mortos ou desapareceram da nossa história. Só isso faria do seu depoimento algo bastante útil para a historiografia brasileira.