Rabelo: fim da miséria depende de nova política de câmbio e juros
Tendo em vista este desafio, do ponto de vista econômico o problema é como ampliar a taxa média de crescimento acima dos 4% que marcaram os dois mandatos de Lula para solucionar a questão da distribuição de renda e erradicação da pobreza. “Acabar com a miséria será um grande avanço social, mas não vemos como viabilizá-la e como possibilitar uma melhora de vida do nosso povo sem aumentar nosso índice de crescimento. E para isso, é preciso levar em conta duas questões que atravancam o processo de desenvolvimento: a alta taxa de juros e a sobrevalorização do real”, ressaltou Renato Rabelo.
A alta taxa de juros , lembrou o dirigente comunista, “aumenta a dívida pública, favorece a transferência de renda para o setor financeiro – verdadeiro parasita da nossa economia – e retira os investimentos das áreas produtivas que respondem pela geração de emprego”.
A elevação cambial, por sua vez, aumenta o valor do real, o que prejudica a exportação. “Aparentemente, a moeda fica forte, mas a verdade é que se trata de um jogo em que se derruba o próprio real. Mais dólar entra, fica pouco tempo, rende com os juros e vai embora, sem beneficiar o país em nada”, enfatizou.
Rabelo defendeu também o controle da entrada, saída e tempo de permanência do dólar no país, inclusive lucros e dividendos. “Não pode existir essa movimentação livre de dólar como existe hoje. O controle é feito na maior parte do mundo. Ao lado disso, é preciso taxas de juros equivalentes às aplicadas em países semelhantes, se não o Brasil continuará atraindo especuladores”. Outro ponto destacado foi a necessidade de o Brasil diversificar em sua produção, hoje concentrada em commodities agrícolas e minério, para uma indústria de tecnologia intensiva.
Nesse contexto, “a mídia e os setores conservadores procuram saídas através dos seus interesses. Por isso, pregam o ajuste fiscal para brecar a suposta gastança do governo. Mas, o que eles chamam de gasto na verdade são investimentos. Se levarmos a sério o ajuste que eles propõem, estaremos trilhando o caminho mais curto para a recessão e a desindustrialização, barrando o processo de crescimento que o Brasil vem experimentando. O desafio de Dilma, portanto, neste começo de governo é avançar no que Lula começou, com soberania e distribuição de renda, fazendo frente à crise sistêmica do capitalismo. Precisamos alcançar taxas de investimento de, ao menos, 25% do PIB. Hoje esse índice está em 19%”.
Na avaliação de Renato Rabelo, a forma como o governo irá quebrar tal círculo vicioso enfrentando esses obstáculos é que “mostrará o seu caráter avançado”. Por enquanto, destacou, “não tem buscado soluções diferenciadas”. Ele lembrou que a experiência recente mostra que o caminho é a ampliação do crédito, o aumento real do salário – sobretudo o mínimo –, a elevação do consumo das famílias e da taxa de investimento.
Ainda no âmbito da busca por soluções, Rabelo afirmou que a questão inflacionária pode ser revista através do estabelecimento de um conjunto de medidas: deixar de fora do cálculo os produtos agrícolas e a energia – que por sua variação estrutural artificializam o índice – e a desoneração fiscal da cesta básica. “Além disso, o PAC deve ser tratado como investimento e deve-se retirar do cálculo do superávit primário os investimentos estatais”, completou.
Outro aspecto que precisa ser levado em conta é que ao contrário do que se apregoa, tais questões não são meramente econômicas ou técnicas, mas também políticas. “Nenhuma economia se desenvolveu por muito tempo com câmbio valorizado e juros altos. Mas, os setores financeiros seguirão pressionando o governo para fazer valer os seus interesses. Para inverter a lógica rentista, é preciso luta política e social. Se fizermos um trabalho mobilizado, podemos vencer essa batalha”.
Questão política
Ao tratar da questão política envolvendo as mudanças necessárias para o país, Renato Rabelo ressaltou, no plano interno, a importância do momento atual, marcado pela terceira vitória consecutiva de um projeto popular, democrático e progressista de gestão federal; no plano internacional, recordou os efeitos da crise capitalista. “Seu centro são os países capitalistas e o Brasil se saiu bem, da mesma maneira que outros países da periferia do sistema, mas não sabemos que desdobramentos ela terá.”
Para resolver as questões de fundo que ainda emperram o progresso do país, o PCdoB tem defendido reformas estruturais (política, dos meios de comunicação, da educação, agrária, urbana e tributária) além de outros pontos fundamentais como o fortalecimento do SUS, o aprimoramento da seguridade social e o maior investimento em segurança pública. “O partido foi o primeiro a falar de reforma do sistema financeiro; é uma luta contra os poderosos agentes rentistas. A reforma tributária é necessária porque a tributação vigente é regressiva e intensifica a desigualdade”, explicou Rabelo.
No que diz respeito ao cenário político atual, se por um lado a ampla base de apoio pode dar maior sustentação ao governo, por outro sua heterogeneidade impõe a necessidade de se buscar a unidade e a prevalência dos interesses populares e democráticos. “Esta não é uma tarefa fácil. Além disso, Lula saiu com uma aprovação recorde de mais de 80%, ou seja, o governo Dilma precisará manter esse apoio respondendo aos anseios da população”.
Também é preciso levar em conta que na atual configuração das forças políticas de apoio a Dilma – uma frente ampla cujas principais forças são o PT e o PMDB –, o partido da presidente busca hegemonia, o que muitas vezes resulta em isolamento e falta de diálogo com as demais forças. “O PMDB e partidos afins buscarão compor conforme seus interesses e os demais partidos de esquerda procurarão se impor. O PCdoB tem a convicção de que é preciso instar o PT a ser mais consequente com um projeto nacional de desenvolvimento. Além disso, a maioria da base não é de esquerda, portanto, o desafio é grande”.
Segundo o dirigente, é preciso ter como horizonte a construção de um projeto nacional de desenvolvimento. “O caminho para o socialismo passa por isso e neste momento, tal projeto depende de reformas democráticas”.
A oposição, por sua vez, enfrenta forte crise desde o primeiro governo Lula, o que se intensificou nas últimas eleições. “A direita está cada vez mais contida, fragmentada e sem proposta e, por falta de uma alternativa, apela para questões morais e éticas. Parte da oposição vai se acomodando, parte procura ir para a base governista”.
Os meios de comunicação, por sua vez, “continuam sendo a grande trincheira da oposição no Brasil. Eles vão tentando impor ao novo governo bandeira deles – como o ajuste fiscal – e, depois de tentarem derrubar moralmente a então candidata Dilma, buscam elogiá-la a fim de envolver o governo”.
Identidade comunista
A análise da realidade atual feita por Renato Rabelo levou à reafirmação de que no governo predominam as tendências social-democratas, cujo centro é a ação do PT. “Por isso, o PCdoB precisa sustentar sua identidade comunista, atualizada de acordo com o nosso tempo. Devemos ousar lutar com uma tática ampla e flexível em consonância com nosso rumo: a transição da sociedade atual para a superior, que é socialismo. Temos, portanto, um duplo desafio: manter a identidade com uma tática ampla e flexível”.
Finalizando sua aula, o presidente do PCdoB lembrou que para pôr em prática esses objetivos, há tarefas imediatas: construir o projeto eleitoral de 2012 desde já; mobilizar o movimento social e popular em função dos seus anseios, em conjunto com a luta política que impulsione o novo governo no sentido do avanço democrático, nacional e popular; defender o Programa Socialista do PCdoB e se orientar por ele; organizar e mobilizar o partido pela base e ampliar decididamente os meios financeiros e materiais para a sustentação do projeto partidário.
O Curso de Nível 3 acontece até o dia 16 de fevereiro na cidade de Guarulhos, em São Paulo. Os trabalhos foram abertos pela coordenadora pedagógica da Escola Nacional, Nereide Saviani, e pelo secretário de Formação, Adalberto Monteiro, que deu as boas-vindas aos alunos. Fabiana Costa, responsável pela política de quadros do PCdoB, coordenou a mesa da aula inaugural.