Crise europeia
Na esteira da desregulamentação financeira, a competição entre os bancos alemães, franceses, suecos, austríacos e ingleses promoveu um impressionante "movimento de capitais" intra-europeu. A maioria dos ditos PIIGS caiu na farra do endividamento privado, facilitado, entre outras coisas, pela redução dos spreads entre os títulos alemães – o benchmark – e os custos incorridos na colocação de papéis públicos e privados dos países, cujas moedas, se existissem, não proporcionariam tal moleza.
Com a eclosão da crise, as medidas governamentais de provimento de liquidez e de capital aos bancos com grande exposição nos devedores, transferiram o estoque privado para dívida pública. A tabela ao lado, elaborada pelo economista Jaques Sapir, exprime a dureza do ajustamento fiscal exigido para estabilizar as dívidas dos governos europeus.
Na França, esquenta o debate sobre a conveniência de se permanecer na moeda única ou cair fora da "prisão" que, na opinião de muitos, impede as desvalorizações cambiais. A controvérsia envolve a esquerda que pretende o avanço da Europa unificada e os progressistas que sublinham as dificuldades da construção europeia na ausência de um pacto federativo e de suas consequências fiscais.
Os xenófobos à direita, não é difícil adivinhar, pretendem retornar imediatamente ao bom e velho franco. À esquerda e ao centro, os defensores do Euro consideram a proposta de saída da moeda única um recuo imperdoável que levará a consequências nefastas, tal como a guerra de desvalorizações competitivas. Já a corrente radical do sindicalismo não deixa barato. Sugere chutar o pau da barraca: 1) anunciar o default e propor a reestruturação da dívida; 2) nacionalizar os bancos e as companhias de seguros; desmantelar os mercados de títulos e de derivativos; controlar duramente os movimentos de capitais.
Voltando à terra, alguns analistas insistem na tese da divergência de desempenho, em termos de competitividade na Zona do Euro. Mas a convergência, em um horizonte de tempo razoável, entre o desempenho da Grécia, ou mesmo da Espanha (para não falar em Portugal) com a máquina competitiva da Alemanha superindustrializada não passa de uma quimera típica momentos de irreflexão.
Na impossibilidade de uma desvalorização cambial, os conselheiros pregam, além do choque fiscal, a redução de salários nominais, tanto no setor público quanto no privado para restaurar a competitividade.
A Grécia já foi o alvo principal da fuzilaria implacável dos bancos e dos investidores. Hoje, os espanhóis estão na alça de mira. Alegam que não são gregos, o que pode ser considerada uma verdade geográfica e histórica incontestável, a despeito de configurar um truísmo que não esclarece nada. Imagino que os ibéricos se consideram mais próximos da Alemanha ou da França, pretensão que não bate com a fragilidade de sua economia, vítima de uma desindustrialização feroz ao longo dos últimos anos. O crescimento da economia espanhola nas décadas dos mercados desregulamentados apoiou-se, em boa medida, na transferência de fundos europeus para infraestrutura.
Mas a força predominante foi a bolha imobiliária, com a importante contribuição do turismo. (Os alemães ocuparam Palma de Mallorca.) Os demais membros da confraria PIIG – à exceção da Itália que conseguiu preservar um segmento especializado de sua indústria – não desfrutam de estruturas econômicas que possam se tornar mais "eficientes" no futuro próximo.
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Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo – ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp
Fonte: Valor Econômico