Esse interesse certamente era visível nos cerca de 100 alunos, professores e pesquisadores, mas sobretudos alunos, que lotaram o auditório I do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp na tarde de terça-feira (22). Lá dentro, trazido pela Fundação Maurício Grabois e pela Fundação Rosa de Luxemburgo, palestrava o professor Rolf Hecker, editor da revista “Contribuições à pesquisa sobre Marx e Engels. Nova série” e presidente da Sociedade Berlinense para Promoção da Edição MEGA – um grande projeto de publicação das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels.

O projeto, que envolveu centenas de pesquisadores de diversos países e já dura exatos 100 anos, tem por objetivo publicar 114 volumes, que reuniriam o mais completo acervo de escritos dos dois pensadores alemães. Em sua primeira visita ao Brasil, o professor Hecker apresentou um pouco da história desse projeto, ainda em progresso.

O sonho de Engels

Já antes de morrer, em 1895, Engels manifestava o interesse de publicar suas obras completas. Isso não lhe foi possível em vida e só no início do século XX seus papéis começaram a ser reunidos, com a transferência do espólio de Marx de Londres a Berlim.

Em 1911, a tarefa foi assumida por August Bebel e Eduard Bernstein, políticos do PSD, o partido socialdemocrata alemão. Karl Klautski, um dos fundadores da ideologia social democrata, também teve papel importante nesse período anterior à I Guerra, por ter convivido com Engels e conseguir ‘decifrar’ os manuscritos de Marx. Foi ele quem publicou a primeira edição do volume I de O Capital.

Até o fim de 1918, além de partes de O Capital, haviam sido editados parte da correspondência entre Marx e Engels e alguns artigos de Marx publicados em Nova York. Em seguida, o projeto passou para as mãos da União Soviética, em 1922, sob a direção de David Rjazanov, até este ser destituído e fuzilado por Stálin, nos anos 30. Nesse período, apenas 13 volumes foram publicados.

Após a II Guerra, escritos esparsos foram publicados na europa e nos EUA, enquanto, na Rússia, o Instituto Marx-Engels-Lênin retomava o trabalho de publicar as obras completas. Simultaneamente, na Alemanha Oriental, uma edição da MEW (Marx-Engels Werke – Obras de Marx e Engels) começou a ser produzida. Foram 39 títulos, muito traduzidos, que são considerados o cânone da obra de Marx e Engels e base da maioria das traduções e estudos sobre o tema. Estavam ali todo O Capital e a correspondência completa entre os dois autores, com introdução, notas, índices e comentários.

MEGA 2

Por volta de 1968, pesquisadores alemães chegaram à conclusão de que ainda não era o suficiente. Havia ainda a publicar artigos de Marx em diversos jornais, várias versões de diversos manuscritos, correspondências não só entre Marx e Engels, mas de ambos com outras pessoas e as respectivas respostas, fichamentos de leituras que Marx fazia no Museu Britânico e muito mais. Editar, escolher o que seria ou não publicado, não seria interferir no acesso à completudo da obra? O desejo alemão era publicar realmente TUDO o que havia de escritos dos dois pensadores, sem seleção subjetiva.

Também seria importante publicar o material na língua original em que foi escrito. Marx tinha muito interesse pelo que acontecia no mundo, lia em diferentes línguas e fazia anotações em alemão, inglês, russo, italiano e até em línguas nórdicas. Outro objetivo seria mostrar como o texto foi sendo desenvolvido, paulatinamente. Em manuscritos onde o texto encontra-se riscado e sobrescrito, todas as camadas, erro e correção, deveriam ser publicadas. Também era essencial apresentar o contexto histórico no qual as obras foram concebidas.

Com a queda do Muro, os trabalhos quase foram paralisados, com críticas ao gigantismo da obra. O que salvou o projeto foi um apelo feito pelos pesquisadores ao governo alemão de que o material seria um patrimônio cultural da Alemanha e do mundo, além de garantir que a edição completa, por ser completa, não sofreria pressões políticas sobre a escolha de o que publicar e o que deixar de fora. Esse novo projeto, chamado de MEGA 2, foi retomado em 1993 e já publicou 58 dos esperados 114 volumes.

Com a edição MEGA, concluiu o professor Hecker, será possível finalmente restaurar o verdadeiro Marx, o que ele realmente escreveu, sem filtros. O trabalho deve levar mais 20 anos para ser completado e pode contar com ajuda de pesquisadores brasileiros na preparação de uma edução sistemática de estudos da edição MEGA em português.

Para Augusto Buonicore, diretor da Fundação Maurício Grabois, a vinda do professor Rolf Ecker ao Brasil não poderia ser mais oportuna. “Até mesmo setores conservadores burgueses têm lido Marx, em busca de uma explicação para a crise do Capitalismo – logo ele, o principal crítico do Capitalismo!” ainda de acordo com Buonicore, a edição MEGA ainda ajudará a resgatar Engels, que muitos acusam de ter deturpado escritos de Marx. “A obra vem provando que os escritos de ambos são quase impossíveis de serem diferenciados. É realmente uma obra conjunta.”

O professor Rolf Hecker fará sua última palestra na USP, nesta quarta (23), às 17 horas, no anfiteatro da faculdade de História. No local estará disponível para compra a publicação “Marx como pensador – Novos resultados do trabalho de pesquisa sobre sua obra e biografia”, editado pela Fundação Maurício Grabois e a Editora Anita Garibaldi.

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Deco Ribeiro é jornalista multimídia, educador e membro do Comitê Municipal do PCdoB/Campinas