Essas comissões surgiram, espontaneamente, no início do século e já no final da primeira década do século XX estavam reconhecidas legalmente. Nasciam como apêndices dos sindicatos existentes. Seus membros eram, em geral, indicados pelas direções dessas organizações. O palco da principal experiência dos conselhos de fábrica foi Turim. A cidade possuía uma numerosa classe operária e grande tradição de luta. Por isso era conhecida como Torino Rossa (Turim Vermelha). Foi ali que, em 1919, nasceu o periódico comunista L'Ordine Nuovo. Seus principais redatores eram Gramsci, Togliatti e Terraccini.

O grande objetivo do grupo de redatores do L'Ordine Nuovo era elaborar uma estratégia, compatível com a realidade italiana, que possibilitasse ao proletariado conquistar e manter o poder político. Para realizar tal objetivo era preciso responder a uma pergunta crucial: "Existiria na Itália um germe, um projeto, um esboço de sovietes?".

A resposta de Gramsci era que sim. Esse germe seriam as comissões internas de fábricas. Mas seria preciso mudar-lhes o caráter: elas deveriam deixar de ser meros aparelhos dos sindicatos burocratizados. Elas deveriam ser eleitas diretamente pelo conjunto dos trabalhadores, independentemente de serem ou não sindicalizados. As comissões de fábrica se transformariam, assim, em Conselhos de Fábrica.

Em outubro de 1919, apesar da resistência da ala reformista do PS e da direção da CGT, mais de 50 mil operários elegeram diretamente suas comissões de fábrica; em 1920 esse número subiu para mais de 150 mil só em Turim. Entre 1919 e 1920 o movimento atingiu seu auge. No mês de abril de 1920, diante da uma medida governamental que alterava a jornada de trabalho, os operários metalúrgicos de Turim ameaçaram deflagrar uma greve geral. Os patrões tendo em vista enfraquecer os conselhos ameaçaram fechar suas fábricas e demitirem várias lideranças operárias. Olivetti, secretário-geral da Confederação da Indústria, afirmou: "Não é possível que nas fábricas se constitua um organismo que se proponha a decidir a margem e sobre seus órgãos diretivos".

Os operários não se intimidaram e responderam com uma greve. A greve ficaria conhecida como a "greve dos ponteiros". Ela atinge inicialmente 50 mil operários, depois se torna uma greve geral em Turim e em seguida se estende por toda a região do Piemonte, atingindo cerca de 500 mil trabalhadores.
As direções reformistas da CGT e do PSI recusavam-se a publicar os manifestos dos grevistas turinenses e buscaram, de todas as maneiras, que a greve não se estendesse para outras regiões do país. A própria convenção do PSI, marcada para Turim, foi transferida para Milão. Buscava-se, assim, evitar a pressão dos operários em luta.

Aproveitando o isolamento dos operários, os patrões partiram para ofensiva e endureceram o jogo. Os trabalhadores foram obrigados a voltar ao trabalho. Afirmou Gramsci: "Abandonado por todos o proletariado turinenese foi obrigado a enfrentar sozinho, com suas próprias forças, o capitalismo e o poder do Estado burguês. A intervenção enérgica de centrais sindicais poderia equilibrar as forças se não determinar a vitória", e concluiu: "regressam os operários às fábricas, mas com a convicção de não terem triunfado, mas também de não terem sido dominados".

Apesar da derrota e da repressão patronal que se seguiu, os operários conseguiram manter sua organização dentro das fábricas. A "Torino Rossa" continuava sendo uma ameaça constante à burguesia italiana. Era preciso quebrar a espinha dorsal da organização dos trabalhadores, era preciso destruir as comissões de fábrica.

Em junho, a Federação Italiana dos Operários Metalúrgicos (FIOM) apresentou, novamente, aos industriais suas reivindicações. Os patrões recusaram-se a atender a maior parte delas. Em algumas fábricas os trabalhadores começaram um lento processo de obstrução da produção.
Os industriais, organizados na Federação das Indústrias, suspenderam as negociações.

A FIOM decidiu-se, então, pelo desencadeamento de um processo de obstrução da produção por toda a Itália. A Fedindústria ordenou o fechamento de todas as fábricas – iniciativa que já vinha sendo tomada por alguns industriais isoladamente. Ao "lockout" patronal os operários responderam com uma nova tática: a ocupação das fábricas. Em Turim mais de 140 empresas foram ocupadas. Os operários passaram a organizar a produção, estabelecendo a autogestão. O movimento pouco a pouco foi adquirindo um caráter insurrecional. Mais de 500 mil operários participaram da luta.

A classe operária mostrou, na prática, que a burguesia era uma classe socialmente desnecessária para o desenvolvimento do processo produtivo. Os próprios trabalhadores poderiam organizar a produção sem patrões ou capatazes.

Os industriais pressionaram o governo para que assumisse posições mais duras contra os operários e não permitisse que as mercadorias que vinham sendo produzidas nas fábricas ocupadas fossem comercializadas. Os empresários lançaram então um ultimato ao governo, afirmando: "a retração das autoridades tolhe qualquer fé nos defensores das presentes instituições", lançavam dúvidas sobre "a capacidade do governo de garantir as liberdades constitucionais" e, por fim, ameaçavam suprir com "suas próprias iniciativas aquela defesa que lhes era recusada".

O governo, por sua vez, percebeu que não era possível se opor abertamente, naquele momento, a um movimento daquela proporção. O próprio Giolitti, primeiro-ministro, respondeu aos industriais enfurecidos: "Como poderia o governo impedir a ocupação das fábricas? Trata-se de 600 manufaturas e indústrias metalúrgicas. Para impedir essas ocupações deveria ter colocado uma guarnição em cada um destes estabelecimentos, nas pequenas uma centena de homens, nas grandes alguns milhares. Teria empregado, para ocupar as fábricas, toda a força que poderia dispor. E quem vigiaria os 500 mil operários que ficariam para fora das fábricas?". O governo preferiu usar outra tática e confiar nas direções reformistas do PSI e da CGT – uma posição que se mostraria acertada.

A FIOM, buscando romper com o isolamento que lhe era imposto, ofereceu a direção do movimento à CGT que, por maioria, decidiu que a luta deveria se reduzir ao campo das reivindicações meramente econômicas e sindicais. A proposta de estender a greve para todas as categorias em escala nacional foi rejeitada.

O governo aproveitou a oportunidade e convidou as partes para negociar o fim do movimento; os patrões cederam em alguns pontos, concordaram com a concessão de um pequeno aumento salarial, a título de indenização pela carestia, e ampliação do direito de férias. A CGT e a FIOM decidiram aceitar a contraproposta patronal e defenderam o fim das ocupações. Em Turim a resistência durou ainda mais alguns dias.

A burguesia não estava contente com o resultado, ela havia concedido mais do que desejava. Por isso mesmo fortaleceu dentro dela a convicção de que era preciso pôr fim à experiência dos conselhos de fábrica. Entre 1921 e 1922, as principais lideranças foram sumariamente demitidas e incluídas nas "listas negras". Mais de 31 mil operários também perderiam seus empregos em Turim. Mas a derrota final só viria mesmo com a ascensão e consolidação do fascismo na Itália na segunda metade da década de 1920. O presidente da Fedindústria enfatizaria: "Durante a hora de trabalho, trabalha-se e não se discute. Na fábrica só pode existir uma autoridade. O poder da fábrica deve pertencer ao empresário".

Os limites teóricos de L'Ordine Nuovo

As propostas apresentadas por L'Ordine Nuovo foram atacadas pela direita socialista, acusadas de serem influenciadas pelo "sindicalismo revolucionário", de cunho anarquista. Contraditoriamente, haveria também críticas provindas da ala esquerda do partido. Bordiga acusou as teses de Gramsci de, no fundo, serem reformistas, uma concessão às ideias sindicalistas.

As críticas de Bordiga, embora possuíssem um forte viés esquerdista, acertavam pelo menos em dois pontos essenciais. O primeiro era a constatação de que haveria uma subestimação do papel do Partido Comunista no processo de transformação revolucionário e a consequente supervalorização da experiência dos Conselhos de Fábrica, na ilusão de ser possível um controle operário da produção nos marcos do domínio da burguesia. O segundo, de compreender o espaço da fábrica como "território nacional da classe operária", caindo assim em um desvio economicista e corporativista. O território da classe operária é o território abarcado pelo conjunto da nação. Isto Lênin havia compreendido muito bem.

Para Bordiga, sem a direção do partido de vanguarda as comissões de empresa poderiam se tornar um eficiente meio de dominação do reformismo sobre a classe operária, como vinha ocorrendo em vários países europeus. Seria um erro acreditar que "o proletariado possa se emancipar ganhando terreno nas relações econômicas, enquanto o capitalismo ainda detém, com o Estado, o poder político". Continuou Bordiga: "Quando ainda vigora a dominação do Estado burguês, o Conselho de Fábrica nada controla. Concluímos: não somos contrários à constituição dos conselhos. Mas afirmamos que a atividade do Partido Comunista deve alicerçar-se sobre outra base: sobre a luta pela conquista do poder político. Enquanto o poder político ainda se acha nas mãos da classe capitalista, uma representação dos interesses revolucionários comuns do proletariado não pode ser obtida a não ser no terreno político".

Mas a essas mesmas conclusões chegariam os comunistas do L'Ordine Nuovo. Ainda em meio aos acontecimentos de 1920, eles iniciaram um balanço autocrítico dos erros cometidos pela direção do movimento de ocupação das fábricas. "Os operários turinenses”, escreveu Gramsci, “compreenderam que não basta invadir as fábricas e nelas hastear a bandeira vermelha para fazer a revolução, sabem que a conquista das fábricas não pode substituir a luta pela conquista do poder político, mas os operários turinenses compreenderam e sabem estas verdades porque conquistaram tais verdades experimentalmente através das discussões e da prática dos conselhos de fábrica".

Bibliografia

ANTUNES, Ricardo e NOGUEIRA, Arnaldo. O Que São Comissões de Fábricas, Brasiliense, SP, 1981.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci, LPM, SP, 1981.
DIAS, Edmundo Fernandes. Democracia Operária, vol. II, Ed. Unicampp, SP, 1987.
GRAMSCI, A. e BORDIGA, A. Conselhos de Fábricas, Brasiliense, SP, 1981.

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Augusto César Buonicore, historiador, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois.

Este texto foi publicado originalmente na revista Debate Sindical, nº 31, set-nov/1999.