Não restam dúvidas de que estamos diante de uma posição político-ideológica proveniente do capitalismo, e muito mais do neoliberalismo, que transforma o homem em “lobo do homem”: é preciso seguir adiante seja como for ainda que com isso acabemos com nossos irmãos e com nossa coletividade, os valores individuais é que contribuem para o nosso progresso e, por isso, devemos praticá-los.

Esquece ou desconhece a visão de mundo andino que valoriza as ações sociais e considera que a sociedade deve progredir trazendo bem-estar para todos, daí a importância da solidariedade e de formas solidárias de ação social e individual, como a Mita, a Minka e o Ayni. As grandes obras de irrigação e de abertura de estradas no território tawantisuyano ocorreram graças à Mita. Os miteiros recebiam em troca de seu trabalho e contribuição nas obras comunitárias benefícios de toda ordem, de comida e roupas a conhecimentos técnicos.

As autoridades estabeleciam convênios com a população para desenvolver suas comunidades ou localidades específicas – o que foi chamado de Ayni. Os comuneiros ajudam na construção de uma ponte, ou na infraestrutura das vias públicas e as autoridades fazem pacto com eles e lhes entregam benefícios por sua colaboração.

Quando há reciprocidade entre os indivíduos de uma comunidade chama-se Minka. Ela era utilizada em trabalhos de construção de casas, de uma parcela ou de ajuda mútua para realizar algum projeto de interesse comum. Hoje em dia essas práticas se mantêm e ajudam no desenvolvimento da comunidade.

O coletivismo andino vai mais além das ações de trabalho, tem a ver com uma verdadeira democracia. Os comuneiros graças a esse coletivismo reúnem-se em assembleias, firmam coletivamente acordos e tomam decisões as mais variadas que vão da posse de terra até uma punição que é determinada a ladrões de gado e a delinquentes da comunidade.

Teríamos de perguntar: É atrasada essa forma de participação das populações andinas na resolução dos problemas de sua região? Realmente acreditamos que seja uma forma moderna e eficaz que envolve o habitante e as autoridades com seu meio.

Nos Andes as ações são coletivas. Só um ser tributário de uma cultura dominante, e incapaz de compreender o verdadeiro significado moderno de solidariedade, pode pensar que o coletivismo andino é sinônimo de atraso.


Arguedas

Outro aspecto amplamente criticado é o chamado “indigenismo” arguediano. Para Vargas Llosa, Arguedas quer voltar ao passado inca ao considerar a sociedade inca como a que melhor resolveu os problemas de sua população. Em nenhum momento de suas narrativas ou estudos antropológicos Arguedas nos diz que devemos retornar ao passado. O que ele pretende – seguindo o pensamento mariateguista – é que consideremos o passado para dele extrair os assuntos positivos com os quais atuemos no presente nos projetando para o futuro. Essa prática nos permitirá, além de atualizar e recuperar tudo o que é de bom, melhorar nossa autoestima e conhecer nossas raízes.

Quando Arguedas nos fala de Tawantinsuyo o faz para que tenhamos um reencontro com Machu Pichu, Sacsaywaman (grandes construções), Capac Ñan (sistema de estradas e grandes avenidas), as práticas médicas e os avanços da medicina. As grandes obras de engenharia hidráulica, a indústria têxtil e as tintas hoje chamadas ecológicas. Ele não pretende voltar ao passado, mas sim dele extrair uma série de técnicas e conhecimentos.

É um erro considerar que conhecer um grande passado nos levará ao ostracismo e ao atraso.
Vargas Llosa considera Arguedas um homem mágico-religioso que possui uma hipersensibilidade diante da natureza, da flora e da fauna. Em suas obras as árvores, as plantas e os animais tornam-se personagens principais e adquirem vida. Devemos recusar esse argumento do autor do ensaio, que demonstra sua ignorância em relação à visão de mundo andina. Nos Andes o homem deve estar em harmonia com a natureza, ele é uma parte a mais, necessária e útil, mas não um rei como propõe a filosofia judaico-cristã.

O sentido religioso de andino permite ao homem “religar-se” com a natureza. Arguedas segue a tradição de sobrevivência das culturas de resistência e se move por mitos, lendas e fábulas para explicar a origem do mundo e do universo. Declara-se socialista ao afirmar que do socialismo não foi tirada a condição mágica – essa frase não deve ser entendida ao pé da letra, mas sim dentro do contexto de resistência histórica que o inspirou viver.

Para o andino o homem é energia e ela flui através da natureza. Essa energia chamada Kamaq se encontra no ser humano e em seu entorno existencial. Portanto, o mundo está pleno de energia e ela se manifesta com maior intensidade por meio das grandes montanhas. As montanhas são chamadas, conforme sua categoria, de Roales, Apus ou Wamanis. É preciso entrar nesse mundo para poder entender José Maria.

Não significa, pois, por um lado, que José Maria pense que uma colina ou montanha falará, ou que uma árvore nos perseguirá, mas sim que, à medida que geram a biodiversidade climática e dão energia, ele lhes atribui valor absoluto em suas narrativas. Por outro, os animais são parte da natureza, cumprem um papel, uma função e todos são importantes para obter a subsistência e a permanência dos ecossistemas. O homem deve viver em união com todos os seres vivos do universo.

Arguedas, com os animais (Yawar Fiesta) simboliza o conquistador opressor vindo de fora (Touro) e o habitante nativo com uma ave defensora e andina (Condor). Veremos em Arguedas a vitória do andino sobre o estrangeiro, ou o encontro do habitante autóctone com suas aves (Rasu Ñiti). Não se pode esquecer que Arguedas deseja a libertação da nação andina (mito de Inkarri) e que permanentemente profetiza a chamada ressurreição da cultura andina. Na narrativa arguediana a vitória do Condor sobre o Touro, e as conversas dos condores com os danzac ou os habitantes são um acontecimento permanente.

Vargas Llosa atribui a origem do pensamento arguediano pela falta de amor familiar e pela desgraça pelo fato de, segundo ele, Arguedas ter sido criado pelos índios quéchua. Para ele foi um demérito Arguedas ter sido criado em uma cozinha de fazenda e suas referências terem sido os usos e costumes indígenas. Além disso, o prêmio Nobel analisa José Maria de uma perspectiva de classe, excludente, racista e incapaz de compreender o Peru e sua gente.

Em algum ponto de sua análise Vargas Llosa considera que Arguedas defende um racismo ao contrário baseado na superioridade do índio sobre o branco. Essa interpretação é muito parcial porque Arguedas não propõe a superioridade, mas sim a libertação do habitante andino frente ao invasor opressor.

Comprovamos a vigência de Arguedas ao lermos seus livros e neles encontrarmos a denúncia contra as companhias mineiras que contaminam os rios e condenam à morte os habitantes das comunidades. Hoje essa postura seria chamada de ecologista.

Vargas Llosa fala das fantasias criadas por Arguedas. Da invenção de uma grande civilização? Não é verdade que o regime sócio-econômico do Tawantinsuyo não permitiu o surgimento da miséria e cuidou para que cada ser humano fosse proprietário de seu pedaço de terra e dela usufruísse até o dia de sua morte? Não é verdade que há anos Francisco Pizarro foi declarado como o maior genocida da história?

Quanto a Arguedas ter sido ilógico e irracional é evidente que são conceitos expressos por um ser que – no dizer dos personagens de Todas las sangres – conhece tão bem o Peru quanto o Congo.

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Pilar Roca é escritora e produtora de cinema peruana. Entre suas produções se encontra o clássico peruano Tupac Amaru.

Tradução: Lucília Ruy