1973. A obra de arte é uma colagem em papel A4 em branco, disposto na vertical.

      Na metade de cima, vai colada a parte da frente do cartão postal que fora amassado e, em seguida, desamassado. Mostra o mar, o céu azul e as ondas da praia de Icaraí, Niteroi, Rio de Janeiro.

      A metade de baixo da colagem é o lado oposto deste cartão postal, com o selo dos correios e uma mensagem escrita à mão. Poucas letras redondas anunciam coisas assim como, o sol está forte, que a praia é bonita e, por fim, uma saudação carregada com um quê de saudade e entusiasmo com o novo namorado distante.

      A colagem carrega camadas de desprezo – posso ver passado o tempo – e aguadas de goache aquarelando o cartão enrugado. Para finalizar a obra, o cartão postal é pisado com a pegada do pé descalço, antes carimbado em tinta branca.

      2011. Na madrugada sem orvalhos, um bafo quente de verão invade o quarto e traz aquele pé esmagando a mensagem do cartão postal.

      É um quadro emoldurado em alumínio, num sanduiche de vidro, e pareceu estar ali pregado na parede à minha frente, escorrendo lembranças com uma gosma de mágoas e desprezo.

      O pé e a madrugada deixam suas pegadas em meu peito, revirando sentimentos e tudo o que, sem solução, não fora e jamais serão resolvidos.

     Uma atitude, assim como uma obra de arte, ficam silentes aos gritos – quem disse que o silêncio é mudo? – atravessando os tempos..

      Aquele pé está sulcado na colagem que se tornou meu coração.

Professora