Mas gostaria também de registrar um protesto filosófico. Há uma antiga piada sobre a questão de ser ou não um ideólogo; estou apenas sendo razoável. O fato é que todos têm uma ideologia – o que não passa de outra maneira de dizer que todos têm a) valores e b) uma opinião a respeito de como funciona o mundo. E não há nada de errado nisso.

Permita-me ilustrar o que quero dizer: suponhamos que eu propusesse a redução do endividamento nacional por meio da oferta de oportunidades a empresas privadas que poderiam, mediante um processo de licitação, explorar a massa de quase 2 milhões de presidiários nas cadeias americanas, que se tornariam então trabalhadores em regime de semisservidão – em muitos casos por toda a vida. Ah, poderíamos também recorrer à servidão como substituta da falência pessoal. Como assim? Está dizendo que reintroduzir um regime análogo à escravidão é inaceitável? Bem, creio que isto decorra de sua ideologia – e um número expressivo de americanos parece não partilhar desta ideologia.

Assim sendo, admito que sou um ideólogo. Acredito mais ou menos numa visão da sociedade como a proposta por John Rawls – tratar os outros como se pudesse estar no lugar deles -, que implica numa robusta rede de segurança social. Acredito também que uma economia mais voltada para o modelo de mercado, com a propriedade pública e a oferta pública de serviços limitadas a certos setores, é a que funciona melhor. Outros podem discordar de meus valores, de minha opinião quanto ao funcionamento do mundo, ou de ambas as coisas. Não devemos fingir que partilhamos mais do que realmente temos em comum.

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Fonte: O Estado de S. paulo