Rolf Hecker: obra de Marx e Engels é patrimônio internacional
Rolf Hecker iniciou a conferência explicando que o projeto segue a tradição alemã de publicar obras completas de grandes pensadores, como Goethe, Lutero e Voltaire. Para ele, Marx e Engels pertencem à categoria dos grandes cientistas da humanidade. O grande legado desses pensadores, disse, corresponde ao propósito de divulgar o estudo profundo das sociedades contemporâneas. Segundo Rolf Hecker, Marx e Engels viveram intensa e extensamente o século XIX, estudando a fundo o capitalismo. Registraram sua obra em manuscritos, livros, artigos e em cartas — o principal meio de comunicação do seu tempo.
Após essa breve introdução, Rolf Hecker explicou as diferentes fases do projeto Mega, lembrando que ele sofreu um corte em 1990 como decorrência do colapso dos governos do Leste Europeu e do bloco soviético, que ele caracterizou como “socialismo de Estado”. O professor disse que a retomada do projeto, com outras formas, se explica pela renascença dos estudos da produção teórica de Marx e Engels — que não tem a ver com a atual crise econômica mundial, como procura caricaturar a mídia. Segundo ele, na Alemanha há tempos seminários voltados para a literatura das obras desses pensadores são promovidos.
Rolf Hecker fez um breve relato sobre o caminho que o espólio de Marx percorreu após a sua morte. A princípio ficou sob a guarda de suas filhas e de Engels. Como trabalharam juntos por longos anos, coube a Engels terminar O Capital, sistematizar o que foi escrito e publicar o segundo e o terceiro volume. Com a sua morte, o espólio literário de ambos foi doado ao Partido Social-Democrata (PSD) da Alemanha e tornado de domínio público em 1913. Karl Kautsky, do PSD, publicou partes importantes e a teoria da mais-valia como uma edição popular de O Capital.
Outra personalidade importante para a difusão das obras de Marx e Engels, disse Rolf Hecker, foi David Riazanov, um ucraniano nascido em 10 de março de 1870. Perseguido pela polícia czarista, passou cinco anos na prisão e se exilou na Alemanha. Aos 19 anos, fez sua primeira viagem aos círculos marxistas da Rússia no estrangeiro. Com a Revolução de Fevereiro de 1917, Riazanov retornou à Rússia e aderiu aos bolcheviques. Em 1918, ele começou a organizar arquivos marxistas. Em 1920, foi nomeado diretor do novo Instituto Marx-Engels (que se tornou o Instituto Marx-Engels-Lênin, em 1931).
Emissários de Riazanov saíram pelo mundo comprando cópias da obra de Marx e Engels. Em 1930, o Instituto possuía centenas de documentos originais, 55 mil páginas de fotocópias, 32 mil panfletos, e uma biblioteca de 450 mil livros e periódicos encadernados. Com a crise de poder na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Riazanov passou a ser perseguido e o projeto Mega foi paralisado.
Em 1917, disse o professor, familiares de Marx conseguiram transportar parte do seu espólio para Moscou. Entre 1927 e 1935, o Instituto publicou 13 volumes das obras marxistas. O que ficou na Alemanha corria sério risco de ser destruído quando os nazistas chegaram ao poder. Transferido para Londres e posto à venda, foi adquirido por uma organização holandesa.
Uma publicação importante nesse período foram os Grundrisse, segundo Rolf Hecker um livro fundamental para a história da ciência e que serviu de base preparatória para O Capital. Após a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha Oriental foram publicadas obras de Marx e Engels que, mesmo não sendo uma edição rigorosamente completa, são geralmente empregada pelos eruditos como referência e serviu de base para tradução em várias línguas. Finamente, a partir dos anos 1970 houve a tentativa de editar uma nova Gesamtausgabe (a Mega-2), que deveria atingir 170 volumes — agora retomada.
A tarefa, disse Rolf Hecker, consiste em sistematizar os manuscritos para concluir a publicação. Segundo ele, tudo está sendo publicado na língua em que foi escrito, geralmente francês e inglês — obviamente, além do alemão. Ele disse que Marx dominava várias línguas e estava aprendendo o russo quando morreu. Engels, informou, era um gênio em matéria de idiomas. Além dessa riqueza, disse Rolf Hecker, a obra desses pensadores é um patrimônio internacional. Daí o esforço para publicá-la na totalidade, uma ação mundial de resgate de tudo o que escreveram.