[…] Se consultares o último capítulo do meu l8 de Brumário [1], verás que enuncio como próxima tentativa da revolução francesa não já, como até aqui, transferir a maquinaria burocrático-militar de umas mãos para outras mas demoli-la, e isto é a condição prévia de toda a verdadeira revolução popular no continente. É esta também a tentativa dos nossos heróicos camaradas de Paris. Que elasticidade, que iniciativa histórica, que capacidade de sacrifício, nestes parisienses! Após seis meses de fome e de arruinamento, pela traição interna ainda mais do que pelo inimigo externo, sublevam-se debaixo das baionetas prussianas, como se nunca tivesse existido uma guerra entre a França e a Alemanha e o inimigo não estivesse ainda às portas de Paris! A história não tem nenhum exemplo semelhante de semelhante grandeza! Se derrotados a culpa será só da sua «benevolência». Havia que marchar imediatamente para Versalhes depois de, primeiro, Vinoy e, em seguida, a parte reaccionária da própria Guarda Nacional de Paris terem abandonado o terreno. Perdeu-se o momento certo por escrúpulos de consciência. Não se queria iniciar a guerra civil, como se o mischievous avorton [2] Thiers não tivesse já iniciado a guerra civil com a sua tentativa de desarmamento de Paris! Segundo erro: o Comité Central renunciou demasiado cedo ao seu poder, para ceder o lugar à Comuna. De novo por escrupulosidade excessivamente «honesta»! Seja como for, a actual sublevação de Paris, mesmo que derrotada face aos lobos, porcos e rafeiros da velha sociedade, é o feito mais glorioso do nosso partido desde a insurreição de Junho parisiense. Compare-se com estes titãs de Paris, os escravos do Céu do sacro Império romano germano-prussiano, com as suas mascaradas póstumas cheirando a caserna, a igreja, aos Junker de aldeia e, sobretudo, a filisteísmo.

A propósito: na publicação oficial dos subsidiados directamente pela caixa de L. Bonaparte encontra-se a informação de que Vogt recebeu 40 000 frs. em Agosto de 1859! Comuniquei o fait [3] a Liebknecht, para uso ulterior. Podes enviar-me o Haxthausen [4], pois nos últimos tempos tenho recebido intactas diversas brochuras, etc., não só da Alemanha mas até de Petersburgo.

Obrigado pelas tuas várias remessas de jornais (peço mais, pois pretendo escrever algo acerca da Alemanha, do Reichstag, etc.) […]

Publicado pela primeira vez de forma abreviada na revista, Die Neue Zeit, Bd. 1, n.º 23, 1901-1902; de forma completa, em russo, no livro Cartas de Marx a Kugelmann, 1928.

Publicado segundo o manuscrito. Traduzido do alemão.

Selecção: Francisco Melo; Tradução: José Barata-Moura e João Pedro Gomes

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[1] Ver K.Marx-F. Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!», Lisboa, 2008, Tomo I, pp. 514-528.

[2] Expressão mista em inglês e francês: aborto maldoso.

[3] Em francês no texto: facto.

[4] Trata-se do livro de A. Haxthausen Über den Ursprung und die Grundlagen der Verfassung in den ehmals slavischen Ländern Deutschlands im allgemeinen und des Herzogthums Pomern im besondern (Sobre a Origem e os Fundamentos do Regime Social na Terras Outrora Eslavas da Alemanha em Geral e no Ducado da Pomerânia em Particular).

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Fonte: jornal Avante!