Um forte tremor sacode o Equador
De 27 a 30 de janeiro estive no Equador, representando a direção nacional do PCdoB em duas agendas. A primeira foi um encontro com lideranças do Movimento Aliança País, legenda que sustenta o governo; e a segunda, a participação no 15º Congresso do histórico Partido Comunista do Equador (PCE).
PCdoB valoriza experiência equatoriana
Em Quito, no dia 27 de janeiro, fui recebido pela ministra Maria Fernanda Espinosa em seu gabinete no Ministério do Patrimônio, pasta que lida com as riquezas culturais e naturais do país – e anteriormente exerceu o posto de ministra das Relações Exteriores. Ela é responsável pelas relações internacionais do Movimento Aliança País. É também poeta, tendo ganhado em 1990 o Prêmio Nacional de Poesia. É amiga do poeta Thiago de Melo e ficou contente com o “regalo” que lhe ofertamos: De uma vez por todas, importante obra do autor de Faz Escuro, mas eu Canto.
Expliquei-lhe que a audiência por nós solicitada tinha por objetivo dar sequência às relações entre o PCdoB e o Movimento Aliança País. Lembrei-lhe que o PCdoB se fizera representar na primeira posse de Correia, em janeiro de 2007, por José Reinaldo de Carvalho. Também estivemos no Congresso do Movimento Aliança País, em 2010, com Eron Bezerra. Sublinhei que nosso interesse em estreitar as relações com o Movimento País vem do alto valor que o PCdoB atribui ao ciclo virtuoso que atravessa a América do Sul no qual o Equador é parte destacada. Apresentei-lhe sinteticamente considerações sobre a terceira vitória do povo brasileiro configurada na eleição de Dilma Rousseff, e sobre os resultados eleitorais positivos alcançados pelo PCdoB. Ofereci-lhe nossa modesta ajuda para fortalecer a cooperação recíproca entre os povos e os governos dos dois países. Ao final, apresentei-lhe um convite prévio para participar do Seminário dos Governos de Esquerda e Forças Progressistas projetado para se realizar no início de julho de 2011, no Brasil. Evento este organizado pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois.
“Aqui tudo é novo”
Maria Fernanda afirmou que no processo equatoriano tudo é muito novo. Em 2006, criaram o Aliança País, no ano seguinte já estavam à frente do governo da República. Em 2008, foi resgatado o primeiro grande compromisso: uma nova Constituição, de conteúdo democrático, foi aprovada pela Assembleia Constituinte e referendada pelo povo. Simultaneamente, sustenta que avança a afirmação da soberania do país e a melhoria de vida do povo. Informou que, no momento, estão às voltas com o processo de coleta de assinaturas para registrar o Movimento Aliança País. A meta é chegar a mais de um milhão de signatários. Esclarece que a nova Constituição extinguiu todos os partidos políticos e que está a todo vapor o processo de criação de novas legendas.
Ela disse também que o Movimento Aliança País tem um recíproco interesse em estreitar as relações com o PCdoB. Depois da tentativa de golpe contra o presidente Rafael Correa, ocorrida em setembro do ano passado, reavivou entre eles a necessidade de ampliar e intensificar as relações internacionais, posto que o apoio e a solidariedade à Revolução Cidadã são uma demanda premente.
O socialismo é o rumo
Durante a realização do 15º Congresso do Partido Comunista do Equador, tive a oportunidade de ouvir o pronunciamento de Ricardo Patiño, outra destacada liderança do Movimento Aliança País, atual ministro das Relações Exteriores do Equador. Para ele, a América Latina vive um ciclo de mudanças, mas cada país tem seu próprio processo. Em vez de socialismo do século 21 prefere para o Equador o conceito de socialismo do “Bien Vivir”.
Destaca que depois de longo tempo de submissão, a soberania do Equador está sendo restaurada através de uma política externa soberana. Por um lado, não se aceita mais que outros países decidam sobre o destino do Equador. Não se aceitam bases estrangeiras no Equador. De igual modo se rechaçam as imposições do FMI. Por outro, o país participa e apoia a política de integração e autodefesa da América do Sul. Desse modo, ressaltou a importância da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Mas explicou que quando o assunto é mudanças, nada é simples. Mesmo entre os países amigos é preciso determinação para se superar dilemas e contradições.
“Estamos construindo o socialismo ou não?”
No plano interno, afirma que o orçamento nacional foi reforçado e que grandes recursos foram destinados para o investimento social. Houve o aumento de receita com a arrecadação de impostos, vez que a oligarquia e a elite passaram a pagar impostos. O orçamento se robusteceu também com cortes no pagamento da dívida que foi renegociada. A exploração do petróleo foi reestruturada segundo os interesses da nação.
“Depois de quatro anos, qual é o rumo?”. Ele mesmo responde: edificar uma sociedade democrática, um país soberano, de justiça social, de equilíbrio ecológico. Mais adiante, perguntou: “Estamos construindo o socialismo ou não?”. Ele tem convicção de que sim. Mas alertou para o fato de a transição do capitalismo ao socialismo ser um processo complexo. Sentencia que é necessário construir uma economia nacional e democrática. Por um lado, setores estratégicos da economia nas mãos do Estado nacional; por outro, cabe ao Estado regular vários outros níveis e tipos de propriedade. Na área social, impõe-se reduzir drasticamente os níveis de desigualdade.
Próximo passo: Consulta Popular
A Consulta Popular para ele é o próximo passo. Trata-se de um plebiscito a se realizar em breve. O assunto, agora, está em debate na mais alta Corte Constitucional do país. Depois disso, será marcada a data de sua realização. A oposição, até então desagregada e sem bandeiras, procura se unificar em torno do combate à Consulta. O tema domina as manchetes dos jornais. A mídia faz ostensiva campanha contra e explora ao máximo as contradições que surgem na aliança governista. No dia 28 de janeiro, um grupo político rompeu com o governo. A mídia endeusou os desertores. O mote usado pela oposição é que Correa pretende com a Consulta golpear a democracia e concentrar o poder em torno de si.
Muito ao contrário, proclama Patiño. Trata-se de aprofundar as reformas para renovar e democratizar o Estado, além de assegurar direitos ao povo. Dez questões serão apresentadas. As mais importantes: 1) Ampla reforma do obsoleto Poder Judiciário; 2) proibir que banqueiros sejam proprietários de meios de comunicação e criar um Conselho de regulação da Comunicação; 3) o enriquecimento ilícito não será permitido e será punido; 4) será tido como crime a empresa ou patrão que não registrar seus empregados no Sistema de Previdência; 5) questões relativas à Segurança, combate ao tráfico e à delinquência.
O governo na verdade é acossado tanto pela direita quanto por setores do movimento sindical e indígena. A direita é capitaneada pela Sociedade Patriótica do ex-presidente Lúcio Gutierrez e pelo Partido Social Cristão do prefeito de Guayaquil, Jaime Nebot. Parte do movimento indígena liderado pela CONAIE, Confederação de Nacionalidades Indígenas, se opõe ao governo. Pachakutik, braço político da CONAIE, considera o governo Correa neoliberal. Mesmo posicionamento de setores do movimento sindical e outras forças políticas, como o Partido Comunista Marxista-Lenista do Equador (PCMLE). Todos são contra a Consulta.
Por sua vez, o governo acredita que a Consulta fortalecerá o avanço das mudanças. Julga que pode vencer devido ao grande apoio popular de que dispõe e à força da liderança do presidente Rafael Correa. Põe confiança, também, no Movimento País, nos seus aliados políticos e, também, nos setores dos movimentos sociais, indígena, sindical e ecológico que o apoiam.
PCE: uma legenda histórica
O PC do Equador é um Partido que tem uma longa e heroica e história. Foi fundado na década de 20 do século passado. Tem prestígio entre os trabalhadores, o povo e as forças políticas. A presença do chanceler equatoriano Ricardo Patiño em seu Congresso é uma prova disso.
Domingos Paredes, também uma autoridade do governo equatoriano, é o ministro das Águas, deu depoimento na tribuna deste evento ressaltando o legado dos comunistas na construção do Equador e nas conquistas dos direitos de seu povo.Todavia, o PCE passou a enfrentar dificuldades desde 1991 com o fim da URSS e a denominada crise do socialismo, mas aos poucos foi se refazendo. Sua principal base é Guayaquil, maior centro urbano e operário do país. Mas, também está presente em Quito e outras regiões do país. Dirige a FEI, Confederação de povos, organizações indígenas e camponesas do Equador. Dirige, também, a Confederação dos Trabalhadores do Equador (CTE). Tais entidades vêm de longe, com um rol muito grande de batalhas.
O Congresso se realizou na cidade de Guayaquil. A organização do evento informou que 234 delegados e 69 suplentes foram inscritos. O conclave teve uma abertura solene no dia 27, às 18 horas. Foi uma simples, mas bonita cerimônia. Estavam presentes membro do consulado da Venezuela e representantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e do Partido Socialista local. Usaram da palavra o secretário-geral do CC cessante, Gustavo Iturralde, o embaixador de Cuba, Jorge Rodrigues, e José Agualsaca, membro do “presidium” do Congresso. Os discursos foram intercalados por música e poesia e se prestou também uma homenagem à memória de Edwing Perez, presidente da Juventude Comunista assassinado no final do ano passado.
Comunistas do PCE apoiam Correia
Em razoável medida, o Partido conseguiu engajar-se no processo da Revolução Cidadã. Gustavo Iturralde, falando em nome do Comitê Central que encerrava seu mandato, informou que o Partido em junho de 2006 firmou um compromisso com o então candidato Rafael Correa com base em compromissos programáticos e integrou sua coordenação de campanha. Destacou também a firme participação dos comunistas na resistência contra a tentativa de golpe, em 30 de setembro de 2010. Ressaltou as conquistas da Revolução Cidadã e disse que a melhor maneira de defendê-la é avançá-la, e a ponta de lança para isso seria a Reforma Agrária. Sublinhou também a necessidade de o Partido se engajar na Campanha da Consulta Popular – próxima grande batalha política. E fez críticas pontuais ao governo, sobretudo no tratamento do ministério do trabalho ao movimento operário. No dia 29, os delegados foram agrupados em 12 mesas temáticas. No final desse dia e manhã do dia 30 cada mesa apresentou seu relatório. Entre outras indicações, os relatórios indicaram a necessidade de o Partido ter uma identidade própria no processo eleitoral.
Em 30 de janeiro, no final dos trabalhos, em clima de unidade, foi eleito o novo Comitê Central do PCE.
*Membro do Secretariado Nacional do Partido Comunista do Brasil e presidente da Fundação Maurício Grabois.