“De forma geral, o número de mulheres cresce de maneira contínua na ciência brasileira”, disse à IPS Jacqueline Leta, especialista na situação de gênero na ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com dados do censo de 2008, o estudo diz que havia nos laboratórios 60.291 homens e 57.662 mulheres. Entretanto, a situação varia quando se analisa cada área, esclarece Jacqueline, que integra o Programa de Educação, Gestão e Difusão em Ciências do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

A presença é maior nas áreas de saúde e biologia. Há casos emblemáticos como o da renomada geneticista Maiana Zats, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP). A genética é um setor onde as mulheres são maioria, segundo o CNPq, com 1.049 pesquisadoras contra 976 homens. E a presença feminina cai em áreas como pesquisa em engenharia, onde a proporção de mulheres é 4.151 para 15.203 homens.

“Ninguém escolhe uma carreira dez dias antes de prestar o vestibular”, disse Jacqueline ao atribuir essa decisão a “anos de influência cultural, do pai e da mãe, do clube, do que é divulgado na Internet e nos noticiários”, onde o avental branco e o microscópio são majoritariamente para os homens. São “complexas e diversas influências que começam por cenas remotas na infância, de meninas brincando com bonecas ou brincadeiras de costura, e homens, com videogames ou jogos de ciências”, afirmou.

A física Belita Koiller diz que a mudança deve ser cultural, com os meios de comunicação mostrando mais mulheres cientistas e estimulando a aproximação das meninas e das adolescentes aos laboratórios. “Muitas meninas que vêm em visita com suas escolas ficam fascinadas e assustadas ao mesmo tempo ao verem mulheres em um laboratório”, contou à IPS. São mitos sexistas que se desfazem em casa, mas também na escola.

Jorge Werthein, vice-presidente da Sangari Brasil, disse à IPS que mitos como o de que “as mulheres não têm cabeça para ciência” são rebatidos pelos números. A Sangari é uma empresa com sede na cidade de São Paulo que promove a ciência desde a educação primária, mediante métodos e materiais didáticos inovadores. Jorge também é diretor do Instituto Sangari, dedicado a democratizar o acesso à ciência, e destacou que o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes “mostra pouquíssima diferença no desempenho entre meninos e meninas na área de ciências”.

Jorge considera que a melhor política de inclusão “é a universalização da qualidade do ensino fundamental, para qualquer profissional de qualquer área, especialmente na de ciências”. Se dermos “condições iguais para mulheres e homens, terão oportunidades iguais. Se as meninas tiverem acesso a uma educação científica de qualidade desde a infância, poderão disputar o mercado de trabalho em melhores condições”, ressaltou.

É no mercado de trabalho e na concessão de bolsas que começam a se manifestar as diferenças de gênero mais visíveis. Jacqueline disse que, no Brasil, de cada cem pessoas com doutorado, 54 são mulheres. Porém, apenas 25% das bolsas de pós-graduação são concedidas a mulheres. Uma proporção que, por exemplo, se mantém nos cargos de direção da UFRJ, onde trabalha, embora metade dos docentes sejam mulheres.

Beatriz Silveira Barbuy, renomada astrofísica brasileira, disse à IPS que a situação melhora gradualmente, mas que as jovens cientistas ainda têm problemas de gênero para pesquisar. “As mulheres, nas ciências, são tão capazes, ou mais, quanto os homens. E todas as que conheço são excepcionais”, afirmou. No entanto, “precisam ser melhores do que os homens para serem reconhecidas”, acrescentou Beatriz, especialista do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Ela reconhece que houve avanços no tema, como a licença maternidade para bolsistas de mestrado e doutorado. Entretanto, destacou a dificuldade de compatibilizar os longuíssimos horários nos laboratórios com a maternidade.

Outra renomada cientista, a física Belita Koiller, ironizou dizendo que, para superar este problema, a mulher acaba por continuar dependente da família e do marido também no laboratório. “É necessária a sensibilidade do marido para que possa assumir e compartilhar tarefas como cuidar dos filhos”, disse Belita, do Instituto de Física da UFRJ. “Precisam de uma família de alta qualidade” para aceitar seus horários, funções e viagens, acrescentou Beatriz. Como as demais entrevistadas, Jacqueline destacou que “o momento de ascensão na carreira” ainda representa uma barreira, às vezes sutil, mas real, para as cientistas.

É neste momento que procedimentos de “senso comum” são substituídos por um sistema de “meritocracia” que beneficia os homens. “Existem diferenças enormes. Cargos de maior hierarquia e poder ainda estão nas mãos de pesquisadores”, afirmou Jacqueline. A maioria dos cargos de direção, coordenação de pesquisas ou concessão de bolsas está nas mãos dos homens, e “os homens acabam escolhendo homens”, completou.

As diferenças também são salariais. No Brasil, de 80% a 90% dos pesquisadores estão nas universidades, onde também são docentes, e nestas instituições a igualdade salarial é regulamentada. Porém, na prática a remuneração acaba sendo menor para as mulheres. Jacqueline atribuiu isso a dois fatores, como existência de pontuações adicionais, que aumentam os salários básicos se, por exemplo, têm cargos de comissão ou direção de unidade, majoritariamente controlados pelos homens.

São barreiras que, como os mitos sexistas, a pesquisadora considera que precisam ser derrubados também em carreiras consideradas “femininas” e com carência de homens, como as ciências da educação, nutrição e enfermagem. “Quando há homens e mulheres atuando juntos são potencializadas a criatividade, a diversidade do pensamento e da ação. Ali teremos um ganho real. Só a soma produz o progresso, e isso também na ciência”, concluiu Jacqueline.

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Fonte: IPS, no Envolverde