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    Comunicação

    Noturno em São Domingos das Latas

    Antes de tudo, oxalá a vida, afinal depois de tantas escaramuças depois das mortalhas destinadas, sobrevivemos. O algoz nos espera nas esquinas por onde passam os anos e já sentimos a lancinante dor de seus mil punhais. Muitos dos nossos partiram num febril troar de fuzis e o paradeiro da morte estão em incontáveis listas […]

    Antes de tudo, oxalá
    a vida, afinal
    depois de tantas escaramuças
    depois das mortalhas destinadas,
    sobrevivemos.

    O algoz nos espera
    nas esquinas por onde passam os anos
    e já sentimos a lancinante dor de seus mil punhais.

    Muitos dos nossos partiram num febril troar de fuzis
    e o paradeiro da morte estão em incontáveis listas
    onde, afinal, os mordaceiros de todas as espécies
    deixaram vis digitais.

    Geme o ventre partido pelas esporas do gendarme.

    As matas continuam sob um fogo
    tão antigo quanto o medo.

    As matas estão condenadas
    ao festejo de imensas labaredas.

    Dos alforges da memória saltam denúncias
    dos cárceres, da maldita cadeira-do-dragão,
    do secular pau-de-arara, do corta-cabeças,
    e da colonial impunidade de nossa época.

    Das manchas de sangue encrustadas
    em nossas roupas de cancioneiro
    aprendemos, nas escurezas,
    a cantar.

    Sempre foram nos ensinando
    sobre os grilhões e as virtudes do silêncio.

    Mal sabiam de nossa capacidade de traduzir
    silêncio em verso, silêncio em mais silêncio,
    preparando a vozearia libertária.

    Sempre foram nos ensinando
    sobre os perigos das vastas madrugadas
    enquanto empenhávamos todas as forças
    para arrancar das estrelas
    a luminosidade dos dias.

    Nossas lanças foram tecidas pela metálica lua
    e das pequenas pedras do caudaloso rio
    fomos fortificando a palavra esperança,
    interpretando os minerais da serra martirizada.

    Geme o ventre partido pelas esporas o gendarme.

    Daqui olho antigos companheiros: estão serenos,
    sérios, sorridentes, angustiados,
    onde estarão tão antigos companheiros?

    Lá fora o trôpego passo bêbado
    de uma noite que já não é.

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