SUS: patrimônio do povo brasileiro
Todos usam o SUS. O SUS na seguridade social, política pública e patrimônio do povo
Estamos iniciando mais uma jornada nacional de debates, avaliação e deliberação de propostas sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), a maior e mais importante política pública conquistada pelo povo brasileiro na nossa história.
Apesar das enormes dificuldades, que naturalmente enfrenta na sua curta trajetória, o SUS tem se constituído em exemplo de inclusão e transformação política no Brasil. Uma das poucas experiências de política pública no mundo que assegura, como um elemento fundamental, o acesso universal e de forma integral, levando em consideração as diversas particularidades e especificidades de indivíduos e populações (cor, raça, credo religioso, gênero, orientação sexual, localização geográfica, etc.). O SUS é singular no mundo, também por propiciar e dispor de práticas e processos democráticos, decorrentes da ampla participação das pessoas e movimentos sociais, a partir dos mais variados espaços constituídos, de modo informal ou formal, como são os casos das instâncias de Controle Social (Conferências e Conselhos de Saúde).
Decorridas mais de duas décadas de sua criação, o SUS inicia o seu período de maioridade, com importantes conquistas sociais e significativos desafios no futuro.
A Constituição Federal de 1988 estabelece o direito humano à Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência), a ser garantido pelo Estado brasileiro, mediante políticas econômicas e sociais de acesso universal e igualitário. No caso da Saúde, trata-se de políticas públicas organizadas, reguladas e implementadas pelo SUS, com a integração de serviços e ações de promoção, proteção e recuperação da Saúde. Um SUS de todos, com todos e para todos.
Todos usam o SUS por meio de inúmeras redes de serviços e ações de promoção da saúde, de vigilância sanitária (controle e fiscalização da qualidade de produtos para o consumo humano, de portos e aeroportos etc.), da vigilância epidemiológica e controle de doenças (epidemias, endemias), de imunizações (produção, vacinações, etc.), de programas orientados para grupos populacionais e problemas específicos (Saúde Mental, Saúde da Criança, Saúde da Mulher, Saúde do Idoso, Saúde dos Trabalhadores), de redução de danos, de assistência e reabilitação, de produção de insumos (vacinas, medicamentos, equipamentos e outros), de iniciativas e medidas para a educação em Saúde. Enfim, uma ampla gama de programas, serviços e ações de promoção, proteção e recuperação da Saúde, efetivadas a partir de uma extensa e complexa rede de serviços e ações que conformam um sistema público, em instâncias (inter)governamentais e âmbitos organizacionais diversos. É importante, pois, reiterar que políticas, serviços e ações do SUS estão presentes e são efetivas na vida de todos os brasileiros e de muitos estrangeiros.
Contudo, considerada a amplitude e abrangência das ações e serviços efetivamente prestados pela rede de Atenção Integral à Saúde, por que ainda prevalece a noção de um SUS restrito aos seus serviços assistenciais, notadamente hospitalares e de pronto-atendimento? Por que é tão propalada a idéia de que existiriam apenas parcelas populacionais “SUS-dependentes” ou um “SUS pobre, para os pobres”? O que fazer para disseminar, mais e melhor, o entendimento sobre o direito humano e social à Saúde? E para constituir maior legitimidade e sentido de pertencimento para com as políticas públicas de Saúde?
Torna-se necessária a discussão, desde os âmbitos locais até o plano nacional, acerca das perspectivas de entendimento e desafios para a legitimação do SUS como política pública universal, pertencente ao povo brasileiro, que requer mais investimentos humanos, políticos e de recursos (financeiros, tecnológicos, físicos e outros), para a garantia de acesso com equidade, integralidade e melhor qualidade.
Uma política pública se legitima em razão do entendimento compartilhado de seu valor como inalienável direito humano e social, de sua utilidade pública e garantia de justiça social. Do entendimento nasce o sentimento de segurança, o sentido de pertencimento, de patrimônio do povo e a disposição de defesa do interesse público. O desafio da constituição de legitimidade é permanente e, além da noção de direito humano e social, implica na garantia de acesso, acolhimento e respostas apropriadas para as necessidades sociais de grupos historicamente excluídos (alimentação, transporte, habitação e saneamento) e demandas de Saúde.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, o SUS deve compor e estar integrado às políticas públicas de Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social). Em termos práticos e circunstanciais, trata-se de mais um grande desafio de integralidade. Torna-se, pois, imprescindível a análise sobre cada situação e os desafios de integração das políticas, estratégias institucionais, serviços e ações da Seguridade Social em cada território.
Os participantes da 14ª CNS, em todas as suas etapas (municipal, estadual e nacional), além de reiterar a postura e atitude em defesa dos princípios e diretrizes constitucionais do SUS. São também detentores do compromisso e da responsabilidade de promover discussões e realizar debates, buscar melhores alternativas e escolher rumos de superação, inovação e sustentabilidade para o crescimento, consolidação e legitimação das políticas públicas de Seguridade Social.
Considerados o contexto e perspectivas do Brasil, a discussão sobre modelos, tipos e modos de desenvolvimento social remete, na área específica da Saúde, à questão dos modelos de atenção e cuidado, entendidos como a forma de organização das práticas profissionais de saúde dirigidas ao atendimento às necessidades de saúde dos indivíduos e populações. Trata-se de uma estratégia importante para que o país constitua um desenvolvimento socialmente inclusivo, com a implantação de um sistema de Saúde, não apenas universal e igualitário, mas também organizado de forma a promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas.
AVANÇOS E DESAFIOS PARA A GARANTIA DO ACESSO E ACOLHIMENTO COM QUALIDADE E EQUIDADE
Na prática, o SUS, assim como a maioria dos sistemas de saúde no mundo, ainda está subordinado a um modelo de atenção hegemônico que se caracteriza pelo predomínio de práticas individualistas, curativas, centradas em doenças e atendimentos hospitalares. Em que medida essas práticas se contrapõem à efetivação do princípio da integralidade é uma questão polêmica que merece ser debatida.
Temos a tarefa de avaliar com profundidade um sistema que originalmente está pensado e legalmente estabelecido para ser viabilizado por meio de um financiamento pactuado entre as três esferas de governo, que seja adequado e definido de acordo com as reais necessidades de cada região e população referenciadas. Propor alternativas que apontem para a superação de uma rede de serviços que equivocadamente trata somente as doenças, substituindo-a por uma rede efetivamente de Saúde, orientada não somente para ações de promoção, proteção e recuperação da Saúde, mas também com a sustentação de ações intersetoriais. Uma corresponsabilidade fundamental ao pleno êxito do modelo de atenção integral proposto, tendo equipes multiprofissionais em Saúde como força insubstituível para a sua viabilização plena.
Graças ao trabalho do poder público com o envolvimento dos trabalhadores da Saúde, de entidades e movimentos de base comunitária, significativos problemas de saúde têm sido enfrentados. Por exemplo, a desnutrição vem sendo controlada no país com melhorias nos processos de segurança alimentar e nutricional. Constata-se, ainda, a queda expressiva da mortalidade infantil, denota-se o incremento de programas e equipamentos para ampliar as oportunidades de Saúde.
Há avanços na universalidade e na descentralização de Saúde, especialmente, com a municipalização das ações e serviços. Mas ainda estamos a passos lentos quanto ao acesso, em razão da imposição de obstáculos para utilizar os serviços, seja por falta de condições do usuário, seja por impedimentos instituídos no âmbito dos serviços.
É necessário atualizar os patamares de qualidade, integralidade (com foco de atenção na pessoa como um todo) e equidade (serviços e prioridades de acordo com as necessidades). É imprescindível enfrentar com coragem o processo de regionalização e a baixa participação dos Conselhos de Saúde e rever, ajustar, aperfeiçoar os instrumentos e mecanismos para o exercício do controle e da fiscalização, a exemplo dos planos de saúde, relatórios de gestão e prestações de contas da gestão governamental.
Há que se evitar a perpetuação de mortes precoces e internamentos evitáveis por doenças com tratamentos disponíveis e de baixo custo, que deveriam ser ofertados logo após as consultas nas unidades básicas de Saúde. Apesar dos avanços no número de consultas de pré-natal, as mortes maternas e infantis devido à precariedade das consultas de pré-natal e problemas preveníveis no parto e pós-parto devem cessar. Doenças como hipertensão e diabetes afetam milhões de pessoas. Quando não tratadas geram sofrimento para elas e custos elevados para o SUS. Hanseníase, tuberculose, sífilis, dengue – Por que não eliminá-las como problema de Saúde pública?
Há uma tendência evidente de aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que, aliada a outras tendências demográficas e epidemiológicas em curso (incremento proporcional dos estratos populacionais de idosos, diminuição da mortalidade infantil, aumento de prevalência de doenças e condições crônicas), requer mudanças substanciais no planejamento e organização de sistemas, programas, serviços e ações de Saúde, com ênfase em novos perfis de necessidades e demandas.
Considerado o contexto mais amplo de necessidades e demandas, o SUS deve dispor integralmente de uma gama de procedimentos desde os mais simples aos mais especializados, bem como de ações e políticas intersetoriais de áreas fundamentais para a Saúde como a educação, trabalho e renda, meio ambiente e lazer, entre outros, com particular ênfase nas políticas referentes à Seguridade Social.
Quando se trata de acesso aos serviços, insumos (medicamentos, materiais para exames, preservativos, etc.) e outras tecnologias de Saúde, predomina o enfoque assistencial e de atendimento, mas também existem questões significativas decorrentes do acesso aos serviços de vigilância sanitária, epidemiológica, nutricional, ambiental, além de outros serviços e ações de Saúde.
Não se trata somente da necessária adequação quantitativa da distribuição e oferta de serviços, tecnologias e insumos de Saúde, perante demandas espontâneas nos diversos territórios de vida e dos níveis assistenciais, mas da garantia de melhor equidade, acolhimento, continuidade, integralidade, suporte, resolubilidade e satisfação dos usuários. Implica também, na melhor adequação dos perfis de ofertas de tecnologias e serviços em razão das necessidades sociais e sanitárias de populações, grupos específicos e indivíduos.
Para isso é fundamental que se estabeleça um compromisso interfederativo e intersetorial com toda a sociedade em relação à reorientação da formação profissional em Saúde. Além disso, garantir a incorporação da educação permanente em Saúde como estratégia de melhoria da atenção à Saúde e da gestão do SUS, em todas as instâncias, aprofundando e ampliando as mudanças já em andamento e as experiências bem-sucedidas de integração ensino-serviço.
Em termos de mudanças efetuadas e necessidades ou desafios a se enfrentar em cada território de vida e contexto real, o que significam o acesso e o acolhimento com melhor qualidade? Quais as necessidades e demandas consideradas prioritárias? Quais as proposições de investimentos mais condizentes para a reorganização de serviços e garantia de acesso e acolhimento com melhor qualidade?
Nas etapas da 14ª CNS e para cada âmbito de ação institucional do SUS – local, (inter)municipal, metropolitano, (inter)regional, (inter)estadual e nacional – convêm realizar análises de situações e condições de acesso aos serviços e ações de Saúde; definições de necessidades prioritárias; discussões sobre alternativas e iniciativas para mudanças e investimentos; deliberações de diretrizes políticas e organizativas para a garantia, incremento e melhor qualificação do acesso e acolhimento nos serviços de Saúde. Diretrizes e proposições que possam efetivamente constituir agendas para as ações (inter)governamentais e pautar os processos e práticas de avaliação, monitoramento e fiscalização por parte das instâncias de participação comunitária e Controle Social.
O acesso com acolhimento e melhor qualidade aos serviços e ações integrais de Saúde implica primordialmente na expansão, incremento, fortalecimento e apoio logístico da Atenção Básica à Saúde em todo o país. No reconhecimento de necessidades específicas, condições singulares, contextos particulares que requerem unidade na diversidade, ou seja, uma política nacional única com dispositivos organizacionais diversos e respostas apropriadas para distintas necessidades.
Considerado cada território e contexto, quais as situações e condições de acesso, acolhimento e atendimento qualificado nos serviços de Atenção Básica, na Estratégia e Programa de Saúde da Família? Quais as prioridades para investimentos, mudanças organizacionais, suporte e apoio para estes serviços?
Outros serviços mais especializados também requerem melhor acesso e oportunidade de disponibilização em tempo adequado. Serviços de pronto-atendimento, serviços ambulatoriais, hospitalares, diagnósticos, de reabilitação, insumos (medicamentos, materiais para exames, preservativos, órteses, próteses, etc.).
Excetuados os serviços e as redes de Atenção Básica à Saúde e Saúde da Família, a maior parte dos pequenos e médios municípios brasileiros não dispõe de estruturas, recursos, pessoal e condições logísticas para garantir, em seu próprio território, o acesso integral e resolutivo para os problemas de Saúde demandados em todos os níveis de Atenção à Saúde. O que implica na tarefa e desafio da organização de sistemas e redes regionais de Saúde, com a ordenação de fluxos e garantia de oferta e acesso aos serviços em todos os níveis de Atenção à Saúde.
Quais as situações e condições de acesso e acolhimento com qualidade nos diversos serviços de Saúde que compõem as redes assistenciais regionalizadas? Quais as condições de acesso aos insumos e outros recursos necessários? Quais as prioridades para investimentos, mudanças organizacionais, suporte e apoio?
Existem ainda particularidades regionais, necessidades populacionais ou condições específicas de cada território, que requerem modos próprios de recursos e organização para a garantia do acesso e acolhimento com melhor qualidade. É imprescindível que tais particularidades sejam evidenciadas, em termos de necessidades e propostas, de modo a subsidiar o esforço constitutivo de um sistema único com abertura e flexibilidade para as realidades locais e regionais.
Vale ressaltar que os princípios da universalidade, da igualdade e da integralidade da saúde são também princípios da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. Uma questão fundamentalmente relacionada se refere à contribuição do chamado complexo econômico da saúde para a conformação dos modelos de Atenção à Saúde. Por um lado, não há dúvidas de que, sem os insumos materiais produzidos pelas indústrias, tanto do ramo químico e biotecnológico, quanto do ramo eletro-mecânico, seria impossível assegurar o tipo de cuidado à saúde que a sociedade contemporânea exige e merece. Por outro lado, é evidente que os interesses econômicos de produtores e fornecedores de insumos são generosamente contemplados no atual modelo hegemônico, às vezes sem consideração ou mesmo em detrimento das necessidades de cuidados à Saúde das pessoas. Na sua atual configuração, o complexo econômico da saúde negligencia o investimento em tecnologias de promoção da saúde e prefere reproduzir e expandir a lógica de atendimento sintomático e curativo, baseado no consumo de procedimentos isolados.
Não há dúvida de que é necessário modificar a configuração das relações entre a indústria da saúde e os interesses da saúde pública expressos nas políticas públicas. Duas questões, em especial, podem ser manejadas nesse sentido: a ampliação do mercado público com a explicitação das prioridades do SUS e o fortalecimento do quadro regulatório, também atendendo às prioridades do SUS.
Ademais, destacando que o complexo econômico não se limita às indústrias, mas ao contrário, se define pela articulação entre indústrias produtoras e serviços consumidores de insumos, não se pode negligenciar a necessidade de ampliação da rede de serviços de saúde desde uma perspectiva conceitual, orientada para a articulação com as demais redes sociais, valorizando as características sócio-demográficas, culturais e epidemiológicas da população, ao mesmo tempo em que desenvolve ações de saúde de alta qualidade, efetivas e eficientes.
Enfim, assegurar a integralidade da atenção, enfrentando não apenas os obstáculos do subfinanciamento, mas também os determinantes estruturais do modelo biomédico hegemônico é uma tarefa inadiável para o avanço do SUS.
Existem muitas outras questões referentes ao tema do acesso e acolhimento com melhor qualidade e equidade, convém apresentá-las e discuti-las em sua relevância e diversidade, de modo a constituir diretrizes e uma agenda de inovação, mudança e consolidação para a rede de serviços e recursos do SUS.
AVANÇOS E DESAFIOS PARA A PARTICIPAÇÃO A COMUNIDADE
A comunidade sempre teve que lutar para melhorar os serviços públicos. Os avanços conquistados nos últimos anos são frutos da soma de esforços e dedicação da população. Infelizmente estamos longe do atendimento e dos serviços que precisamos. Muita gente deixa de ter acesso à informação para prevenir e curar as doenças, tem que ficar horas na fila, e, em muitos casos, simplesmente não encontra vaga ou resposta para o que precisa.
A participação da comunidade (movimentos sociais, instâncias de Controle Social) das políticas públicas de Saúde requer maior dinamismo e efetividade. O aperfeiçoamento das instâncias, processos e práticas de participação comunitária no SUS implicam numa melhor qualificação das formas e meios de representação e mediação de demandas, sob o amparo do interesse público e responsabilidade social no reforço de tecnologias e dispositivos de apoio para o monitoramento e a fiscalização das políticas governamentais, de modo a garantir sua maior transparência e publicidade.
A finalidade desse tema é discutir a atuação das instâncias e atores do Controle Social como protagonistas políticos da Reforma Sanitária no país, ou seja, uma organização com capacidade de acumular forças, defender interesses públicos e necessidades sociais, além de atuar na transformação das condições de vida e saúde.
Nesse sentido é importante trazer à luz o processo político-histórico que decorreu na institucionalização do Controle Social, nas políticas públicas de Saúde, problematizar o seu campo de atuação enquanto esfera pública, aprofundar o debate acerca de questões relevantes e atuais e apontar caminhos para sua maior efetividade.
O povo brasileiro, movido pelo ideal de cidadania e pelo desejo de construir relações mais democráticas entre o Estado e a sociedade, sempre lutou pelo direito à saúde e para ser reconhecido como interlocutor legítimo de seus interesses perante os governos. Exatamente porque rompe obstáculos, questiona e tensiona a estrutura tecnocrática, centralizadora, autoritária e normativa do Estado brasileiro é que o Controle Social expressa uma das maiores conquistas populares.
Amparado na Lei 8142/1990, o Controle Social na Saúde é exercido principalmente por meio das Conferências e Conselhos de Saúde nas três esferas da gestão governamental. Existem instâncias de Controle Social de Saúde presentes no Distrito Federal, nos 26 estados brasileiros e na quase totalidade dos municípios. De caráter deliberativo, permanente e de composição paritária entre usuários e outras representações (governos/prestadores de serviços, trabalhadores de Saúde,), os Conselhos de Saúde fiscalizam e auxiliam os poderes executivo e legislativo na elaboração e execução das leis, na condução dos assuntos de saúde nos municípios, estados e União.
Aberto aos novos valores e às forças criativas e renovadoras advindas do interior da sociedade, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução 333/2003, que atualiza e redefine a composição do CNS e referencia os Conselhos de Saúde dos estados e municípios. Sua proposição é dotar os Conselhos de maior legitimidade junto aos diversos setores da sociedade, bem como propiciar uma maior capacidade para propor mudanças ao modelo de Atenção à Saúde no tocante ao acesso, acolhimento, vínculo e resolutividade dos serviços, modificando velhas rotinas e estruturas, adotando nova forma de abordar e acolher os usuários do SUS.
Todavia, as definições normativas e institucionais, por si só, não têm garantido o caráter deliberativo, permanente e de representação do Controle Social na Saúde. É urgente e necessário entender que os recursos disponíveis aos Conselhos, para exercer efetivamente o Controle Social, concentram-se principalmente em seu poder político, exercido, por excelência, pelos novos protagonistas da Reforma Sanitária.
O valor e potencial transformador que os Conselhos de Saúde detêm, não são absolutos, mas se revelam se houver iniciativas e esforços de desenvolver uma política que esteja calçada em ideais libertários, em radicalidade democrática, referenciados em um projeto de mudança social. O que pressupõe o controle das políticas públicas pela sociedade, a partir da interação de atores sociais proativos, sujeitos no processo de construção do SUS, e não mais como sujeitados às políticas que são encaminhadas unilateralmente pelo poder governamental.
Este é o debate central da temática colocada: em que medida o Conselho de Saúde pode contribuir para a melhoria dos serviços e ações de saúde? O que mudou e o que precisa melhorar em termos de participação da comunidade e atuação das instâncias de Controle Social em Saúde? Quais os desafios e propostas de melhorias em cada território e instância de participação comunitária e Controle Social?
AVANÇOS E DESAFIOS PARA A GESTÃO PÚBLICA DO SUS
O SUS necessita de gestão autônoma, profissionalizada, contratualizada e democrática dos serviços, bem como uma força de trabalho estável, qualificada, concursada e valorizada, com reais perspectivas de carreira. Para isso, é fundamental garantir e avançar no desenvolvimento e implementação da Política Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, dando visibilidade e ampliando as ações relacionadas ao planejamento de profissionais de Saúde, em consonância com o preceito constitucional de que cabe ao SUS ordenar a formação dos recursos humanos em Saúde. São dispositivos legais garantidos na Constituição Federal e na lei orgânica do SUS, estratégicos para o equacionamento correto da gestão do sistema em toda a sua complexidade.
Um sistema que, em se propondo prioritário e majoritariamente público, por entender que essa é a lógica a ser estabelecida como possível de viabilizar uma proposta de Saúde pública universal e integral, abre a possibilidade da participação privada de forma complementar, naquilo que o poder público não tiver temporariamente condições de dispor, por entender os limites naturais que lhes são impostos por um país complexo, continental e fortemente heterogêneo.
É hora de enfrentar os problemas que despontam no SUS, com a necessidade de mecanismos de controle e de gestão e inversão de prioridades orçamentárias. A responsabilidade é dos três entes federados e dos Conselhos. Os participantes da 14ª Conferência Nacional de Saúde devem intensificar o diálogo mútuo, com os gestores da Saúde, trabalhadores, entidades e movimentos sociais e apontar diretrizes para propiciar melhorias.
A gestão pública dos sistemas e serviços de Saúde ainda enfrenta dilemas e desafios. Torna-se imprescindível a discussão e proposições sobre a garantia e combinação ótima entre financiamento necessário e estável, gestão de qualidade e com responsabilidade social, fiscal e sanitária, sob a égide do interesse e direito públicos. De acordo com os preceitos constitucionais do SUS, a prerrogativa e responsabilidade pública da gestão e gerência não podem ser transferidas ou terceirizadas para outras esferas de direito privado, as dificuldades e alternativas de melhor gerenciamento, regulação e prestação de serviços devem ser equacionadas e produzidas sob a responsabilidade pública.
Mesmo em se tratando de sistemas e serviços de Saúde não vinculados ao SUS, a prerrogativa de gestão e regulamentação é unicamente pública. O SUS, não segmentado ou fragmentado, deve exercer o controle, a regulamentação e a fiscalização de todos os serviços e ações de Saúde, inclusive os de natureza privada, de modo a estabelecer a preponderância do interesse público e a garantia dos direitos dos cidadãos. Essa prerrogativa implica em desafio para a instituição de modos e meios eficazes de controle e regulação do SUS em todos os âmbitos institucionais.
Outra questão de grande relevância para a consolidação de todas as políticas públicas implica na inovação e institucionalização de preceitos normativos, pactos e dispositivos de gestão interfederativa e intergovernamental. No caso da Saúde, esta questão adquire uma grande importância, em razão da necessidade de conformação, organização e efetivação de sistemas regionais de Atenção Integral à Saúde, com o compartilhamento de responsabilidades entre as esferas de governo. Trata-se de um tema de grande relevância para a discussão, debate e deliberações, notadamente, por ocasião das etapas municipais e estaduais da 14ª CNS.
Do mesmo modo, as discussões, debates e proposições acerca do tema da gestão do trabalho e da educação na Saúde e com os trabalhadores de Saúde, implicam na proeminência de sua natureza pública, seus deveres constitucionais e na necessidade de carreira única de Estado, integrada nas diversas esferas governamentais e instâncias organizacionais. Na observância das necessidades sociais para a definição de prioridades e perfis de formação e educação permanente.
Quais as situações e condições da gestão pública de sistemas e serviços de Saúde em cada âmbito de governo (consideradas questões como financiamento, relação entre esfera pública e privada, Pacto pela Saúde gestão do trabalho e da educação na Saúde)? Quais as necessidades e alternativas para se organizar instâncias, modos e meios de gestão intergovernamental para sistemas regionalizados de Saúde? Quais as diretrizes e propostas para se garantir a preponderância do interesse público e da responsabilidade social nos processos e práticas de gestão governamental em Saúde?
São questões substanciais que devem servir de pauta para a expressão de necessidades e demandas, a definição de prioridades, o debate político e a deliberação de diretrizes e agendas de iniciativas e investimentos em todas as etapas da 14ª CNS.
São muitos os desafios e diversos os temas em pauta. O que se espera é a reedição do esforço de cidadania e a convergência da disposição para o debate, a proposição e deliberação de diretrizes por parte da população brasileira, nos inúmeros eventos e em todas as etapas que devem ocorrer a 14ª CNS. Assim se constrói e mantém a política pública de Seguridade Social.
ORIENTAÇÕES PARA MOBILIZAÇÃO E TRABALHOS DE GRUPOS
As etapas da 14ª CNS devem prever o maior número possível de representantes de entidades, movimentos e instituições, e envolver a população nos eventos relacionados à Conferência. Uma estratégia de mobilização é utilizar os meios de comunicação com linguagem e conteúdo de interesse para a sociedade local. Podem ser utilizados todos os meios de comunicação acessíveis, como murais, faixas, rádios, jornais e revistas, auto-falantes, Internet, etc. Além disso, recursos de comunicação e informação como, por exemplo, o uso de telões, podem transmitir a Conferência para um grupo maior de pessoas.
Ter acesso aos relatórios finais das últimas Conferências de Saúde contribui para o debate dos participantes. Centenas de propostas foram aprovadas e revelam as necessidades sentidas pela população. Infelizmente podem ter sido esquecidas. É preciso conhecer os avanços e desafios dessas propostas e se elas serviram de base para as decisões na área da Saúde. Depois de realizar a Conferência é necessário informar a população sobre os seus resultados.
A metodologia para os grupos de discussão na 14ª CNS sugere a elaboração de perguntas para o debate relacionado ao temário, com definição prévia de relatores. A Comissão Organizadora pode orientar os participantes sobre como formular propostas para o âmbito nacional, como priorizar diretrizes e fazer encaminhamentos que transformem as propostas em ações para melhorar as condições de Saúde da população do município. O Regimento da 14ª CNS, no artigo 12 prevê até 7 (sete) diretrizes nacionais relacionadas com o eixo da Conferência nas etapas municipais e estaduais, e cada diretriz pode conter 10 (dez) propostas.
Na plenária da Conferência serão votados relatórios com propostas e definições de prioridades locais e regionais, com indicações que podem orientar o governo e o Conselho de Saúde. Finalmente, elegem-se delegados para as próximas etapas.
QUESTÕES QUE PODEM SER PAUTADAS PARA O DEBATE EM GRUPOS:
Abaixo estão listadas algumas questões sugeridas para os debates e deliberações nas etapas municipais e estaduais da 14ª CNS. É importante considerar que as questões sugeridas podem, e devem, ser complementadas e precisam ser postas em questão e discutidas a partir de cada contexto e realidade. Existem questões que possuem uma proeminência nos contextos e âmbitos institucionais dos municípios, outras questões são proeminentes para as regiões intermunicipais e os estados (etapas estaduais da Conferência), outras questões são mais atinentes ao plano nacional.
– Como os participantes entendem as ações institucionais e analisam a atuação do SUS em seu território de vida e de trabalho? O que pode ser realizado para incrementar o entendimento da população acerca das amplas e abrangentes responsabilidades e ações efetuadas pelo SUS?
– Em que medida e de que modo o SUS atua de maneira integrada com as outras políticas, sistemas e serviços de Seguridade Social (Previdência e Assistência Social)? O que precisa ser melhorado para incrementar a integração da Seguridade Social em todos os âmbitos institucionais?
– Como acolher, com qualidade, no tempo adequado as pessoas que usam os sistemas, serviços, ações, tecnologias e insumos do SUS?
– Que propostas podem contribuir para haver mais recursos nas ações básicas de Saúde, promoção e prevenção, e articulação intersetorial das entidades e instituições para melhorar a Saúde?
– Quais são as propostas prioritárias para fortalecer a Saúde pública nos municípios?
– O que mudou e o que precisa melhorar:
– Na organização, acesso e acolhimento aos serviços de Atenção Básica à Saúde e Saúde da Família?
– Na organização, acesso e acolhimento aos serviços mais especializados de Saúde?
– No acesso e acolhimento aos insumos (medicamentos, etc.), serviços diagnósticos e terapêuticos?
– Na organização, acesso e acolhimento aos serviços de reabilitação em Saúde?
– Nos serviços de vigilância sanitária, nutricional, epidemiológica e ambiental em cada âmbito de suas atuações?
– Quais as diretrizes e medidas necessárias para incrementar:
– A organização de redes regionalizadas de Atenção Integral à Saúde?
– A publicidade, a participação comunitária e Controle Social no SUS e, de modo mais amplo, na Seguridade Social?
– Os modos, meios e instrumentos de gestão pública em Saúde?
– Os avanços na reorientação da formação profissional em Saúde, desde o nível técnico até a pós-graduação, no processo de integração ensino-serviço e na incorporação da educação permanente em Saúde como estratégia de qualificação dos trabalhadores do SUS, da atenção à Saúde e da gestão do cuidado e dos serviços de Saúde?
Sabemos que existe um longo caminho para transformar as decisões desta e de outras Conferências em políticas e programas. Esperamos que as atividades antes e após a Conferência sejam estratégias permanentes de mobilização e acompanhamento das decisões sobre a Saúde.