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    Comunicação

    Canção para Cordolina

    Canção para Cordolina       Regresso a tua residência, velha dama de rubras idéias.       Em mim, por meus cabelos, tuas mãos longevas dirigindo súplicas e orações à teus santos protetores.       Cruzo as portas e meus sentimentos estão pacientes       Na cristaleira há dragões de porcelana chinesa, chícaras sonolentas, pratos de um tempo distante e […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    Canção para Cordolina

          Regresso a tua residência, velha dama
    de rubras idéias.
          Em mim, por meus cabelos,
    tuas mãos longevas dirigindo súplicas
    e orações à teus santos
    protetores.
          Cruzo as portas
    e meus sentimentos estão pacientes
          Na cristaleira há dragões de porcelana
    chinesa,
    chícaras sonolentas, pratos de um tempo
    distante
    e a santa de dois séculos
    de tua mãe.
          Examino com atenção as paredes declinantes:
    há quadros coléricos como flâmulas emolduradas
    de um camponês abatido
    na qual recompusestes o sangue de teu filho
    no altar da mais profunda
    indignação.
          Examino com atenção as paredes declinantes:
    e lá estão digitais revoltosas
    e um estudo sobre Gauguin que realizastes.
          No silêncio que vence a estupidez
    vais falando ao meu coração
    e dizes-me que é preciso virar a página
    da história.
          Um lampejo de teus olhos faz saltar um grito
    e tudo revolve-se nas reminiscências das mesas,
    nos almoços onde reunias as gerações que paristes
    em teu ventre generoso: sinto que há peixes esquecidos
    no aroma dos escabeches.
          Apreendo de tua infância um pai fardado,
    capitão em Canudos.
          Apreendo nos teus baús esquecidos as crônicas
    de décadas passadas
    da qual ninguém mais se lembra porque em tua mocidade
    as mulheres estavam proibidas de ter cultura e intelecto.
          Apreendo de tua juventude
    teu longo amor marítimo e operário.
          Numerosa fostes inaugurando a vida
    com filhos e engravidada eras apenas saudades
    porque as bravias marés arrebentavam
    os olhos de teu marido embarcado,
    distante, afastado de teus negros cabelos
    onde tesouros telúricos reluziam
    alumiados como estrelas harmônicas e virtuosas.
          Regresso a tua residência, velha dama
    de rubras idéias.
          Lá estão alguns de meus primeiros livros.
          Lá estão alguns de meus primeiros poemas.
    Cruzo portas
    e fatidícos amores descansam
    insepultos.
          Revejo teus ríspidos olhos contra os bestiais,
    os tiranetes e latifundiários que alvejaram
    teu mais querido rebento: o mais mulato de todos,
    revoltoso comunista.
          Tua voz infunde no peito rosas vermelhas
    da qual tanto amavas e que te acompanham
    na memória da luta popular.
          Tua voz infunde no peito rosas vermelhas
    para que nuncas deixes de existir
    no coração das manhãs multitudinárias.

    Paulo Fonteles

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