O anúncio da descoberta de óleo na dita camada bem abaixo da superfície não me fez transitar ao entusiasmo que tomou conta da nação. A questão é que o próprio momento, em que a crise financeira levou ao chão o preço do petróleo, era muito convidativo para discursos acerca da ampliação de nosso parque petroquímico, exportação de derivados e não de óleo cru. O analista menos emocional sabia que uma retomada – mesmo que tímida – da economia norte-americana seria suficiente para que o preço do barril desta commodity voltasse ao normal. Afinal, também é parte do processo de acumulação, pelo sistema financeiro, a especulação sobre este produto. Wall Street não tem a nada a ganhar com petróleo barato.

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A própria crise tratou de emitir o primeiro sinal de que seguiríamos um rumo estranho, nada norueguês. Na última visita de Lula à China, a Petrobrás recebeu créditos estatais chineses de US$ 10 bilhões em troca de “petróleo futuro” do pré-sal. Os chineses nos exportam aço com serventia à construção de plataformas e navios petroleiros, colocando em dúvida o tal “conteúdo nacional” das cadeias produtivas anexas à Petrobrás. Exportamos ferro para a China, não compramos aço da Usiminas e importamos o mesmo da própria China. Alguns dias atrás foram aprovadas linhas de crédito do Exim Bank (EUA) de US$ 2 bilhões à Petrobrás. Além da própria notícia em si, o mais interessante é saber que apesar de o Brasil ter um dos mais complexos, sofisticados e capitalizados sistemas financeiros do mundo, a Petrobrás ainda parte para o mercado externo de crédito. Uma absurdo de lesa-pátria que só a entrelinha dos fatos podem demonstrar.

Em grande parte todo esse movimento que desaguará na entrada do Brasil no rol dos grandes exportadores mundial de petróleo guarda sentido na própria negação do planejamento nas estâncias de governo no Brasil. Altas taxas de juros e câmbio valorizado são apenas os signos de uma nação inteiramente envolvida na “grande e eterna batalha pelo curto prazo”, o “combate à inflação em particular”. Vejamos o que pensa o próprio Richard Honey, como segue: "Em 2009, a preocupação era segurar a crise. Em 2010, produzir um ano de crescimento muito acelerado. Em 2011, colocar o pé no freio. Uma hora será preciso pensar em como será o Brasil em 2015, quando o pré-sal estará a todo o vapor". Pergunto ainda: quem vai pensar o 2020, 2030? Será mesmo o pré-sal nosso “passaporte para o futuro”. Mas qual futuro?

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Prognósticos podem ser feitos vários, dependendo do gosto e da vontade de qualquer um. Trabalhemos com o concreto. De fato, num país em que é nítido o poder exercido pelo sistema financeiro, o mais provável é que sempre teremos uma “inflação para combater” e o remédio dos juros está mais do que institucionalizado. É instrumento de poder político, de fato. Logo, a tendência de manutenção do valor da moeda nacional nos atuais patamares é uma lógica quase natural. Por outro lado, a opção do país em ser exportador de soja, minério de ferro e outras commodities – dada a demanda asiática – mantém o Brasil sobre intensa pressão nossa taxa de câmbio.

Esta pressão aumentará ainda mais quando o petróleo do pré-sal começar a ser comercializado em larga escala. Possivelmente será neste momento em que as opções feitas pelo nosso país na década de 1990 terão sua conseqüência numa nada artificial, como a existente entre 1995 e 1998, paridade entre o real e o dólar. Um dólar = um real.

Na verdade desde o anúncio da descoberta de petróleo na dita camada, mundos e fundos tem sido prometidos. Resgate da “dívida social” é a grande âncora das promessas. Mas analisemos o processo em concordância com leis econômicas objetivas e não de prognósticos da “pequena política”. Países que exportam muito importam muito. Não existe exceção. Ainda mais onde a política de câmbio flexível tornou-se política de Estado.

As exceções são quais itens são importados e quais são exportados, dependendo da vocação colonial (ou não) de cada país. Dada a tendência permanente de pressão sobre o câmbio brasileiro, muitos dólares voltarão aos seus países de origem, principalmente à China e EUA sob a forma de importações cada vez mais predatórias. As viagens ao exterior vão se acelerar. Logo, de onde sairá dinheiro para pagar a dívida social do país, bancar nosso sistema previdenciário, financiar explosivas importações e ainda lidar com os déficits em conta corrente? Sim, o vício do curto prazo é para justamente usar os recursos do pré-sal para dar conta destes óbices resultantes de opções monetárias desastrosas. Mas e a tendência de valorização do real?

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Algumas palavras sobre a futura perda de importância do petróleo. Em tese isso tem fundo de verdade, pois um dia o petróleo como recurso finito deve se esgotar. Até aí nenhuma tirada brilhante. Ao contrário, pura constatação do óbvio. Mas essa realidade ainda não está diante do horizonte. Afora o fato de mensal e anualmente muitas reservas ainda estarem sendo descobertas (pré-sal e bacia do Orenoco são apenas alguns exemplos), devemos colocar neste cálculo de sobrevida da utilização do fóssil todo um esquema financeiro em torno deste combustível. Uma bolsa de valores (Londres) funciona em função dele, centenas de “executivos” de Wall Street ganham muito dinheiro sobre a especulação do preço futuro. Um sistema industrial amplo, de altíssimo nível está instalado nos Estados Unidos, inclusive de posse de grande naco da superestrutura de poder (vide a guerra do Iraque e demais), o que coloca na ponta da agenda do imperialismo em nosso país a questão do fornecimento de petróleo. E as outras formas alternativas de energia ainda estão em processo de se transformarem em “fronteiras de acumulação do sistema”.

A tragédia japonesa apenas atesta o aumento da importância do petróleo. A energia nuclear entrou em baixa no mundo, para alegria dos executivos do petróleo. O presidente do Senado Federal brasileiro (José Sarney) vaticinou – de forma tresloucada, reacionária e inconseqüente – pelo fechamento de todas as usinas nucleares do mundo. E o Brasil teria “muito a ganhar” num cenário, plantado, como este. Por outro lado, aos iludidos com a superação em médio e longo prazo da superação do petróleo, é prudente lembrar que Quando o óleo de baleia começou a perder força, 150 anos atrás, por falta de baleias, ninguém ficou subsidiando a criação de baleias para manter o fornecimento de energia. O problema não é moral e sim deve ser analisado sob a ótica pura e simples do que se convencionou batizar de “processo de acumulação. Caiamos e enfrentemos a realidade da forma como ela é.

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Por fim, a síntese de todo esse panorama com a possibilidade de “doença holandesa”. Na verdade esse fenômeno já é uma realidade desde 2003 quando se iniciou o boom dos preços das commodities, fruto da demanda chinesa e indiana. Em 2003 17% de nossas exportações eram de produtos manufaturados, caindo para 13% em 2010. Uma queda nada relativa. A enxurrada de dólares do pré-sal apenas tornará mais aguda essa tendência. É muito sugestivo pontuar que neste cenário de boom das commodities, o crescimento econômico médio de 4% durante o período Lula, o coloca na 19° posição em comparação aos demais 28 presidentes da república anteriores a ele. Um banho de realidade que pode redundar em crise psicológica para aqueles que ainda levam à sério a história de que o país foi descoberto em São Bernardo do Campo.

Ruim, mas a ideia de “chilenização” do Brasil é real. Volto a repetir isso: com imensos recursos naturais poderemos continuar a crescer de 3,5% a 5% ao ano, mesmo com essa política monetária. Seremos a 5° economia do mundo. Mas poucos querem enfrentar o fato que uma coisa é ser a 5° maior economia do mundo, outra é o ranking em matéria de proporção da indústria no conjunto do PIB. Nesta matéria, não seremos a 5°, mas 15° colocada em alguns anos, atrás de países como a Nigéria e a Indonésia. Conviveremos com mais de 120 milhões de pessoas vivendo com até dois salários mínimos mensais e/ou Bolsa Família. Desindustrialização = precarização do trabalho.

É esse o futuro que se quer para o país? É de se pensar. Mas principalmente, de se agir.

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Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois.