Terras raras, um negócio da China?
O mercado dos 17 elementos químicos individualizados é da ordem de US$ 5 bilhões anuais e, mais que isso, é estratégico. O significado da palavra estratégico ficou muito claro em 2010, quando a China anunciou que imporia cotas de exportação destas terras raras, jogando os preços para o céu, e, de forma mais chocante, ameaçou não mais entregá-las para o Japão, depois de uma escaramuça de fronteira marítima.
Tratou-se de um claro perigo à supremacia japonesa em produção de carros híbridos, cuja tração elétrica baseia-se nos superímãs de terras raras e objetos de alta tecnologia. O disparo dos preços foi extremo. Por exemplo, em 30 de março deste ano, o preço do neodímio metálico, um dos 17 elementos terra rara, foi cotado na Ásia em U$ 200 o quilo, enquanto em janeiro de 2009 estava em R$ 15 o quilo.
O domínio chinês, nesse caso, não se refere somente ao baixo custo da mão de obra. A China detém mais de 50% das reservas mundiais de terras raras. Ou melhor, detinha. Em novembro de 2010, a US Geological Survey, a agência científica dos Estados Unidos, publicou um artigo que indica que a maior reserva de terras raras é, muita atenção, brasileira, para a surpresa geral e de todo o mundo. Afinal, o que grande parte dos pesquisadores brasileiros sabia era que nossa areia monazítica (tipo de areia que possui uma concentração natural de minerais pesados) havia acabado. Grande parte dos pesquisadores, mas não sua totalidade, pois a fonte da informação da US Geological Survey foi um breve resumo de um brasileiro, nos anais de um Congresso Internacional de Geologia de 1996.
Nos anos 1980-1990 o Brasil investiu na cadeia, mas os baixos preços chineses inviabilizaram todas as iniciativas
Especialistas já avaliaram diversos locais em que ocorrem terras raras no Brasil. Estão na cidade mineira de Araxá, na goiana Catalão, no Paraná, na Bahia… e a lista deve crescer. Usando a terminologia técnica, é possível afirmar que "recursos minerais" o Brasil tem, sem dúvida. Mas a questão é saber se são "reservas minerais". Explico: é preciso verificar se a concentração de terras raras é economicamente viável, ou seja, se a operação de separar o mineral que contém as terras raras dos minerais restantes é válida economicamente.
Agora em 2011, telefones em Brasília tocam pedindo explicações e posicionamentos. Com os preços onde estão hoje, o mundo todo se anima e revê as possibilidades. Americanos anunciam investimentos de US$ 100 milhões para reativar sua maior mina. Australianos falam de números maiores ainda. E o Brasil… sobra alguma chance para o Brasil?
Normalizados os preços, é possível viabilizar no território brasileiro empreendimentos de mineração que produzam concentrados de terras raras. Mas isso vale pouco. Separar as terras raras em cada um dos elementos agrega bastante valor, mas exige uma tecnologia química especial, resinas importadas… enfim, custa muito caro. Vale a pena? A estratégia chinesa foi a de ocupar frações cada vez maiores da cadeia produtiva. Hoje a China não quer mais exportar superimãs, quer exportar motores elétricos que os usam. Aqui se configura uma oportunidade particular e de extrema relevância para o Brasil, que é um dos maiores produtores de motores elétricos do mundo.
Atualmente o Brasil é forte nos motores convencionais, sem ímãs, mas os geradores movidos a vento e a motorização elétrica de veículos, baseados em superimãs, prometem enorme expansão desse mercado. Desenvolver as tecnologias da cadeia produtiva das terras raras coloca grandes desafios para a tecnologia nacional. E isso é ótimo. Dentre algumas iniciativas nessa direção já se destaca uma articulação entre a Fundação Certi, de Santa Catarina, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, e o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), do Rio de Janeiro. São três dos melhores órgãos de pesquisa nacional, unidos em torno das terras raras.
É preciso levar em conta que há cerca de 30 anos – nos anos 1980-1990 – o Brasil investiu nessa cadeia, mas os baixos preços chineses inviabilizaram todas as iniciativas. Um tradicional fabricante brasileiro de ímãs investiu nos superímãs de terras raras, mas não resistiu à abertura dos mercados e sucumbiu no ano de 1994. Hoje, as equipes que trabalharam com esse tema em dezenas de grupos de pesquisa brasileiros estão praticamente desfeitas, decidiram assumir outros rumos. É possível retomar o projeto, mas é necessário um plano de mais longo prazo, resistente às intempéries do mercado e das estratégias de outras nações. É hora de agir, de maneira consistente.
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Fernando J. G. Landgraf é professor associado da Escola Politécnica da USP e diretor de Inovação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)
Fonte: Valor Econômico