Aos olhos do colunista Roy Greenslade, do Guardian, a matéria revela que Julian é um “indivíduo enigmático, errático e autoritário”, que muda constantemente de ideia, “atormentando o processo de publicação dos documentos”.

Mas o colunista erra feio na sua leitura – basta ver os divertidos comentários dos internautas na página.

O que a excelente reportagem da Vanity Fair revela é um choque entre dois modelos de jornalismo que, nas palavras da autora, a repórter veterana Sarah Ellison, “não se compreendem totalmente”.

Fica claro, por exemplo, que o WikiLeaks passou por um forte processo de amadurecimento quanto à edição dos documentos para proteger fontes que possam sofrer riscos, chegando até o modelo centralizado do Cablegate, em que todos os documentos são revistos, o que não deixa de trazer críticas dos ativistas da liberdade na internet.

“Nosso ponto de partida era: ‘Aqui está um documento. Quanto disso devemos publicar?’ Enquanto a ideologia do Julian era: ‘Eu vou publicar tudo e então vocês têm que tentar me convencer a retirar algumas coisas’ Nós vínhamos de pólos diferentes”, diz o editor de investigações do Guardian, David Leigh.

O Guardian foi o primeiro jornal a propor a parceria a Julian Assange, em junho de 2009, por intermédio do seu repórter Nick Davies.

No primeiro contato, Davies sugeriu que o New York Times entrasse na parceria. Julian por sua vez contou sobre os três lançamentos que abalariam o mundo no ano seguinte – Afeganistão, Iraque e Cablegate – e sobre um quarto grupo de documentos, ainda não publicados, com as fichas de todos os prisioneiros que já passaram por Guantánamo.

Em julho de 2010, cerca de 15 mil documentos dos 90 mil sobre a guerra do Afeganistão não foram publicados depois de muito debate dentro do WikiLeaks.

Mas os nomes que saíram serviram de base para os EUA afirmarem que o WikiLeaks põe em risco a segurança de indíviduos – sua grande esperança de ganhar a opinião pública, já que a verdade pura e simples é que todo mundo quer ver os documentos.

Os embates nos bastid0res

A reportagem de Vanity Fair pinta a cara de uma imprensa respeitável, bicentenária e com “rígidos e estabelecidos padrões de jornalismo”, que beirou o desespero ao lidar com um jornalista-ativista que de fato tem muito poder nas mãos.

Quem quiser pode ver com maus olhos o fato de que Julian Assange decidiu trazer parceiros de última hora – do Der Spiegel ao Channel 4 britânico, incluindo a Al Jazeera – um fato narrado com dramaticidade na reportagem.

Mas a verdade é que o grande público está pouco se lixando pra quem tem a exclusividade – contanto que os documentos sejam divulgados.

A novela dos vazamentos expôs também a dificuldade que tais veículos têm em trabalhar em parceria, seja com o WikiLeaks, seja entre si.

“Os quase 400,000 documentos dos Diários da Guerra do Iraque foram publicados em 23 de outubro, em meio ao crescente incômodo entre os veículos de mídia, seja entre si ou com Assange”, resume a reportagem da Vanity Fair.

Ao saber que o Channel 4 e a Al Jazeera entrariam na parceria, e por isso a publicação dos diários do Iraque seria atrasada, o Guardian chantageou: somente aceitaria se o Julian também desse ao jornal os telegramas das embaixadas americanas.

Ele aceitou, mas pediu um contrato estabelecendo que o jornal só os publicaria quando o WikiLeaks decidisse. E entregou os documentos imediatamente, em meados de 2010.

A intriga não parou por aí.

Acontece que uma jornalista freelancer britânica, Heather Brooke, obteve de maneira ainda pouco clara os telegramas de um ex-voluntário do WikiLeaks.

O diário britânico decidiu então contratar a jornalista, para evitar que ela levasse a história a outros jornais. E por sua vez passou os documentos para o Der Spiegel e o New York Times, organizando uma publicação à revelia do WikiLeaks, marcada para 8 de novembro de 2010.

A combinação gerou a cena que abre a reportagem, na qual Assange irrompe no escritório do Guardian ameaçando processar o jornal.

No final, os veículos tiveram que aquiescer, e a data final foi marcada para 28 de novembro. Por decisão do WikiLeaks, entraram na parceria o espanhol El País, o francês Le Monde e dois veículos brasileiros, O Globo e a Folha de S Paulo.

Perguntado se se arrepende da maneira como o jornal gerenciou a publicação dos telegramas das embaixadas, o editor do Guardian, Alan Rusbridger respondeu que não.

“Eu acho que devido à complexidade de tudo isso, bate na madeira, estou falando até agora, é notável que tenha ido tão bem. Dadas todas as tensões geradas, seria surpreendente sair dessa sem alguma fricção, mas nós negociamos tudo muito bem”.

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Fonte: Blog da Natalia Vianna (CartaCapital)