INTRODUÇÃO

Tempos de ventos neo-liberais, de mistificação do mercado e da liberdade (também de mercado), afetando todas as esferas de vida da sociedade: econômica, política, social e também a educacional. Da realidade para o âmbito da ideologia, isto é, do plano das relações concretas para a esfera da produção das teorias, a profunda e grave crise estrutural do modo capitalista de produção é acompanhada pela recriação apologética do irracionalismo e do anti-realismo. Nesse movimento de resgate de velhas idéias, travestidas da mais absoluta novidade, vivemos tempos de apologia da subjetividade, do microscópio, do fragmentário e do particular levada a efeito, entre outros e principalmente, pelos arautos da pós-modernidade. E para coroar esse movimento das idéias, após a vitória heróica contra todo e qualquer obstáculo, tem-se a glorificação do capital, mitologicamente alçado para fora do tempo e do espaço. Tempos, pois, de relativização da concepção de tempo, de “fukuiamação” das transformações temporais, com a decretação do fim da História!

Justamente quando os intelectuais orgânicos da burguesia usam e abusam de uma suposta eternização do capital, decretam o fim do socialismo e anunciam a morte do marxismo… eles nada têm a festejar! O modo capitalista de produção vive às voltas com mais uma de suas profundas crises e, com ela, a miséria e a barbárie (econômica, social, intelectual e moral) constituem legado do capital à maioria da população. Correspondendo dialeticamente à espetacular acumulação, centralização e monopolização do capital, uma massa crescente de homens, mulheres e crianças vivem em abjeta penúria. Ao acúmulo de riqueza num pólo da sociedade, do outro lado impera o acumulo da pobreza e proliferam os movimentos dos SEM: sem casa, sem terra, sem emprego, sem propriedade… sem capital.
Passado o espanto de toda a esquerda com a “queda do muro”, não é preciso a justificação de mais nada. Os estudos históricos que tragam à luz os processos ocorridos na URSS, ou qualquer outro lugar, e pelos quais toda a esquerda tem sido responsabilizada. Como o “leite está derramado”, nada nos obriga a ficar chorando por não conseguir recolhê-lo. Assim, enquanto o capital tem a contabilizar a miséria e o morticínio de milhares de seres humanos, hoje podemos livremente dar continuidade ao anúncio bombástico da revolução. Tal como na mitologia grega em que a Fênix ressurge das cinzas, para espanto de uma burguesia cada dia mais encastelada e trancafiada em condomínios e edifícios de luxo, fortemente guardados, livremente podemos anunciar que um espectro continua a rondar o mundo… a REVOLUÇÃO, o COMUNISMO.

É neste quadro que acho importante inserir os eventos comemorativos dos 130 da Comuna de Paris. Num tempo em que o capital glorifica sua eternização, a memória da Comuna recoloca na ordem-do-dia a possibilidade de tomada REVOLUCIONÁRIA do poder pelos trabalhadores e a implementação efetiva “de um governo do povo e pelo povo”, conforme o caracterizou Marx.

O estudo da Comuna de Paris consubstancia-se interessante por dois motivos: acadêmico e também político. Do ponto de vista acadêmico o interesse reside, especificamente, nas análises marxianas sobre o assunto, notadamente os manifestos que compõem A guerra civil na França, de 1871, inclusive a “Introdução” de Engels, de 1879. Para Marx as medidas tomadas pela Comuna foram “notáveis pela sua sagacidade e moderação, só podiam ser compatíveis com a situação de cidade sitiada”(…), nessa situação as “medidas especiais não poderiam senão indicar a tendência de um governo do povo e pelo povo”. Mais tarde, em carta de 22 de fevereiro de 1881, para Domela Nieuwenhuis, Marx caracterizou a Comuna como “o levante de uma cidade, em condições excepcionais, e sua maioria não era, nem poderia ser, socialista”.

Não podendo ser teoricamente tratado como um movimento socialista, Marx acabou por caracterizar a Comuna de Paris como um movimento operário, democrático e popular. Não houve, portanto, uma revolução socialista propriamente dita, mas um movimento de caráter fundamentalmente democrático, como “uma forma política totalmente expansiva, ao passo que todas as formas anteriores de governo haviam sido enfaticamente repressivas”. Neste sentido, a Comuna não foi uma revolução de caráter genericamente democrático, mas foi um levante popular. A democracia, num tal quadro, só pode ser era entendida como participação popular.

Dessa análise acadêmica resulta o interesse político. Ao avanço do neoliberalismo e de suas estratégias de desmonte do Estado Nação, das políticas públicas de bem estar social, enfim de combate às conquistas históricas do movimento organizado dos trabalhadores, temos vivenciado o acirramento das contradições e o pipocar de movimentos sociais em todos os quadrantes do planeta. Não há um único lugar que esteja livre da ameaça proporcionada pelos desprovidos de tudo e que nada mais têm a perder. A direita tem se mantido organizada e faz qualquer metamorfose para manter-se hegemonicamente no poder. Ao poder da burguesia, também temos presenciado a passagem envergonhada de personalidades a partidos da esquerda para o centro; da defesa de movimentos de acirramento das contradições para uma pregação da conciliação; do vislumbrar da revolução para a busca de um “terceiro caminho”… enfim, do comunismo para a social-democracia.

Nesses tempos em que caricaturalmente nos colocam na condição de estudiosos da remota antiguidade, de defensores da atualidade paleolítica de últimos “dinossauros”, politicamente é importante anunciar que não é preciso abdicar de posições pelo temor das caricaturas novidadeiras, pois novo na história não é a defesa do capital, mas seu combate. Ao exercício do poder da burguesia e à barbárie, a nova alternativa continua sendo a revolução.

Neste sentido, as observações desde ensaio centrar-se-ão sobre dois aspectos: primeiramente, sobre as deliberações e encaminhamentos da Comuna sobre educação e, mais especificamente, sobre a escola; depois, serão retomadas algumas das análises e propostas de Marx sobre o assunto e que ultrapassam a Comuna. Finalmente, em resposta à mercantilização da educação e à tomada empresarial da escola, é importante resgatar a contemporaneidade dos ensinamentos legados pelo marxismo no âmbito educacional.

1. A COMUNA, A EDUCAÇÃO E A ESCOLA

Para efeitos do presente ensaio, não é necessário fazermos uma longa exposição resgatando historicamente os principais antecedentes e dimensões da Comuna de Paris. Vários autores têm se incumbido competentemente do assunto. Sem ter tal objetivo, mas somente para melhor situar as decisões e encaminhamentos sobre a educação, convém registrar que a Comuna foi um movimento iniciado em 18 de março de 1871: a população de Paris, tendo à frente o proletariado, não aceitou a capitulação do governo francês às imposições prussianas, assumindo o poder e o controle da cidade, numa continuidade de longa tradição revolucionária. Entre 30 de abril a 05 de maio de 1871, a Comuna tomou um conjunto de decisões objetivando a destruição do Estado burguês e a edificação de uma democracia direta ou de uma sociedade autogestionária. O conjunto das medidas tomadas foi sistematizado no documento denominado "Proclamação da Comuna ao Povo Trabalhador de Paris". Pela importância e repercussão posterior junto ao movimento operário internacional, merecem destaque as seguintes medidas:

a) supressão do exército permanente e sua substituição por uma Guarda Nacional organizada como milícia popular;
b) elegibilidade e revogabilidade permanente de todos os mandatos;
c) estabelecimento de instituições governamentais não parlamentares, concebidas como corporações de trabalho executivas e legislativas ao mesmo tempo;
d) instauração da separação da Igreja e o Estado;
e) reorganização da educação;
f) reorganização do judiciário, com juízes e magistrados eletivos e revogáveis;
g) instauração de um governo nacional exercido por uma Assembléia Nacional de delegados das diferentes Comunas, com sede em Paris.

A redefinição dos objetivos educacionais e da escola consta do Artigo XI da Proclamação, estando assim redigida:

“Artigo XI – É abolida a ESCOLA "velha". As crianças devem se sentir como em sua casa, aberta para a cidade e para a vida. A sua única função é a de torná-las felizes e criadoras. As crianças decidem a sua arquitetura, o seu horário de trabalho, e o que desejam aprender. O professor antigo deixa de existir: ninguém fica com o monopólio da educação, pois ela já não é concebida como transmissão do saber livresco, mas como transmissão das capacidades profissionais de cada um.”

Além dessas resoluções, não se pode esquecer que também foram adotadas medidas para o atendimento de reivindicações de caráter fundamentalmente social, notadamente: proibição do trabalho noturno nas padarias; proibição do trabalho de menores; moratória para a cobrança das dívidas; supressão das multas e retenções salariais; estabelecimento de um salário mínimo; expropriação de fábricas abandonadas e seu funcionamento por cooperativas operárias de produção; expropriação de grandes empresas.

Apesar dos limitados 72 dias de existência, a Comuna tem sido referência necessária para todos os estudiosos e militantes que objetivam a superação revolucionária do modo capitalista de exploração. Mesmo no âmbito da pesquisa que têm por objeto de estudo a educação, muitos são os ensaios e estudos que analisam as medidas tomadas pela Comuna no que diz respeito à educação e à escola. Como não há interesse em construir uma crítica historiográfica sobre o assunto, mas resgatar as grandes bandeiras educacionais da Comuna, serão tomadas as observações de dois autores historicamente contemporâneos somente enquanto referências sobre o assunto: Lissagaray e Marx.

A primeira referência quanto à experiência educacional da Comuna, foi feita por um “proscrito” da Comuna: Hippolyte Prosper Olivier LISSAGARAY e sua obra História da Comuna de 1871. É o próprio autor que, em seu “Prefácio à Primeira Edição”, de novembro de 1876, afirma que

É um proscrito que empunha a pena – sem dúvida; mas um proscrito que não foi membro, oficial, nem alto funcionário da Comuna; que durante cinco anos peneirou os testemunhos; que buscou sete provas antes de escrever; que vê o vencedor à espreita da menor inexatidão para negar todo o resto; que não conhece melhor defesa para os vencidos do que o simples e sincero relato de sua história.
História … devida … a todos os tra¬balhadores da terra. (…) Aquele que conta ao po¬vo falsas lendas revolucionárias, que o diverte com histórias sedutoras, é tão criminoso quanto o geógrafo que traça mapas mentirosos para os navegadores. (LISSAGARAY, 1991)

A questão da Educação é tratada no capítulo XVIII, como um dos “serviços públicos”, juntamente com “finanças, guerra, polícia, relações exteriores, justiça… trabalho e comércio”. A re-organização desses serviços se deu com uma decisão da Comuna de substituir a Comissão Executiva, por Comissões (ou Delegações) dividindo esses serviços. As Delegações então criadas foram: Finanças, Guerra, Segurança Geral e Relações Exteriores; Educação, Justiça, Trabalho e Comércio. Juntamente com o atendimento público da população e o funcionamento da máquina de um Estado em Guerra, as últimas Delegações foram também criadas para “divulgar a filosofia dessa Revolução” (LISSAGARAY, 1991, p. 169). Uma observação não pode passar despercebida e foi referenciada pelo autor: “todos os delegados, salvo um único, Léo Frankel, operário joalheiro, eram letrados da pequena bur¬guesia” (Idem, ibidem).
A atuação da Delegação de Educação recebeu de LISSAGARAY poucos registros, pois a mesma praticamente nada deixou “como testemunho”; ao contrário elogia as medidas tomadas pelas municipalidades, mas pouco também relata sobre as medidas educacionais empreendidas. Seguem os registros do autor sobre o assunto.

A delegação da Educação tinha por obrigação escrever uma das mais belas páginas da Comuna. Após tantos anos de estudo e experiência, essa questão devia surgir inteiramente elaborada de um cérebro realmente revolucionário. A delegação nada deixou como testemunho para o futuro. No entanto o delegado era um homem dos mais instruídos. Contentou-se em eliminar os crucifixos das salas de aula e em fazer um apelo a todos os que haviam estudado as questões de educação. Uma comissão foi encarregada de organizar o ensino primário e a formação profissional; todo seu trabalho foi anunciar, em 6 de maio, a inauguração de uma escola. Outra comissão, esta pa ra a educação das mulheres, foi nomeada no dia da entrada dos versalheses.

O papel administrativo dessa delegação restringiu-se a decretos pouco viáveis e a algumas nomeações. Dois homens dedicados e talentosos, Elisée Reclus e Benjamin Gastineau, foram encarregados de reorganizar a Biblioteca Nacional. Proibiram o empréstimo de livros, pondo fim ao escândalo de privilegiados que constituíam bibliotecas às custas das coleções públicas. A Federação dos Artistas, cujo presidente era Courbet – nomeado membro da Comuna em 16 de abril -, e que contava entre seus integrantes com o escultor Datou, ocupou-se da reabertura e da fiscalização dos museus.

Nada se saberia dessa revolução em matéria de educação sem as circulares das municipalidades. Várias haviam reaberto as escolas abandonadas pelas congregações e pelos professores primários da cidade, ou tinham expulsado os padres que lá restavam. A do XX Distrito vestiu e alimentou as crianças, lançando assim as primeiras bases das Caixas Escolares, tão prósperas a partir de então. A delegação do IV Distrito dizia: ‘Ensinar a criança a amar e a respeitar seu semelhante, inspirar-lhe o amor à justiça, ensinar-lhe que deve se instruir tendo em vista o inte¬resse de todos: eis os princípios morais em que doravante repou¬sará a educação comunal”. “Os professores das escolas primárias e das creches”, prescrevia a delegação do XVII Distrito, “empre¬garão exclusivamente o método experimental e científico, que parte sempre da exposição dos fatos físicos, morais e intelectuais”. Ainda se estava longe de um programa completo. (Idem, p. 180)

Apesar das observações de LISSAGARAY quanto a ausência de fontes das medidas educacionais tomadas pela Comuna, bem como da ausência nesta de um programa educacional, seu texto não deixa margem quanto à proposta educacional implementada, cujos traços podem ser assim sumariados: a educação deve ser pública, gratuita, popular e voltada ao atendimento de todos, inclusive das mulheres; deve ser laica e totalmente livre da influência da religião; deve ter caráter formativo e voltada ao interesse de todos e ao ensino do amor à justiça e dos princípios morais coletivos; deve pautar-se exclusivamente no método experimental e científico.

Se em LISSAGARAY encontramos somente esboços, pode-se destacar que as medidas educacionais da Comuna foram detalhadamente registradas e analisadas por Marx no Primeiro Esboço de “A Guerra Civil na França”. O resgate do trecho a seguir é pleno de significância por si mesmo.

Naturalmente, a Comuna não teve tempo de reorganizar a educação pública. No entanto, eliminando os fatores religiosos e clericais, tomou a iniciativa de emancipar intelectualmente o povo. Em 28 de abril nomeou uma comissão encarregada de organizar o ensino primário e profissional. Ordenou que todos os instrumentos de trabalho escolar, tais como livros, mapas, papel, etc. sejam administrados gratuitamente pelos professores, que os receberão de suas respectivas alcaidarias. Nenhum professor está autorizado, sob nenhum pretexto, a solicitar de seus alunos o pagamento por estes materiais de trabalho escolar (28 de abril).

Diante dos desastres que se abateram na França durante esta guerra, diante de seu afundamento nacional e de sua ruína financeira, a classe média sabe que não será a classe corrompida daqueles que tratam de converter-se nos amos da França, a que vai trazer bem-estar, mas sim que será, somente, a classe operária, com suas viris aspirações e seu poder.

Sentem que somente a classe operária pode emancipar-se das tiranias dos padres, fazer da ciência um instrumento não de dominação de classe, mas sim uma força popular; fazer dos próprios cientistas não alcoviteiros dos prejuízos de classe parasitas do Estado ‘a espera de bons lugares e aliados do capital, mas sim agentes livres do espírito. A ciência só pode jogar seu verdadeiro papel na República do Trabalho.

Os professores da escola de medicina evadiram-se e a Comuna designou uma comissão tendo em vista fundar universidades livres que já não sejam parasitas de Estado; esta deu aos estudantes que passaram nos exames a possibilidade de praticar independentemente do título de doutor (o título será conferido pela Faculdade).

A comuna não deve ser uma instituição parlamentar mas sim um corpo dinâmico, executivo e legislativo ao mesmo tempo. Os policiais devem estar a serviço da Comuna e não serem instrumentos de um Governo central e, como os funcionários de todos os corpos da Administração, serem nomeados e destituídos sempre pela Comuna; todos os funcionários, de maneira igual aos membros da Comuna, devem realizar seu trabalho com salários de operários. Da mesma forma, os juízes devem ser eleitos, destituídos e responsáveis. Em todas as questões da vida social, a iniciativa há de partir da Comuna. Em uma palavra, todas as funções públicas, inclusive as mais estranhas propostas pelo Governo central, devem ser assumidas por agentes da Comuna, e colocados conseqüentemente sob seu controle.
É absurdo afirmar que as funções centrais – não só as funções do governo do povo, mas também as necessárias para satisfazer os desejos gerais e ordinários do país – não devem estar asseguradas. Estas funções teriam subsistido, porém os próprios funcionários não podiam – como no velho aparato governamental – colocarem-se acima da sociedade real, porque estas funções deviam estar asseguradas por agentes da Comuna e serem executadas, portanto, sob seu efetivo e constante controle.

A função pública deve deixar de ser uma propriedade privada concedida pelo Governo central a seus auxiliares. O exército permanente e a polícia do Estado, instrumentos físicos da opressão, devem ser eliminados. Expropriando todas as igrejas na medida em que sejam proprietários, eliminando o ensino religioso de todas as escolas públicas e introduzindo simultanea¬mente a gratuidade do ensino, enviando todos os sacerdotes ao sereno retiro da vida privada para viver da esmola dos fiéis, liberando todos os centros escolares da tutela e da tirania do Governo, a força ideológica da repressão deve se romper: a ciência não só tornar-se-á acessível para todos como também livrar¬-se-á da pressão governamental e dos prejuízos de classe.

Os instrumentos da opressão governamental e da dominação sobre a sociedade se fragmentarão graças a eliminação dos órgãos puramente repressivos, e ali, onde o poder tem funções legítimas a cumprir, estas não serão cumpridas por um organismo situado acima da sociedade, mas por todos os agentes responsáveis desta mesma sociedade. (K.Marx, Primeiro Esboço de “A Guerra Civil na França”. In: MARX & ENGELS. Textos sobre Educação e Ensino. São Paulo : Editora Moraes, 1983, p.92-94)

Com o texto de Marx fica reafirmado o caráter que a educação assumiu na Comuna: pública, gratuita, popular e voltada ao atendimento de todos; laica e totalmente livre da influência da religião, das classes e do Estado burguês; formativa e pautada exclusivamente no método experimental e científico. Ademais, a educação é apontada como um importante instrumento de desalienação do proletariado. Ao contrário da educação ser meramente tratada de forma mecânica, ela é vista como uma importante ferramenta de formação e, portanto, um instrumento para a consolidação da REVOLUÇÃO.

2. A PROPOSTA MARXIANA DE EDUCAÇÃO E A POLITECNIA

As observações de Marx sobre a educação na Comuna de Paris não são suficientes para explicitar uma concepção pedagógica ou educacional. Como outros aspectos da obra marxiana, pode-se afirmar que Marx e Engels não desenvolveram de forma acabada uma teoria da educação e do ensino, no conjunto da vasta obra, porém, encontram-se os principais elementos que configuram uma indubitável concepção marxista da educação.

Algumas obras de Marx e Engels são referências mais que obrigatórias sobre o assunto e sobejamente conhecidas, quais sejam:

• 1845-46 – A ideologia Alemã – Vol. 1, Parte I, de K. Marx e F. Engels
• 1847 – Princípios do Comunismo, de F. Engels
• 1848 – Manifesto Comunista, de K. Marx e F. Engels
• 1867 – O Capital – Cap. XIII, de K. Marx
• 1871 – A Guerra Civil em França, de K. Marx
• 1875 – Crítica ao Programa de Gotha, IV, de K. Marx

Além dessas, somente para efeitos de registro, convém assinalar que foi somente com a Revolução de Outubro que, historicamente, deu-se a construção de uma concepção teórica e de uma prática educacional marxista e revolucionária. Sem querer entrar na polêmica quanto ao que é ou não ortodoxo, são inúmeros os nomes que se vinculam ao desenvolvimento de uma concepção revolucionária de educação: Lenin, Krupskaia, Blonskii, Pistrak e Makarenko. Ao nome desses revolucionários, também é preciso mencionar Bebel, Jaurès, Klara Zetkin, Liebknecht, Gramsci, Langevin, Vigotski, Wallon e Sève. Há, ainda, muitos embates em torno da produção de outros autores mais contemporâneos, entre os quais estou a lembrar de Althusser, Baudelot & Establet, Bordieu & Passeron e Manacorda, entre outros.

A questão da educação em Marx deve ser trabalhada como outras: como histórica e socialmente determinadas. Os escritos de Marx e Engels, posto que os entendo como completamente inseparáveis, não são reveladores de uma pedagogia abstrata, mas como uma dimensão que deve ser analisada no interior do processo de transformação histórica, desde suas determinações materiais, e enquanto parte do projeto comunista de homem e de sociedade. Marx e Engels não produziram uma obra pedagógica, evidentemente. Mas na ampla e complexa obra produzida não se pode deixar de reconhecer a existência de uma crítica e de uma perspectiva ou projeto explicitamente pedagógicos. Bem observa Manacorda que a atenta investigação filológica das formulações marxianas sobre a educação e ensino mostram que estas formam um todo com a perspectiva da emancipação do homem e da sociedade (MANACORDA, 1969 : 21)

Embora não seja fácil uma síntese sobre um assunto que tem produzido vasta literatura, pode-se delinear os principais aspectos da teoria marxiana de educação nos seguintes traços gerais:

a) Defesa de uma educação pública, gratuita, laica, obrigatória e universal para todas as crianças, de modo a assegurar a abolição do monopólio cultural e do conhecimento.

b) Combinação da educação intelectual com a produção material, ou usando a formulação de Marx, combi¬nação de instrução, ginástica e trabalho produtivo. O objetivo de tal medida era a eliminação da diferença entre trabalho ma¬nual e trabalho intelectual, entre concepção e execução, de modo a assegurar a todos os homens uma compreensão integral do pro¬cesso de produção.

c) A educação deve propiciar aos homens um desenvolvimen¬to integral. Todas as necessidades do homem devem emergir no processo educacional: inclusive o consumo, o prazer, a criação e o gozo da cultura, a participação na vida social, a interação com os outros homens, a auto-rea¬lização e a autocriação. Essa profunda transformação dos objetivos educacionais exige, entre outros aspectos, também uma profunda transformação da divisão social do trabalho que, com a abolição da divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, conduza a uma reaproximação da ciência e da produção.

d) Também as relações no interior da escola precisam se transformar da competição para a cooperação e o apoio mútuo. Uma tal transformação pressupõe, por sua vez, uma relação biunívoca e mutua¬mente enriquecedora entre professor e aluno e uma relação mais aberta entre a escola e a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há, indubitavelmente, muita controvérsia sobre o papel da educação na sociedade e para os indivíduos. Estamos vivendo um acelerado processo de transformações sociais, notadamente com a integração crescente dos conhecimentos científicos e tecnológicos aos processos produtivos. Face a um tal quadro, é impossível deixar de reconhecer a importância de uma profunda discussão sobre o papel da educação na reprodução social e, contraditoriamente, sobre o potencial inovador da educação no desenvolvimento social.

Em tempos de defesa apologética do particular, do fragmentário, do microscópico, da idéia, da subjetividade e da irracionalidade, não temos motivo algum para ficarmos na retaguarda. Precisamos resgatar as armas teóricas desde uma perspectiva que vislumbre a materialidade, a totalidade histórico-social, a objetividade e a racionalidade revolucionária.

À eternização capitalista dada por uma perspectiva teórica defensora do fim da história, é preciso demonstrar que as aceleradas transformações em curso desvelam um processo de constante recomeçar de uma história marcada pela contradição.

Quanto mais o desenvolvimento capitalista coloca aos homens o fantasma da barbárie, mais e mais é preciso colocar e recolocar na ordem do dia a perspectiva da REVOLUÇÃO.

Numa época em que a educação se transforma aceleradamente numa mercadoria e a escola passa a se constituir num dos promissores negócios de nosso tempo, é hora de retomarmos as bandeiras de defesa de uma EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA, LAICA, OBRIGATÓRIA E UNIVERSAL.

Em lugar de uma escola onde “professores fingem que ensinam” para “alunos que fingem que aprendem”, centrada na forma e não no conteúdo, é preciso propiciar a todos os homens o acesso aos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, bem como uma educação crítica, voltada ao atendimento de toda a sociedade e centrada nos conteúdos.

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BIBLIOGRAFIA

BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1988, p. 122

MANACORDA, M.A.. Marx y la pedagogía moderna. Barcelona – España : Oikos-tau, 1969

MARX, K.. Primeiro Esboço de “A Guerra Civil na França”. In: MARX & ENGELS. Textos sobre Educação e Ensino. São Paulo : Editora Moraes, 1983, p. 92-94

MARX & ENGELS. Textos sobre Educação e Ensino. São Paulo : Editora Moraes, 1983, p. 92-94

MARX, K. e F. Engels. Crítica da Educação e do Ensino. Lisboa, Portugal : Moraes Editores, 1978.

LISSAGARAY, Hippolyte Prosper Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo : Ensaio, 1991.