Detido, Major Curió passa menos de um dia preso
Ele foi preso em flagrante após terem sido encontradas em sua casa quatro armas de fogo sem registro e vasto arsenal de munição. Curió prestou depoimento à PF e à Justiça Federal, sendo transferido para o Batalhão do Exército. Mas o juiz de plantão da Vara Federal de Brasília assinou autorização de soltura do militar ainda na madrugada.
Sebastião Curió está em regime de liberdade provisória e responde pelo processo de número 2011-011053027-4 na Vara Criminal de Brasília, segundo informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
O DIÁRIO tentou durante toda a tarde de ontem obter informações do comandante do 1º Batalhão da Polícia do Exército sobre os detalhes que permitiram a liberdade provisória de Curió e quem foi o juiz de plantão que assinou o documento, mas não obteve êxito.
A PRISÃO
As operações de busca e apreensão nas duas residências do major Curió foram autorizadas pela 1ª Vara da Justiça Federal, a pedido do Ministério Público Federal no DF. Segundo a procuradora da República Luciana Loureiro, “as buscas e apreensões são uma tentativa de localizar documentos que possam revelar o paradeiro de corpos de militantes políticos que participaram da guerrilha”.
Curió foi um dos líderes da repressão à Guerrilha do Araguaia (1972-1975) durante a ditadura militar. Os agentes federais que estiveram nas residências do militar reformado, juntamente com o procurador da República Paulo Roberto Galvão, apreenderam, além das armas e munições, documentos e um computador que será submetido à análise em busca de documentos digitalizados.
CONFIRA O QUE CURIÓ DISSE AO DIÁRIO
Diário: O que aconteceu ontem em sua casa?
Curió: Chegaram aqui com um mandado de busca e apreensão…queriam achar documentos. Só que não localizaram documento nenhum.
Diário: E onde estão esses documentos que o senhor disse anteriormente que existem e que estão com o senhor?
Curió: Não sei. Comigo não vão localizar documento nenhum porque não os possuo.
Diário: Mas o senhor afirmou que esses documentos existem…
Curió: Isso já faz tempo… O assunto Guerrilha do Araguaia é uma novela. Não termina nunca.
Diário: E o senhor foi preso?
Curió: Fui prestar depoimento.
Diário: Mas o senhor está sendo acusado de estar tentando impedir os trabalhos do Grupo de Trabalho Tocantins, que está em campo vasculhando a região…
Curió: Não tem nada disso. Já liberei tudo… não tenho mais como interferir…
Diário: Mas ontem mesmo uma equipe do grupo registrou uma tentativa de atentado na região…
Curió: Não tenho nada a comentar.
(Desligou o telefone)
Ouvidor denuncia ameaças
O ativista Paulo Fonteles Filho, ouvidor do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), do Ministério da Defesa, denunciou que colaboradores do GTT nas buscas por corpos dos guerrilheiros mortos na Guerrilha do Araguaia estão sendo ameaçados de morte. A denúncia foi feita à Polícia Federal em Marabá.
Segundo Fonteles, integrantes do GTT têm passado por situações com claro interesse de intimidação, que teriam começado no final do primeiro semestre de 2010, durante a segunda expedição do GTT.
O primeiro alvo, segundo a denúncia, foi o camponês Euclides Pereira de Souza, o “Beca”, morador da região do Patuá, município de São Domingos do Araguaia. Violentamente torturado pela repressão política e assíduo colaborador do GTT, ele recebeu informação de antigos colaboradores da ditadura sobre a presença de dois remanescentes dos tempos da tortura na região de Santa Cruz, no município de São Geraldo do Araguaia, onde ocorriam buscas.
Essas pessoas seriam os “doutores” Marcos e Ivan. “Sabe-se que o ‘doutor’ Marcos foi um dos principais torturadores no Araguaia, sempre contra guerrilheiros e camponeses da região, tendo participado das sádicas sessões contra a integridade física e moral do camponês ‘Beca’”, denuncia Paulo Fonteles em documento à Polícia Federal.
Euclides diz ter recebido um recado dos doutores de que “não revelasse nada porque senão se veria com eles”. Fonteles também cita outra denúncia de que Iomar “Galego”, que manteria até hoje relação com antigos agentes da repressão, ameaçou, em São Geraldo, outro colaborador da missão federal, José Maria Alves de Oliveira, o “Zeca do Jorge”.
“Na conclusão dos trabalhos de 2010, abordei as ameaças, dei nomes e as localidades onde se processaram tais eventos em meu relatório das atividades”, conta Paulo Fonteles.
Na denúncia, ele lembra que, em documento encaminhado ao Ministério da Defesa, fez a seguinte: “Estamos diante de algo absolutamente grave porque tais investidas intimidatórias criam um clima de terror na região e inviabilizam o recolhimento de maiores informações para o pleno êxito desta missão governamental”.
Ex-motorista de Curió também seria alvo
Nos dias 26 e 27 de fevereiro passado, Paulo Fonteles esteve em Marabá para acompanhar pelo GTT o encontro dos ex-soldados e ex-funcionários do Incra que atuaram na repressão ao movimento insurgente das matas do Pará.
No encontro, teve conhecimento de que Valdim Pereira de Souza, ex-militar, motorista do major Curió entre os anos de 1976-1983, também estava sendo ameaçado.
Naquela reunião ele gravou um extenso depoimento onde o motorista revela ter participado de uma macabra “operação-limpeza” em 1976 em diversas localidades na região do Araguaia. Disse, ainda, que o responsável pelas ameaças seria Curió.
Fontelles afirma que, depois do encontro com os ex-militares, já em março, alguns fatos graves voltaram a acontecer.
Em 1º de março duas ligações foram dadas ao celular de Pereira, sempre em chamadas confidenciais. No dia seguinte, uma caminhonete peliculada rondou, de forma suspeita, nas imediações da casa de Valdim, em Macapá (AP).
No mesmo dia, 2 de março, por volta das 12h, uma caminhonete cabine dupla, também peliculada, com quatro homens, parou em frente da casa de Sezostrys Alves da Costa, dirigente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia, em São Domingos do Araguaia. Um dos elementos perguntou à esposa de Sezostrys sobre o paradeiro de Fonteles.
“O referido carro, S-10, cabine dupla de cor prata, não pertence a nenhum comerciante ou fazendeiro do município, únicos segmentos sociais, naquela cidade, capazes de possuir tal veículo”, relata.
Dias depois, Fonteles soube, através de Abel Honorato de Jesus, o “Abelinho”, que quem esteve circulando pela região, recentemente, era um tal de “doutor” Alceu, ex-capitão do Exército, muito ligado a Curió.
No último 27, outro episódio de maior gravidade aconteceu. À tarde ele recebeu a informação, através de Diva Santana, da Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça, que Merces Castro, irmã de Antônio Teodoro Castro, desaparecido político no Araguaia e membro atuante do GTT, sofreu um misterioso acidente em Marabá.
__________
Fonte: Diário do Pará