Contudo, mesmo que o discurso oficial acene com apertos no gasto público, esses dificilmente irão ocorrer em intensidade significativa, como já avisam os que acompanham de perto a execução orçamentária do governo. Basta contrapor o enorme risco de se quebrar o frágil pacto social brasileiro com o pequeno benefício de se acelerar a redução da relação dívida/PIB além da trajetória benigna já assegurada por um esforço fiscal moderado e pelos aumentos esperados do próprio PIB para se chegar a essa conclusão.

Tampouco a política de metas de inflação deverá sofrer interrupções. Declarações do novo presidente do Banco Central enfatizando a importância de se trabalhar para uma redução da meta de inflação no futuro devem ser interpretadas mais como uma forma de atrair credibilidade para o compromisso do governo com a estabilidade dos preços. Mudanças na meta ou na metodologia de implementá-la são assuntos para 2013, no mínimo, haja vista a decisão já tomada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em meados do ano passado de manter também para 2012 o centro da meta de inflação em 4,5%, com margem de variação de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo. Pode-se esperar que o Copom irá promover um ciclo de aumentos da Selic, embora a sua amplitude vá depender da extensão com que se experimentará os velhos instrumentos de política monetária ligados ao controle da quantidade de moeda. Analogamente, o regime de câmbio flutuante também não será mudado, podendo existir margem para tentativas mais explícitas, mas não necessariamente mais potentes, visando interromper a apreciação cambial ou mesmo promover alguma desvalorização do real, também nesse caso recorrendo a controles quantitativos como, por exemplo, sobre a entrada de capitais forâneos.

No entanto, o fato de o governo sinalizar apenas para modificações incrementais na gestão macro não quer dizer que mudanças mais profundas não estejam se fazendo necessárias. Os sinais de esgotamento desse mix de políticas que, a rigor, já estavam postos sobre a mesa desde meados de 2008, antes do estouro da crise financeira internacional, estão novamente se fazendo presentes na medida em que a economia brasileira recupera a velocidade de expansão daquele período. E até com maior intensidade, dadas as importantes transformações ocorridas no cenário internacional desde então.

O novo governo sinaliza com clareza que não irá descontinuar o tripé da política macroeconômica

O principal nó da política macroeconômica é a taxa de câmbio. Não por coincidência, o dólar inaugurou o novo ano atingindo a menor cotação em valor nominal desde setembro de 2008. Os defensores da manutenção de uma gestão macroeconômica neutra em relação ao câmbio argumentam que os sucessivos aumentos nos preços das commodities, decorrentes dos impulsos de demanda ditados pela rápida expansão dos países emergentes, China à frente, vêm proporcionando uma entrada adicional de dólares na conta das exportações suficiente para assegurar superávit na balança comercial, afastando os riscos de deterioração da conta corrente. O que não fecha nesse raciocínio é que parece que somente China e outros países emergentes dependem de energia, minérios e alimentos para o seu desenvolvimento. Mas o Brasil também nutre pretensões ao crescimento acelerado e é, portanto, igualmente dependente desses bens.

A diferença é que dispomos dessas commodities internamente. Porém, de pouco adianta essa vantagem se a alta de preços de alimentos, energia e minérios está provocando inflação no Brasil, como atesta o Relatório da Inflação publicado pelo Banco Central do Brasil em dezembro último. Tendo em vista que já foram definidos reajustes importantes para os preços do minério de ferro e de que são firmes as expectativas de elevação dos preços do petróleo para o corrente ano, o tempo de repasse ao IPCA dos aumentos dos preços internacionais das commodities praticamente garante que 2011 será marcado por pressões inflacionárias.

A se repetir a estratégia de contenção inflacionária do passado recente, a forma de contrabalançar a subida desses preços seria uma rodada adicional de valorização do real, via elevação da taxa de juros, de modo a amortecer o aumento do valor desses produtos em reais. A pergunta é se o câmbio poderá continuar exercendo esse papel daqui por diante. A manutenção da tendência de apreciação cambial por um período longo impõe à indústria uma sucessão de regimes de ajustamento. Em uma primeira fase, a apreciação induz a indústria a buscar maior produtividade.

Na medida em que o limite de resposta em termos de eficiência vai sendo atingido, tem lugar uma segunda fase na qual a indústria começa a promover reestruturações, simplificando o mix de produtos, padronizando processos, aumentando a importação de insumos, dentre outras. Se a apreciação continua, a atividade produtiva acaba sendo interrompida em vista do déficit de competitividade acumulado no processo. É hora de se desenhar mecanismos que permitam que a disponibilidade de commodities seja não uma fonte de problemas mas efetivamente um vetor do desenvolvimento econômico nacional.

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David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ.

Fonte: Valor Econômico