Cartas Goianas e Paulistas: modas caipiras de raíz
Estas são as "cartas" que trocamos nesse período acima descrito:
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São Paulo, 27/11/2010
Caro SE GYN,
Eu gosto de alguns letristas de modas caipiras; dentre eles eu destaco o João Pacífico, (nosso Vinícius) e o José Fortuna (nosso Chico Buarque). Tem trovas que me dão arrepios; como esta de Índio Vago e Nonô Basílio: “Tenho saudade/ De rever nas corrutela/ As mocinha na janela/ Acenado uma flor”… . Tem uma trova do Carreirinho, que diz: “Faço modas de gente boa/ E de alguns incorrigive/ Todas modas qu´eu invento/ Ponho régua, prumo e níve”… Outra do Zé Carreiro (autor da moda “Pescador” – 1910”): “Eu parti de Araraquara/ Com destino a Goiás/ Quando eu vim da minha terra/ Travessei Minas Gerais”… . Uma do grande poeta José Fortuna, a quem o ACAS viu se apresentar (junto com Pitangueira e Zé do fole-Os Maracanãs), em Cravinhos-SP, num circo, quando tinha apenas dez anos de idade:”Lugarejo, começo de vila/ Meia dúzia de casa vizinhas/ Onde a verde esperança que ia/ Se encontrou com a saudade que vinha”… . Outra do Lourival dos Santos (que não é meu parente) e Tião Carreiro: “Na beirada do telhado/ É morada do cuitelo/Sanhaço tem pena verde/ Mora no pé do marmelo/ No galho da laranjeira/Sabiá peito amarelo/ Nos braços dessa viola/ Mineiro de Monte Belo”. Uma de Ari Machado e Sá Pereira: “Deixa a cidade,/ Formosa morena/ Linda pequena/ E volte ao sertão/ E venha ouvir a fonte que canta/Que se levanta do fundo do chão…”. Uma do Newton Almeida Mello: “Piracicaba, que eu adoro tanto/ Cheia de flores/Cheia de encantos/ Ninguém compreende/A grande dor que sente/ Um filho ausente a suspirar por ti…” . Uma do Teddy Vieira: “Num bar de Ribeirão Preto/ Eu vi com meus olhos essa passagem/ Quando o champanha corria a rodo/ Nas altas rodas da grã-finagem…”
Termino o comentário ao SE GYN, com uma trova do canto folclórico “Campo Verde Serenado”, da cidade de Vila Bela, primeira capital do Mato Grosso (quando havia apenas um!!!): “Se eu subesse que tu vinha/ Fazia o dia maió/ Dava um nó na fita verde/ ôtro no raio do sol”… .
Inté, goiano.
ACAS
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Goiânia, 27/11/2010
Pois é, meu caro ACAS – como eu tenho escrito por aqui, um dia quando passar o incorrigível preconceito contra a música rural brasileira e algum pesquisador sério começar a revirar todo o acervo desde a época do Coronel Pires, vão se dar contra de sua grandeza e, da capacidade dos bandeirantes da música sertaneja. Mas, as músicas que citou dão uma senhora lista de clássicos. Gosto de todos os que citou, com destaque para Carreirinho, José Fortuna (que, suponho, viu canta com Pitangueira), o revolucionário Tião Carreiro e Renato Teixeira e, excepcionando Roberta Miranda, em virtude daquele negócio de "ego", "meu ego" e, enfim "música cabeça" e, ressaltando Renato Teixeira que, tendo influências de toda natureza (até do Country americano) e, uma simpatia irresistível, hoje é um elo de ligação e unificação de discurso entre as diversas gerações da música sertaneja. Valeu!, ACAS. Grato pelos comentários enriquecedores…
Se Gyn
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São Paulo, 28/11/2010
Caro SE Gyn,
A Roberta Miranda aparece aqui devido a apenas uma canção: "A Majestade o Sabiá"; pois a maior compositora brasileira de todos os tempos foi Chiquinha Gonzaga, que nunca fez, infelizmente, uma única moda caipira, porém fez "Lua Branca", do mesmo padrão de "Luar do Sertão", de Catulo da Paixão Cearense! Sem dizer que Chiquinha Gonzaga fez a "Abre Alas", que foi o primeiro samba enredo das escolas de samba do Rio de Janeiro, cuja melodia também tinha uma letra especial adaptada quando eu jogava futebol (tenho foto para provar)no Infantil Paulistinha do Jardim D´Abril (Osasco-SP); onde cantávamos a bordo dos caminhões que nos levavam de um campo de futebol varzeano ao outro: "..Oh, abre alas/ Sou eu morena/ Oh, abre alas/ Que eu quero passar/ Vermelho e branco/ Sinal de guerra/ É o Paulistinha que estremece a terra!!!! ". Curiosíssimo, é que a camisa do Paulistinha tinha as cores Preto e Branco: a letra adaptada era mal feita, porém ninguém ligava para esse pequeno deslize. Existiram outras compositoras importantes; como Dolores Duran, Estelinha Egg, uma goiana folclorista, cujo sobrenome era Carvalho e da qual esqueci o nome, Zita Carreiro e etc. Conclusão: eu sou justo; queria colocar o nome de uma mulher na minha relação. Que me desculpem quem preferiria a Zita Carreiro, a Lina Pesci, ou Zica Bergami; mas quem compõe uma música como a "A Majestade, o Sabiá", merece respeito; ao menos do ACAS.
ACAS
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São Paulo, 28/11/2010
Se Gyn,
A compositora goiana que mencionei é a Ely Camargo (não é nada de Carvalho, desculpe), que até o mês de setembro ainda estava viva e morando em Goiânia. Um pouco sobre ela: Retirado de Dicionário Cravo Albin da MPB (ou Eli Camargo) Nasceu ao dia 12/2/1930 em Goiânia, Goiás. Cantora. Folclorista. Violonista. Radialista. Em 1960, participou do Trio Guairá de Goiânia. Em 1962, assinou contrato com a Rede Tupi de rádio e televisão. No mesmo ano, gravou “Caninha verde”, do folclore paulista, no LP “Canções da minha terra”, pela Chantecler. Gravou o arrasta-pé “Santo Antônio tenha dó”, de Maria do Rosário Veiga Torres, e o samba caipira “Marido pelado”, de Teddy Vieira. Em 1963, gravou valsa “Tempos passados”, de Zica Bergami e a moda de viola “Lá na venda, lá na vendinha”, de Lourdes Maia. Em 1964, gravou o LP “Folclore do Brasil”, com cantos de trabalho nas plantações de arroz de São João da Boa Vista e um canto de ferreiro, de Botucatu. Em 1967, participou com grande sucesso da Semana Cornélio Pires realizada na cidade paulista de Tietê. Em 1968, gravou o LP “Canção da guitarra”, com músicas de Marcelo Tupinambá. Ao longo da carreira gravou cerca de 15 LPs, além de compactos.Na Rádio da Universidade Federal de Goiás apresentou os programas “Brasil de canto a canto”, “Eli Camargo convida” e “Alma brasileira”. Em 1978 lançou o LP “Minha terra”, no qual interpreta “História triste de uma praieira”, “Minha terra” e “Vida Marvada”. Um de seus sucessos como compositora foi “O menino e o circo”, gravada por Cascatinha e Inhana. Em 1999, lançou “Cantigas do povo”. Ely Camargo nasceu em Goiás e em 1962 fixou residência em São Paulo, onde iniciou sua carreira de cantora, motivada por seu pai que era maestro e seu bisavô que foi o mais famoso escultor de Goiás. Ela já gravou mais de 12 discos e atualmente integra a Secretaria Municipal de Cultura em Goiânia, onde apresenta e produz programas semanais de rádio.
Telefone da Ely Camargo para contato: (55)(062) 215 5176
ACAS
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Goiânia, 01/12/2010
Gostei da referência às músicas "Santo Antônio, tenha dó!" e, "Lá na venda, lá na vendinha". Se eu não estiver enganado, elas são consideradas de domínio popular – e creio que Marcelo Barra gravou um pot-pourri declarando-as assim. Mas, isto tem há ver com a introjeção delas, feitas pela Ely Camargo, é claro. Mas, nesse negócio de "domínio popular" tem muito truque. Certa vez, tive um mal-estar com um maestro de um coral em que cantava, porque ele havia incluído "Chapéu de Palha", do Alvarenga no repertório com a informação de que a música era de domínio popular e, ele creditava para si, o "recolhimento" dela (o cara queria ser Vanzolini na base da mandracaria…). Cheguei a levar um disco e, exibir a todos do coral, mas ele bateu o pé e… ficou por isso mesmo*. Gostei dos acréscimos da lista de classicões – inclusive "Pagode em Brasília", que faz referência a Waldomiro Bariani Ortêncio (o dono do "Bazar do Waldomiro", em Brasília), que, sendo paulista de nascença e, goiano de coração, também é uma das figuras mais destacadas no mundo das letras de Goiás. Muito boa, também, a lembrança do Anacleto, grande músico, compositor e arranjador que fazia as trilhas musicais dos filmes do Mazzaroppi. Renato Teixeira gravou com muita felicidade sua "Casinha Branca…" Mas, falando na constelação de compositores, me lembrei de Goyá, que compôs coisas fora de série, inclusive "Poeira", e "Saudade da minha terra (esta, com Belmonte) e, "Saudades de Goiás", entre muitas outras, gravadas respectivamente, pelo Duo Glacial, de quem lembrou e, a fantástica dupla Belmonte e Amaraí (que, se não me engano, gravaram o disco de maior venda individual da história da música brasileira, com a gravação "Saudade da minha terra". Há muito o que dizer sobre este universo e, seus personagens. E aí, estamos nós, fazendo a nossa parte!
Abs, grande ACAS!
*A este respeito: http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/1653575.
Se Gyn
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São Paulo, 27/11/2010
Caro SE GYN,
A música “Saudade de Minha Terra”, com Belmonte e Amaraí é uma das maravilhas do cancioneiro caipira. (De que me adianta/ Viver na cidade/ Se a felicidade/Não me acompanhar…). Gosto também da música “Passarinho”, cantada por Campanha e Cuiabano; “Mágoa de Boiadeiro”, Pedro Bento e Zé da Estrada; “Flor do Cafezal”, Cascatinha e Inhana; “Chico Mineiro” e “Pingo D´Água” e “Cabocla Tereza”, Tonico e Tinoco. Meus compositores caipiras prediletos são, entre os antigos: Carreirinho, Raul Torres, João Pacífico e José Fortuna (dentre outros); entre os novos, a Roberta Miranda e o Renato Teixeira. Gosto da "Moreninha Linda", Tonico e Tinoco; "Luar Cor de Prata", Pedro Bento e Estrada; "Pagode em Brasília, Tião Carreiro e Pardinho; Paineira Velha com Zé Fortuna e Pitangueira; "Camisa Branca", Duo Glacial; "Dia da Formatura", Nalva Aguiar; "Estrada da Vida", com Milionário e José Rico; "Asa Branca", Luiz Gonzaga; "Velho Pai", Léo Canhoto e Robertinho; "Vestido de Seda", Teodoro e Sampaio; "Castelo de Amor", Trio Parada Dura; "Menino da Porteira", Sérgio Reis; "Lembranças de um Boiadeiro", Tonico e Tinoco; "A Dor da Saudade", de Elpídio dos Santos, Mazzaropi; "Mestiça", Anacleto Rosas Jr., Dois Turunas; "Marvada Pinga", domínio publico, Inezita Barroso; "Rio de Lágrimas", de Tião Carreiro, Almir Sater; . "Cuitelinho", com Pena Branca e Xavantinho;"Vide Vida Marvada", Rolando Boldrin; "Meu Primeiro Amor" e “Índia”, com Cascatinha e Inhana; "O Menino da Porteira", Sérgio Reis; "Estrada da Vida", Milionário e José Rico; "Majestade, o Sabiá", Jair Rodrigues, Chitãozinho e Xororó; "Ainda Ontem Chorei de Saudade", João Mineiro e Marciano; “João de Barro”, Barreto e Barroso(Muibo Cury); e tem muito mais, pois não poderia esquecer de "Luar do Sertão" (feita no século XIX), de “Tristeza do Jeca”, “No Rancho Fundo”, “Chalana”, “Pirapora” (de Ado Benatti), “As Andorinhas Voltaram”, com o Trio Parada Dura, (RSRSRS)……
ACAS
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Goiânia, 01/12/2010
Havia me esquecido que Roberta Miranda fez "Majestade e Sabiá", meu caro ACAS – e é, de fato, uma senhora canção. E isto é o bastante para incluí-la neste universo, é claro. Mas, repare que o Leo, excelente compositor da dupla Vitor e Leo, tem pelo menos uma letra naquela linha de "ego", "meu eu" – escola, portanto, rs! Mas, fico abismado com o que vc vai tirando da cachola aí – citando tantos e velhos clássicos. Mas, falando em Ely Camargo: anos atrás, os músicos de MPB goiana (existe e é da boa!), fizeram um show em homenagem a ela, pois ela foi a bandeirante que abriu as portas para todos os goianos que caíram na estrada da música, depois (Lindomar Castilho, Odair José, Amado Batista, Robertinho (da dupla Leo Canhoto e…), Cristian e Ralph, Leandro e Leonardo, Marcelo Barra, João Caetano, … Juntaram-se justamente João Caetano, Marcelo Barra, Fernando Perillo, Pádua, Maria Eugênia, sob a batuta do maestro Ricardo Leão (da mesma geração que Caetano e Perillo) e, com a participação de Paulo Chaffin, fizeram um grande show em homenagem a ela – e ela participou, cantando duas músicas, entre as quais, a clássica "Noites Goianas", modinha dos tempos da velha Goiás, que deu nome ao show. Não sei se ouviu, mas gravei um programa apresentando à turma do ROL e RROL a MPB goiana, e, a base do programa foram as músicas do show em questão.
Se Gyn
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Goiânia, 02/12/2010
…Mas, a história do velho time de futebol, seu hino e suas andanças, parece pedir uma crônica à parte!…
Se Gyn
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São Paulo, 02/12/2010
Ando recluso devido aos problemas que tenho enfrentado nos últimos meses; porém a idéia de escrever sobre o time do Paulistinha é antiga: tenho foto e lembranças!!! Falta-me ânimo e coragem. No entanto já escrevi, há tempos, um texto que está aqui no RL com o título: "A Várzea Como Ela Era". Convido-o a lê-la!
ACAS
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Goiânia, 03/12/2010
Meu caro ACAS; espero que você supere rapidamente os entreveros com os problemas que enfrenta, para continuar a nos brindar com suas crônicas e causos saborosos, com aquele gosto das coisas autênticas do interior do nosso imenso Brasil!
Se Gyn
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Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.