Os dados dos balanços das 15 companhias abertas com maior dívida financeira do país – Petrobras, Vale, Telemar, Eletrobras, CSN, JBS, Gerdau, Braskem, Cemig, Fibria, CPFL, Usiminas, Marfrig, Sabespe Suzano- , mostram empréstimos somados de R$ 347,8 bilhões ao fim de setembro. A parcela desse total indexada ao dólar ou outras moedas é de R$ 177,8 bilhões. Descontada a própria variação cambial, houve alta de 15% no endividamento externo na comparação com dezembro de 2009.

Embora cada caso precise ser avaliado de forma particular, ao se analisar as notas explicativas dos balanços dessas companhias, em especial os quadros de sensibilidade a variações de 25% e 50% do dólar, exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde 2008, percebe-se que em boa parte dos casos há proteção contra variação cambial apenas referente à receita de exportações, custo de importação ou ao vencimento de dívidas e encargos de curto prazo. O estoque mais longo da dívida não é protegido totalmente em mais da metade delas, ou pelo menos isso não é demonstrado. Entre aquelas que evidenciam uma proteção cambial praticamente completa estão Telemar, CSN e JBS.
A explicação dada nos comentários sobre as políticas de risco das companhias analisadas costuma citar casamento com ativos no exterior ou concentração grande de receitas com exportações, que são considerados como hedge (proteção) natural. Apesar da divulgação dos quadros de sensibilidade, as informações são de difícil avaliação, dada a falta de padronização (veja matéria abaixo).
Mas o fato é que o cenário cambial hoje se assemelha ao observado no terceiro trimestre de 2008, ainda antes da quebra do Lehman Brothers. Tudo vai bem e parece que a moeda americana só tem um caminho: ladeira abaixo.

Assim, ganha força o argumento de especialistas de que é muito caro fazer essa proteção, contra uma eventual variação de preço de curto prazo que não tem efeito imediato no caixa. "Você pode ter um guarda-chuva. Mas não fica o dia inteiro carregando ele. É um desgaste muito grande", exemplifica o consultor Milton Wagner, da Wagner Investimentos, para explicar porque as empresas não protegem todas suas operações o tempo todo. Segundo ele, a estabilidade alcançada pelo país nos últimos anos ajuda nesse sentido, o que tem feito reduzir o volume de proteção. "Hoje ficou mais viável fazer hedge exclusivamente quando o mercado vai contra. É possível também fazer um menor quando está a favor e um maior quando 'chover'."

Por meio de um sistema de redes neurais que busca identificar as concentrações de posições dos grandes investidores em diversos ativos, Wagner tenta identificar, para as empresas clientes, quando elas devem se proteger e qual o nível de preço mais favorável para o travamento. Essas concentrações, que mudam com os dias, representam pontos de resistência grande, mas, quando rompidas, podem significar uma reversão de tendência das cotações.

A estratégia para lidar com os riscos ligados ao câmbio passou a ter divulgação obrigatória pelas companhias abertas com a criação do Formulário de Referência, pela instrução nº 480 da CVM. Somente a obrigação de tornar essa política pública obrigou as empresas a pensar sobre o caso, assim como a crise vivida entre o fim de 2008 e início de 2009.

O vice-presidente da Mahle, Axel Brod, conta que o impacto da turbulência financeira sobre as exportações da companhia mostrou que o velho modelo de gestão de risco usado pela empresa não era eficiente. "Era inimaginável que os mercados poderiam sofrer uma queda tão forte", afirmou, em entrevista concedida no ano passado. De acordo com Brod, uma falha que ficou evidente era o risco de fazer um hedge excessivo, que pode não ser compensado em caso de queda muito grande das exportações, por exemplo.

Brod explica que no atual sistema existem controles internos que monitoram em base diária a exposição, que é fixada pela política de hedge, sendo que ele acompanha a posição duas vezes por semana e recebe um relatório mensal sobre as transações.

A existência de transparência e controle sobre as políticas de gestão de risco são consideradas fundamentais pela CVM. "Muito do debate que houve lá fora (sobre a turbulência financeira) talvez não se aplique ao caso brasileiro. A crise no Brasil foi motivada mais por uma questão de governança e transparência do que financeira", disse Otavio Yazbek, diretor da CVM, em seminário realizado no ano passado, em São Paulo.

Os relatórios de acusação sobre os casos mais emblemáticos sobre derivativos, envolvendo Sadiae Aracruz, revelam que alguns sistemas de controle e supervisão até existiam no papel, mas nem tanto na prática.

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Fonte: Valor Econômico