Assim que abriu a porta e viu o céu azul, soube que seria um dia único.

      Desceu a escada e caminhou.

      Já na primeira esquina, em frente à tabacaria, expressava claramente nos olhos grandes, nas mãos trêmulas e nas pernas ágeis, passo a passo, a tensão, a velha tensão, tomando seu corpo.

      Parou.

      Resolveu comprar um maço de cigarros e uma goma de mascar. Na entrada, um velho carrancudo o recebeu como quem não gosta de visitas ou clientes. Apesar de ser uma tabacaria, as opções eram poucas. Comprou um cigarro qualquer e uma goma qualquer. O velho recolheu a nota e as moedas e voltou para sua cadeira, sem agradecer, sem dar adeus, sem ao menos olhar.

      Porta afora, fumou e retomou a disparada. Aquele cigarro foi um refúgio, talvez seu único porto seguro durante todo o dia. Dobrou algumas esquinas, optou por um caminho novo, diferente. Talvez não quisesse encontrar conhecidos. Talvez quisesse experimentar algo novo, sair de sua monótona rotina.

      Escriturário, solteiro, natural de longe, poucos amigos. Nasceu Elton, mas era chamado Gilmar.

      Faltava pouco menos de meia hora para cumprir seu dever e poder voltar ao trabalho. Sem ver o mundo à sua volta, seguia em frente, e à direita, e à esquerda. Esquina após esquina, cumpria cada curva com uma desenvoltura exata, quase um trem em trilhos, quase um piloto-automático.

      Parou.

      Era ali: o número era 345.

      Conferiu no papelzinho – um guardanapo, na verdade – que trazia no bolso. Pensou em fumar outro cigarro. Achou curto o tempo. Optou pela goma de mascar. Por duas, na verdade. Cinco mastigadas – cinco era seu número – e bateu fortemente na porta. Em poucos segundos, a porta se abre e ele entra.
Permanece na casa por alguns minutos.

      Exatamente às oito e meia, como manda seu regulamento, entrou na repartição. Bateu cartão, colocou o crachá e, antes de subir para sua sala, passou no banheiro para ver se havia marcas em seu rosto, em seus olhos, em suas mãos. Marcas de um passado próximo, de um dia único.
Em frente à sua tela, em frente àquelas letras, copiadas daqueles papéis, um sentimento indescritível tomou conta dele. As horas, antes apressadas, esperavam o infinito como quem espera o trem na velha e abandonada estação.

* Luiz Henrique Dias é dramaturgo. @LuizHDias (www.blogdoluiz.com.br)