O caso dos aeroportos é instigante. Principalmente por tratar de uma área com ampla circulação de “formadores de opinião” e mesmo de uma grande parcela de pessoas beneficiadas pelo aumento significativo da renda sob o governo Lula. Ao passar à iniciativa privada a tarefa de colocar os nossos aeroportos em dia, Dilma não se entrega – necessariamente – a determinados dogmas ultraliberais natimortos. A análise deve ser feita longe de paradigmas ideologizados (pela direita e pela esquerda). A observação estratégica deve se situar acerca de qual o papel do Estado e da iniciativa privada no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Talvez esta seja a grande questão a ser respondida, e com profundidade, no presente momento.

Bom lembrar que estamos tratando de desenvolvimento de uma moderna economia de tipo capitalista por nossas bandas. Estamos tratando da edificação de um poderoso capitalismo de Estado. Eis, inclusive, o próprio centro da estratégia.

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Para que privatizar? Para que estatizar? O que privatizar? O que estatizar? São questões que não cabem respostas no campo puramente ideológico e mesmo político. É no campo da história e de suas peculiaridades contemporâneas que se deve esmiuçar o problema. Somos um país “capitalista tardio”, onde o Estado foi durante muito tempo o principal agente do processo de acumulação e da formação de uma burguesia industrial capaz de tomar seu espaço na história. Sim, a burguesia tem um papel histórico e deve cumpri-lo. E se possível com o apoio do Estado e não com um Estado que conclua (reacionariamente) sobre “a incapacidade da classe dominante em ir à frente” tendo como ato seguinte a entrega – desta burguesia – aos cães da concorrência internacional; a isso chamamos de “privataria”, discurso “modernizante” sob uma essência estritamente antinacional e de entrega de fatias da reserva de mercado do país a empresas sem encomendas em seu país de origem. Não é disso que trato.

Uma das grandes verdades comprovadas pela história econômica é o do revezamento entre Estado e iniciativa privada na consecução de tarefas econômicas. Num momento o Estado nacionaliza a siderurgia e passa o controle de indústrias ancilares ao capital estrangeiro. Noutro este capital estrangeiro é substituído pelo capital nacional estatal ou mesmo privado. O Estado é o centro ampliador de infraestruturas – e rompendo a lógica das hinterlândias – criando condições para a implantação de uma indústria mecânica pesada. Esta indústria mecânica pesada pode vir a assumir a tarefa de investir em grandes obras sob fluxos de crédito de um já instalado capital financeiro nacional. Trata-se, do momento histórico da fusão entre a “grande indústria” com o “grande banco”.

Concomitante a isto o Estado é impelido a tomar a dianteira no “grande terreno” da institucionalização ou mesmo da estatização do comércio exterior como forma de proteger este setor privado não mais submerso, mas sob intensa imersão. É a dicotomia entre projeto nacional x imperialismo em sua plenitude. É algo que demanda gigantes no comando do processo político. Não é uma brincadeirinha onde simples palavras de agitação e propaganda recitam a realidade por si só.Retornando, este processo de dimensões estratégicas ocorre simultaneamente com a própria afirmação da nacionalidade. Esta afirmação dá-se sob dois espectros: o do desenvolvimento e do direito ao planejamento deste desenvolvimento. A dita afirmação de uma nacionalidade nos albores dos séculos passado e presente ocorre sob o mantra da formação de grandes conglomerados empresariais estatais e privados, com o próprio Estado dirigindo o mercado no sentido de seus interesses de curto, médio e longo prazos. A planificação econômica – neste estágio de desenvolvimento – se reproduz em escalas determinadas pela própria complexidade de todo organismo nacional.

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O leitor deve estar perguntando o que as elucubrações acima tem relação com a dita privatização dos aeroportos e do próprio esquema de Parcerias Público-Privadas (PPP´s) levadas a cabo pelo PAC? Primeiro, conforme já exposto acima, que é a necessidade de um debate aprofundado sobre o papel do capital privado em um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Tergiversa-se muita a respeito, pois ainda convivemos tanto com a herança da privataria neoliberal, quanto com preconceitos arraigados em nossa alma militante. O anúncio destas concessões na esfera aeroportuária antes de significar uma deixa para demonizarmos certas iniciativas, deveria servir para uma discussão de fundo sobre o próprio país.

A abertura de uma nova fronteira de desenvolvimento nacional depende de qual papel esta iniciativa privada deverá ter por aqui adiante. O limite histórico entre o papel do Estado e do capital privado no processo de desenvolvimento está na capacidade de endividamento de um dos setores. Temos um Estado cujo orçamento tem 30% de seu montante empenhorado para “honrar” a dívida interna. Esse dado encerra outra ilusão: a ilusão orçamentária. Em lugar nenhum deste mundo o investimento produtivo está por conta do orçamento nacional. O orçamento nacional deve bancar as despesas correntes do Estado com sua própria manutenção, além de áreas como a segurança pública, saúde, educação e outras áreas afins.

É nesse sentido que a uma discussão séria sobre as concessões de serviços públicos e, consequentemente, a tomada pelo capital privado do bonde da história econômica nacional deve – também – considerar qual o papel do sistema financeiro nacional neste processo. A estratégia de transição pela via do capitalismo de Estado assenta-se em alguns pilares:

1) o capital estatal em setores de relevância como o petróleo, além da ação estatal sobre os instrumentos cruciais do processo de acumulação (câmbio, juros, crédito e sistema financeiro);
2) o capital privado nacional, com grande papel e preencher nos investimentos em novas infra-estruturas;
3) o comércio externo planificado e institucionalizado via ação estatal sobre a taxa de câmbio e
4) um sistema financeiro nacional pronto e capaz de carrear recursos ao investimentos em infra-estruturas.

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No fundo, a discussão acaba que voltando a algumas arengas. Entre elas, a da necessidade de um Estado Nacional forte e capaz de direcionar o próprio mercado e abrir possibilidades de acumulação privada. O próprio Estado forte seria a própria base para concessões que atendam plenamente o interesse da sociedade, inclusive com regulação estatal sobre a própria contabilidade da obra e garantindo preços finais justos aos usuários.

Mas nada disso tem grande sentido sem o próprio redirecionamento da política monetária. Sem política monetária justa, as encomendas de equipamentos serão feitas no exterior, continuaremos sob a tutela de uma lei de licitações que sempre dará preferência ao importado mais barato e os efeitos multiplicadores se farão sentir na China e na Coreia, enquanto o produtor nacional deverá continuar sofrendo com a uma demanda interna entregue ao capital externo.

Assim sendo, as concessões podem se transformar em mais uma fronteira de acumulação fora do alcance do grande capital nacional. No máximo continuaremos a gerar empregos de no máximo dois salários mínimos. O futuro do país continuará periclitante, independentemente do que propõe o pensamento oficial, social-monetarista.

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Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois