Em livro publicado no início deste ano pela editora Little, Brown na Inglaterra, sob o título de “Como mudar o mundo” (How to Change de World) o escritor marxista Eric Hobsbawm recupera — logo em seu primeiro capítulo (Marx, Hoje) – um evento chamado Semana Judaica do Livro realizada em 2007, em Londres, duas semanas antes do dia em que se lembra a morte de Karl Marx, em 14 de março. O tal evento ficava bem perto de onde se localiza a área da capital londrina mais associada à vida do fundador do marxismo: o chamado Round Reading Room (a sala de leitura principal) do Museu Britânico, situado na Great Russell St.

Naquela ocasião, dois diferentes pensadores – Jacques Attali e o próprio Hobsbawm – foram convidados a fazer uma homenagem póstuma em memória de Marx. Em seu texto, o autor argumenta que não se poderia dizer que Marx havia sido coberto de insucessos em 1883, pois seus escritos começavam a causar impacto na Alemanha e especialmente entre os intelectuais russos da época, além de galvanizar um movimento social liderado por seus discípulos que estava em curso no ambiente sindical e trabalhista alemão.

Mas, de fato, havia pouco material disponível que revelasse o trabalho de toda uma vida. Ele escrevera alguns textos brilhantes e o tronco principal de sua mais importante obra, O Capital, texto sobre o qual dedicara os últimos dez anos de sua vida, enfrentando grandes dificuldades. “Que obras?”, perguntou Marx de forma ácida quando um visitante o questionara a respeito de seus trabalhos… relembrou Hobsbawm em sua palestra. O esforço político organizativo mais significativo de Marx desde a débâcle da revolução de 1848, a então chamada Primeira Internacional de 1864—73, havia se desfeito. Além disso, ele não conseguira alcançar uma posição de destaque na vida política e intelectual da Inglaterra, onde havia vivido quase metade de sua vida, como exilado.

E apesar de tudo isso, disse Hobsbawm, que extraordinário sucesso póstumo! Após vinte e cinco anos de sua morte os partidos políticos das classes trabalhadoras européias fundados em seu nome – ou que se diziam inspirados por Marx – conquistaram de 15 a 47% dos votos nos países que adotavam eleições democráticas – com a única exceção da Inglaterra. Depois de 1918, continuou ele, a maior parte destes partidos se tornou partícipe de governos, não apenas partidos de oposição, e permaneceram como tais mesmo após o fim do fascismo, apesar de que muitos deles ansiarem por renegar sua origem… Todos eles ainda mantêm sua organização em funcionamento.

Neste meio tempo, discípulos de Marx criaram grupos revolucionários em países não-democráticos e no terceiro mundo. Passados setenta anos da morte de Marx, um terço da humanidade vivia sob regimes comandados por partidos comunistas que se propunham representar as ideias e aspirações marxistas. Deste terço do planeta, hoje pelo menos 20% ainda se declara socialista, apesar de que os partidos no poder, com algumas exceções, tenham dramaticamente alterado suas políticas – no entendimento de Hobsbawm. Em resumo, diz ele, se algum pensador deixou sua marca indelével no século XX, esta figura foi Marx.

Percorrendo as ruelas do cemitério de Highgate, onde estão depositados os restos mortais de dois filósofos do século dezenove – Karl Marx e Herbert Spencer – nota-se que curiosamente eles estão colocados frente a frente. Quando ambos estavam vivos, Herbert era conhecido como o Aristóteles da sua época, e Karl um sujeito que vivia na periferia de Hampstead à custa dos recursos de um amigo seu… Hoje em dia ninguém sabe que Spencer está enterrado lá, enquanto peregrinos do Japão e da Índia visitam o túmulo de Karl Marx e exilados comunistas iranianos e iraquianos insistem em serem queimados sob sua memória.

Hobsbawn relativiza a pesquisa realizada entre os ouvintes e telespectadores da BBC, a rede pública de informação britânica, que colocou Karl Marx como o maior filósofo de todos os tempos, mas lembrou em seu arrazoado que se colocarmos o nome de Marx na ferramenta de busca do Google, ele permanece com o maior número de referências, apenas superado por Darwin e Einstein, mas muito à frente de Adam Smith e Freud.

O autor do livro lançado, ainda sem tradução para o português, lembrou naquele ato que o grande interesse na obra de Marx, de forma contraditória, ganhou grande impulso recentemente com o desencadeamento da grande crise econômica e financeira a partir do epicentro nos Estados Unidos. Contou, então, que encontrara com George Soros e que este lhe havia perguntado o que pensava sobre Karl Marx. Ao que Hobsbawm – sabedor das profundas diferenças de visão entre ambos – verbalizou uma resposta ambígua qualquer. Soros acabou dizendo, em seguida, que “há 150 anos aquele homem descobriu algo sobre o capitalismo que precisamos levar em conta atualmente”. Logo depois deste fato, Hobsbawm começou a perceber um número crescente de intelectuais que nunca haviam se apresentado como de esquerda fazer referências às obras marxistas. Como Jacques Attali, seu companheiro de seminário naquele dia, autor de obra sobre a vida e o estudo desenvolvido por Marx.

Por fim, Hobsbawm lembrou que o jornal conservador inglês Financial Times, de outubro de 2008, estampou na primeira página o título: Capitalismo em convulsão, não restara dúvidas que Marx voltava à cena pública. Enquanto o capitalismo atravessa uma de suas piores crises desde a década de 1930, ele provoca o reaparecimento de seu pensamento. Por outro lado, segundo o autor, o Marx do século XXI será, certamente, bem diferente do Marx do século XX.

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Presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)