Como enfrentar inflação e câmbio
Os dois principais desafios que tem pela frente o governo são o controle da inflação e tentar segurar o processo em curso da valorização do real. Parte-se do pressuposto que para isso não irá derrubar o crescimento econômico, que é a solução preconizada pelos economistas ortodoxos.
Em primeiro lugar é importante considerar que o Brasil não é uma ilha no mundo globalizado, ou seja, inflação e câmbio mantêm forte dependência da economia global. As elevações de preços de alimentos e commodities atingem todos os países e são componentes importantes da inflação. Existe, portanto, um risco real de inflação neste ano no Brasil, que pode aproximá-la de 6%. Quanto ao câmbio o Brasil tem contra si para valorizar o real a forte elevação da liquidez internacional e a alta taxa Selic que atraem esses capitais com elevados ganhos, sem riscos.
A Folha de São Paulo (11/4) mostra que diversos países já ultrapassaram o teto de inflação para este ano. São citados entre outros o Reino Unido, Israel, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Indonésia e Sérvia. Até países europeus e o próprio Estados Unidos, com baixos crescimentos econômicos, podem ultrapassar o teto de 2% considerado aceitável pelos seus bancos centrais. Quanto ao câmbio, para se defenderem da elevada liquidez internacional, os países emergentes estão usando várias políticas de controle de entrada de capitais para evitar a valorização de suas moedas, que tira a competitividade de suas empresas e ameaça suas contas externas.
No entanto, é comum ver-se propostas no Brasil minimizarem essa realidade internacional e pregarem como a melhor solução para esses dois problemas (inflação e câmbio), a redução da demanda, através de forte contenção das despesas de custeio (que não envolvem juros e investimentos) do governo federal.
Não é solução, pois: a) pelas Contas Nacionais os gastos do governo são 21% da demanda; b) 43%, exclusive previdência social, são do governo federal; c) 57% são de Estados e Municípios, cujas despesas acompanham suas receitas; d) apenas 20% das despesas do governo federal, inclusos aí os investimentos, são passíveis de gestão devido às amarrações legais do orçamento; e) caso se consiga reduzir 20% via gestão, se teria uma redução de apenas 0,36% (!) da demanda (21% x 43% x 20% x 20%).
Por outro lado essas propostas omitem uma despesa que poderia ser reduzida: os juros, que atingiram em 2010 R$ 195 bilhões, ou 5,3% da demanda. São 15 (!) vezes mais do que a despesa passível de ser feita pelo governo federal. Como a despesa com juros depende da Selic, para reduzir a demanda do governo, o melhor é reduzir a Selic.
Outras propostas defendem o aumento do resultado primário (receitas menos despesa exclusive juros) deixando o investimento crescer, mas à custa da redução das despesas relacionadas aos programas sociais. Assim, propõem forte contenção nas despesas com pessoal, salário mínimo e assistência social. Deixam sempre de fora a redução ou a menção aos juros. É uma “solução” perneta de baixa eficiência como visto.
Para completar pregam maior rigor com a política monetária, ou seja, elevação da Selic pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação. Não basta ter a maior taxa básica de juros, o triplo do segundo colocado a Austrália. Pedem mais elevação. Isso causa efeitos contraditórios: a) eleva a demanda do governo causando mais inflação e; b) atrai mais dólares, o que barateia as importações funcionando como âncora cambial. Mas elevar a Selic além de prejudicar o déficit fiscal valoriza mais ainda o real e prejudica nossas contas externas.
Essas propostas constituem o cardápio do pensamento neoliberal, que pregam o Estado mínimo para sobrar mais recursos para as empresas, que sabem administrar com maior eficiência suas atividades, como se isso coincidisse com o interesse público.
Não vamos perder tempo com essas “soluções” neoliberais. Vamos tratar esses dois desafios numa visão de médio e longo prazo, pois para este ano e até meados do próximo provavelmente continuaremos tendo pressões inflacionárias e valorização cambial vindas de fora. Nota-se, no entanto, que a demanda já dá sinais de acomodação devido à elevação inflacionária em curso, restrições ao crédito pelo seu encarecimento (medidas macroprudenciais), e nível crescente de endividamento dos consumidores, com elevação da inadimplência.
A nosso favor neste ano temos previsões recordes de safra, que podem atenuar os efeitos da inflação de alimentos, mas há perspectivas de demanda em elevação, especialmente na China e Índia, o que pode ocasionar efeito contrário. Em termos globais prevê-se crescimento econômico de 4% no mundo, puxado pelos emergentes com 6%. Isso significa elevação de preços das commodities, que devem continuar impactando a inflação neste ano. Por outro lado a conflagração no norte da África e Oriente Médio e as catástrofes no Japão podem causar elevação nos preços do petróleo, reduzindo o crescimento econômico e rebaixando os preços das commodities. Assim, a curto prazo, temos muitas indefinições com impactos na inflação.
Em médio prazo a política econômica deve manter o crescimento econômico, com inflação sob controle e câmbio em nível adequado para garantir o equilíbrio das contas externas.
1. Manter o desenvolvimento econômico
O cenário externo é incerto e de grande disputa para exportar aos países emergentes. Fora as commodities e alimentos em que temos competitividade, os demais bens sofrem cada vez mais dificuldades para serem exportados devido ao câmbio valorizado. Assim, a expansão da economia deve se apoiar cada vez mais no mercado interno e para isso continuar o estímulo às camadas de menor renda e aos investimentos que devem sustentar a elevação da oferta de bens e serviços para atender a expansão do consumo com a incorporação de novos consumidores.
Os fios condutores desse processo que já demonstraram resultados são o crescimento do salário mínimo acompanhando a evolução da economia e o fortalecimento de programas de renda como o Bolsa Família, e o direito estabelecido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que garante um salário mínimo aos idosos e pessoas com deficiência que não possuam meios de garantir a sua sobrevivência.
Essas políticas vão na direção de explorar o potencial de consumo existente, como pode ser constatado durante o governo anterior. Segundo o jornal Estado (23/3), “31 milhões subiram de classe social em 2010 e o formato da distribuição de renda deixou de ser uma pirâmide e se tornou um losango.” É através da perspectiva de crescimento do consumo que as empresas procuram ampliar seus investimentos e aumentar a oferta de bens e serviços.
2. Inflação
Para combater a inflação é fundamental: a) investir na produção para elevar a oferta e; b) desenvolver políticas que permitam a redução de custos das empresas, que são duramente afetadas pela elevada carga tributária, juros siderais, precariedade na infraestrutura e na logística e sujeitas ao cipoal burocrático. Elevar a oferta e reduzir custos é parte do combate estrutural à inflação.
A redução da carga tributária (arrecadação da União, Estados e Municípios dividida pelo PIB) passa pela redução dos juros do setor público devido à elevada Selic. Desde 2005 a carga tributária está estacionada em 33,6% do PIB. Mas o setor público só pode usar 27,6% do PIB, pois deve pagar antes os juros que representaram nesse período 6,0% do PIB.
Nos países da Organização para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) que reúne a Europa, mais Estados Unidos Canadá e Japão, bem como nos países da América Latina e Caribe a conta de juros é da ordem de 1,8% do PIB. Reduzindo a Selic é possível conseguir esse nível de juros em cerca de três anos. Isso permitiria: a) desonerações tributárias às empresas e bens de consumo popular e; b) ampliar investimentos em infraestrutura e logística. A resultante são custos menores, com menor inflação.
Quanto à infraestrutura e logística, o governo procura reduzir os gargalos e custos que oneram os preços dos produtos, através do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Parte importante dos recursos será via Petrobras para a exploração do pré-sal e pelo BNDES com taxas de juros baixas, como exigem financiamentos de longo prazo. Além da contribuição governamental o setor privado tem feito investimentos para redução de custos de transporte, armazenagem e portuários. Isso vai contribuir para ampliar a produção e competitividade das empresas, com resultados concretos para a redução da inflação.
3. Câmbio
Para tentar sair da crise os países desenvolvidos estão desvalorizando suas moedas para aumentar exportações e reduzir importações. O objetivo é gerar empregos, uma vez que o consumo interno sofreu o baque da crise de 2008. Os Estados Unidos já despejaram US$ 2,7 trilhões no mercado, ampliando seu endividamento. Esses dólares se endereçam especialmente para os países emergentes onde ocorre expansão da economia, valorizando suas moedas.
Para tentar conter essa valorização estão adotando o controle de ingresso de capitais sob as mais variadas formas. O caso brasileiro é mais grave, pois a taxa de juros é a mais elevada do mundo e, assim, é o destino preferido dos especuladores internacionais. A solução para evitar a enxurrada de dólares passa principalmente pela redução da Selic para o nível internacional.
Enquanto isso não ocorre o governo vêm usando a tributação do IOF sobre ingresso especulativo de capitais. Primeiro sobre as aplicações em renda fixa (títulos do governo) que foram tributados sucessivamente para 2%, 4% e 6%. Mas as entradas de dólares procuram escapar desta tributação. Uma via usada foram os empréstimos externos trazidos pelas empresas e bancos a juros de 2% e aplicavam em títulos federais com lucro garantido. O governo fechou essa brecha impondo IOF de 6% sobre as operações com prazos inferiores a dois anos.
Agora devem estar entrando sob a forma de investimento direto de estrangeiros (IED), que em vez de ir para a produção vão para as aplicações em títulos federais, pois não há controle por parte do Banco Central. A única forma de controle sobre as aplicações em IED é retomar o controle do BC sobre as empresas via cronograma físico financeiro das aplicações. A legislação garante a fiscalização. A burla seria fortemente tributada pelo IOF além da imposição de multas.
Uma forma importante de restrição à entrada de dólares especulativos é através da quarentena. Medida que deu resultados no Chile e é temida pelos especuladores. Pela legislação existente é possível aplicar a quarentena. A esse respeito vale destacar a proposta feita em artigo do dia 6/11/2010 no jornal Estado, pelo professor José Luiz Conrado Vieira, estudioso da legislação cambial brasileira. Ele sugeriu, baseado em soluções já adotadas no País, que os novos capitais que se destinassem ao Brasil teriam que efetuar depósito obrigatório no BC de 30% a 50%, não remunerado e com prazos adequados. Isso seria de “fácil operacionalização, não exigiria ações de esterilização monetária nem traria riscos relevantes de exposição cambial ao BC, visto que os recursos ficariam no exterior em conta da autoridade e seriam devolvidos, ao final, na mesma moeda. Ademais, os rendimentos da sua aplicação pelo BC ajudariam a mitigar um pouco, indiretamente, o custo de manutenção das reservas.”
Resta agora ao governo por em prática com urgência essa quarentena, eliminar os ganhos especulativos via IOF e, reduzir a Selic.
Mas não é só. O que importa, sobretudo, é reduzir/eliminar as posições “vendidas” dos bancos. Elas constituem a materialização das apostas dos bancos na apreciação do real e para isso o BC deve fazer exigências duras de elevação de capital sobre os bancos que atuam com posições “vendidas”. Nessa questão o governo está caminhando a passos lentos e há dúvidas se não está prevalecendo posições de deixar o câmbio se valorizar para tentar segurar a inflação. A elevação da Selic é um indicativo nessa direção. Assim, o governo estaria priorizando o combate à inflação recorrendo à valorização cambial com danos crescentes à competitividade das empresas e elevação do rombo nas contas internas via redução da balança comercial. Vamos aguardar os próximos passos do governo e o desenrolar dos impactos externos de inflação e câmbio.
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Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor
Fonte: Carta Maior