A história de Osama

Osama é um entre tantos casos que conhecemos de uma pessoa que nasce em berço esplêndido, milionário até, mas que em dado momento rompe com sua família e toma rumo completamente distinto do esperado por todos na família. Sua origem é saudita, como seu pai e avô. São milionários que mexem com construção civil e petróleo e possuíram, ao longo da história fortes ligações inclusive com George Bush (pai e filho). Ganharam muito dinheiro.

Quando a antiga URSS ocupou o Afeganistão em 1979 – segundo eles diziam “à pedidos do governo socialista desse país” (sic) – Osama sentiu “bater no peito heroica pancada” e, como anticomunista ferrenho pela formação islâmica fundamentalista que teve na Arábia Saudita e acabou indo engajar-se na luta dos mujahedins afegãos na resistência aos ocupantes soviéticos.

Nesse período, 1980, Reagan havia vencido as eleições americanas nos Estados Unidos, impedindo que o democrata Jimmy Carter se reelegesse. A história começa a mudar nesse período, pois já desde o ano anterior Margareth Thatcher também vencera na Inglaterra e iniciava-se a era de ouro, por assim dizer, do neoliberalismo vigente até os dias atuais.

Os EUA, no afã de seguirem controlando o mundo, decidiram apoiar toda e qualquer resistência para barrar o avanço das forças mais progressistas e de caráter antiimperialista. Para isso tomaram duas medidas e fizeram dois acordos, com os quais amargaram muitos anos depois.

O primeiro deles, foi com Saddam Hussein no Iraque. Convenceram-no a guerrear contra a jovem República Islâmica do Irã em 1980, já sob o comando do Aiatolá Khomeini. Saddam foi armado e financiado com bilhões de dólares em dinheiro e armamentos e atacou sem piedade o seu vizinho o Irã por oito longos anos. Uma guerra sangrenta e suja da qual foram vítimas, por baixo, em torno de um milhão de pessoas. Houve até um escândalo famoso na época, chamado Irã – Contra, onde parte do dinheiro que o Congresso estadunidense aprovou para a guerra contra o Irã foi desviado para financiar os contra-revolucionários na Nicarágua, que em 1979 também havia feita a sua revolução com os sandinistas.

Um segundo acordo estratégico feito pelo governo reacionário e direitista de Ronald Reagan, foi exatamente com Osama Bin Laden em 1980. Os EUA passariam a financiar a guerrilha de resistência anti-soviética, sendo um dos seus líderes exatamente Osama Bin Laden. Estes foram fortemente armados e guerrearam e deram feroz combate aos soviéticos até 1989, ou seja, por dez longos anos a guerrilha dos mujahedins combateu os “comunistas” da URSS. E venceram, pois a URSS acabaria em 1991. Essa foi a época de ouro de Osama. Era amigo da CIA, do Departamento de Estado e tinha contatos no Pentágono. Osama e sua “turma” eram bem tratados em Washington e na imprensa estadunidense eles eram chamados de “guerreiros da liberdade”, pois combatiam os comunistas que pregavam “um mundo sem liberdade”, ateu etc. e tantas outras bobagens que ainda hoje falam.

Dizendo de outra forma, Osama fez alianças perigosas, arriscadas. Mas elegeu um inimigo maior e deixou em segundo plano um inimigo secundário, por assim dizer. Derrotado a URSS, o projeto desse saudita foi de ocupar o poder no Afeganistão com seus aliados do Talibã, todos muçulmanos fundamentalistas. E isso vai acabar dando certo. Os fundamentalistas tomam o poder, Osama é guindado à alçada de quadro mentor de um movimento antiamericano. E vai acabar virando o inimigo público nº 1 dos Estados Unidos a partir dos tristes episódios dos ataques às torres gêmeas em 2001 há dez anos.

Os últimos acontecimentos

De fato, o mundo ficou surpreso com a notícia, dada de forma pessoal, na primeira pessoa do singular, pelo presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, de que suas tropas – as mais bem treinadas do mundo, os SEALs – haviam penetrado em território paquistanês – sem pedir autorização para o governo desse país – com quatro helicópteros de guerra, invadiram a casa onde estaria Osama e assassinaram-no com várias outras pessoas que lá estavam, jogando em seguida o seu corpo no mar.

Diversas foram e estão sendo as repercussões e sobre isso queremos comentar algumas coisas importantes.

1. A principal conclusão a que vamos chegando com esses episódios, são algumas que vimos expressando há tempos, pelo menos entre os marxistas de um modo geral. O imperialismo na sua fase decadente, declinante, acaba por virar sempre muito mais agressivo do que é por natureza. E isso vem sendo demonstrado ao mundo com a atitude que Obama autorizou que fosse tomada. E as informações que foram obtidas para se chegar à suposta casa da família Bin Laden foram feitas à base da tortura, espancamentos, afogamentos. Obama havia prometido, na sua posse, não utilizar esse método, dizendo – em frase que se mostrou oca completamente – “os Estados Unidos não torturam”. Uma mentira. E, inclusive, em uma das suas entrevistas, anunciou que essa prática veio para ficar. Ou seja, o mundo entra em uma fase em que uma potência, sem aprovação alguma da ONU, invade um país e comete um assassinato a sangue frio. Um assassinato seletivo. Como disse um jurista, um assassinato “extrajudicial”. E isso é assustador. Talvez seja o mundo de e pós-Obama.

Casos parecidos como esse, os prisioneiros famosos tiveram direito a serem presos com “dignidade”, tiveram direito a julgamentos e direito à defesa, para só então, serem executados. O caso mais famoso foi o do Tribunal de Nuremberg para os nazistas, o caso de Adolfo Eichmann seqüestrado por Israel e julgado em Tel Avive em 1962, com direito à defesa, mas executado e Saddam Hussein, em dezembro de 2003, quando foi preso. Agora as coisas ocorrem de forma sumária. Prisões e execuções imediatas, sem julgamento, sem defesa. Uma mesma pessoa acusa, efetua a prisão e elimina o alvo, o inimigo.

A maior potência militar e econômica do planeta diz ao mundo que agora será assim: vão invadir onde quiserem, sem autorização e assassinar quem quiserem. E, no caso de Bin Laden, a ordem foi clara: é para matar, não era para capturar vivo. Tudo isso sob a gestão do primeiro negro presidente dos Estados Unidos, considerado da ala “esquerda” do Partido Democrata. E houve quem, equivocadamente, o comparasse com Luis Inácio Lula da Silva.

2. A ocupação militar do Afeganistão, que vai chegar a outubro as dez anos, que custou até agora 1,3 trilhões de dólares e matou mais de cem mil pessoas, o seu teatro de guerra desloca-se agora para o Paquistão. Essa é uma grande novidade. O que até agora eram apenas ataques por mísseis contra esse país – foram registrados 192 ataques, já mataram 1.890 vidas paquistanesas – torna-se agora uma invasão concreta. E todos os mortos eram “suspeitos” de serem terroristas.

3. Quase dez anos depois de invadir o Afeganistão, onde a inteligência estadunidense já sabia que Osama, um homem doente e que faz hemodiálise todos os dias, nunca estaria, até outro dia essa mentira ainda era propagada nos jornais. Difundiu-se um mito de que ele se “escondia nas cavernas”, como se isso fosse possível. Se as evidências se confirmarem, ele foi pego em Abbottabad, distante apenas 65 quilômetros de Islamabad, capital do país e próximo a uma base militar paquistanesa. Obama precisa, desesperadamente, de um trofeu eleitoral. Osama servirá à Obama como se fosse um trofeu de guerra. Uma guerra imperialista, que foi apoiada e saudade no dia de sua morte, por Merkel na Alemanha, Sarkozy, na França e Cameron na Inglaterra. Isso sem falar em Netanyahu, em Israel.

4. Como já disse em diversos artigos publicados, Osama já estava completamente no ostracismo. A sua rede de terror se espalha por quatro dos cinco continentes. Funciona hoje como se fosse uma holding ou franchising mas sem uma unidade política e orgânica. Funciona de forma muito descentralizada. O mais importante e verdadeiro, é que Osama e os seus seguidores, já quase não assustavam mais. Caminhavam aceleradamente para o ostracismo político. No caso específico do país mais aliado dos EUA no OM árabe – a Arábia Saudita – Bin Laden e seu grupo eram insignificantes, jamais representou qualquer ameaça a esse país e aos monarcas da Casa de Saud.

As tais células do terror, supostamente instalada em alguns países no OM e Norte da África, estão fracas demais, sem seguidores. A Al Qaeda não têm uma unidade orgânica, de pensamento. Na prática já estava sendo comandada há tempos por um suposto número 2 da organização, o médico oftalmologista egípcio Ayman Al Zawahiri. Como se diz popularmente, Osama já “não fedia nem cheirava mais”. É provável que uma nova geração de comandantes assuma a organização. Fala-se, entre outros, de Sirajuddin Haqqani, Qari Ziaur Rahman, Nazir Ahmad e Ilyas Kashmiri.

5. Há uma clara falência das propostas e da ideologia desse grupo fundamentalista. Podemos dizer que a chamada Primavera Árabe colocou no ostracismo essa organização. Por dois aspectos, fundamentalmente. O primeiro, é que essa é uma organização que prega a violência contra um inimigo difuso e que pode ser aplicada em qualquer parte do mundo. Tal inimigo são os Estados Unidos, que eles chegam a chamar de “Grande Satã”. Dito de outra forma, explodir uma embaixada americana no Quênia, por exemplo, faz parte da estratégia desse agrupamento, ainda que isso não tenha eficácia alguma do ponto de vista de uma luta revolucionária de libertação da humanidade. Isso não cola, não emplaca em nenhum grupo revolucionário que luta pela libertação de qualquer país no OM ou na África.

Um segundo aspecto, é a proposta – equivocada – da instauração de um novo “califado”, de estados islâmicos e fundamentalismo como se tentou implantar no Afeganistão pelos Talibãs (que, em afegão quer dizer estudantes de teologia). Essa proposta vem sendo amplamente derrotada em todas as revoluções que vêm ocorrendo nos países árabes, desde a Tunísia até o Egito e outros que ainda encontram-se em curso. Osama não representa e nunca representou os verdadeiros anseios e as mai legítimas aspirações do povo árabe. E o Islã não é a resposta para o processo de democratização de todo o Oriente Médio.

Osama na verdade funciona neste momento como um símbolo, uma espécie de trofeu de caça que vai ser amplamente ostentado pelo presidente Obama para auxiliar na sua reeleição. Dados preliminares já divulgados por alguns institutos de pesquisa, já indicam que a popularidade do presidente cresceu pelo menos 9% e já bate todos os seus possíveis adversários do Partido Republicano nas eleições de 2012, novembro.

6. É preciso registrar que Osama nunca se constituiu como um pólo de luta revolucionária, antiimperialista. E muito menos antiamericano e anticapitalista. O objetivo imediato é impor o medo e o pavor e unificar o discurso direitista de seguir “combatendo o terrorismo”. A própria Hilary já vociferou que o combate ao terrorismo não vai se encerrar.

A convicção que temos neste momento é que o mundo não se tornará mais seguro com a sua eventual morte, com seu assassinato. A era que os EUA querem que o mundo ingresse é o da guerra e não o da paz. De recrudescimento dos conflitos armados. De restrições às liberdades. De invasões e ocupações de países sem consenso internacional ou da própria ONU.

7. Observamos que essa operação ocorre num momento de mudanças profundas no sistema de inteligência e do complexo militar estadunidense. O general David Petraeus, ex-comandante no Iraque e atual comandante no Afeganistão, vai comandar a CIA, Central de Inteligência principal nos Estados Unidos. Analistas estão chamando de militarização da inteligência norte-americana. Isso fará com que cresçam as chamadas “operações encobertas”, ultra-secretas que ninguém fica sabendo. Soldados, treinados para a guerra, cumprirão missões de assassinatos seletivos. Virarão assassinos à serviço do sistema capitalista e de dominação do império americano e dos interesses das transnacionais daquele país. Até quando isso vai durar, não sabemos ainda. Mas os povos e muitos governos, já vêm observando esse comportamento anômalo que vem sendo praticado pelos Estados Unidos.

A primavera Árabe e dos povos em geral parece agora mais distante com esses acontecimentos que chocam os patriotas e democratas. Um dia qualquer o presidente norte-americano poderá autorizar que esquadrões de assassinos altamente treinados como esses que invadiram o Paquistão, cumpram missões de assassinar presidentes de países que não comunguem coma as visões de mundo dos Estados Unidos. É horripilante só de pensarmos nessa hipótese, mas, uma das mensagens que Obama manda ao mundo é para aqueles que são covardes e se intimidam com essa truculência. Mas, estão enganados. Os povos resistirão a mais essa investida.

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* Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e Diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois – FMG. Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail: [email protected]