Esses sinais de lento, gradual e seguro redimensionamento das formas de se combater uma “inflação internacional” vem ao encontro de uma ampla pressão contrária vinda – principalmente – do setor produtivo, cada vez mais encalacrado pela atual política monetária. E os números demonstram isto: segundo o IBGE, a produção industrial de bens de consumo teve queda de 2,2% entre abril de 2010 e fevereiro de 2011. Resultado este que expressa a reversão das políticas anticíclicas adotadas pelo governo diante da eclosão da crise financeira. A taxa de crescimento geral da indústria é boa com avanço de 6,9 para o ano de 2010. Em tese, se analisada no conjunto – dadas as condições macroeconômicas, principalmente o fator câmbio – o que pode estar acontecendo no Brasil é um processo de acomodação, ou seja, uma expansão industrial cada vez mais sustentada por importação de máquinas e equipamentos. Óbvio que este processo deve ser passivo de reversão e utilização dos juros em nada ajuda no processo, ao contrário.

A grande questão é saber que estamos diante de um processo inflacionário que se concentra no setor de serviços: alimentação, preços administrados etc. É ótimo que exista um aumento da demanda gerada por melhor distribuição de renda, o contrário é sinal de recessão. Se existe o risco de contaminação deste aumento de demanda ao setor produtivo é uma outra história. História esta levada a sério demais pelos monetaristas, sem levar em conta que a própria importação de máquinas e equipamentos está cumprindo – independente do mérito e da forma – papel na expansão da base de oferta por fora da taxa de investimentos que ainda é muito baixa em comparação com países como China, Índia, Rússia e Coreia. Voltarei a isto.

A questão é que o cabeleireiro não vai aumentar ou baixar o preço do corte de cabelo de acordo com a taxa SELIC, nem tampouco o povão guarda dinheiro no banco para executar determinadas compras. Enfim, não tem sentido científico buscar trazer uma inflação, gerada pelo próprio ciclo econômico, para um “centro da meta” se a própria economia internacional não dá sinais de queda de preços no curto prazo. A solução mais mediana é a flexibilização de prazos para se voltar a atingir o centro da meta de inflação. Buscar essa “meta” já para 2011 teria custos absurdos ao setor produtivo da economia brasileira. E como indicado no início do texto, o BC deve ter acordado para esta realidade acordando em adiar para o ano que vem uma convergência entre o IPCA e o centro da meta de inflação.

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Ao assumir que nada pode fazer diante das variações internacionais do preço das commodities, o BC se rende à realidade e dá vazão à variável temporal para lidar com este processo. Isto não significa que saídas ousadas e de forte conteúdo progressista estejam ao alcance da mão. Ao contrário, a saída é conservadora, mas menos conservadora do que os “mercados” gostariam. Daí o verdadeiro pau que a imprensa especializada tem reservado às chamadas medidas “macroprudenciais”. Não deixa de ser conservadora a lógica de taxação de crédito de longo prazo. E isto previne a formação de bolhas, ela também não ajuda na formação bruta de capital intensivo, que como o próprio nome diz “formação”, logo algo que demanda “tempo” e “crédito sobre o tempo”. Um problema, mas muito mais digerível que a simples utilização dos juros.

Mas a disputa política e ideológica sobre o governo e o futuro de nosso país fica perceptível, numa contradição aparente entre aumento dos depósitos compulsórios, o ajuste fiscal de R$ 50 bilhões e a capitalização do BNDES em categóricos R$ 50 bilhões.

Por outro lado, medidas interessantes têm sido postas em prática e a principal delas é o do aumento do IOF para empréstimos tomados no exterior para 6% e com alguma serventia na prevenção de ganhos com o diferencial de juros existente entre o Brasil e o resto do mundo e, consequentemente, menor pressão sobre o Real. Ainda não se trata de uma taxa capaz de frear os capitais de curto prazo, mas sinaliza a possibilidade de aumento da mesma se o valor do dólar continuar derretendo no Brasil. Um processo que pode desembocar na melhor política macroprudencial do momento, a dizer: o controle sobre os fluxos de capitais.

No conjunto, o fato de o BC estar deliberando sobre outros instrumentos de combate à inflação em paralelo aos juros invoca a possibilidade de repensar o próprio papel do BC em um momento de instabilidade internacional. De uma noção para quem o BC deve ser o fiel escudeiro da moeda pode estar sendo suplantada por outra, mais sofisticada e menos ortodoxa. Existe contradição entre proteger a moeda como parte do pacote de resguardo do conjunto da economia nacional, incluindo aí os interesses do capital produtivo nacional? É sobre esta discussão que as cabeças pensantes do país deve se debruçar neste momento de definições sobre o próprio papel do BC.

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Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois