O ritmo vertiginoso imposto aos projetos de desenvolvimento da Amazônia acabou criando um paradoxo na área de Arqueologia. Nunca houve tantos arqueólogos trabalhando, já que a legislação exige que estudos prévios sejam realizados nas áreas destinadas a grandes obras. No entanto, segundo o arqueólogo e pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, Eduardo Góes Neves, os prazos são curtos demais e impedem um trabalho mais minucioso, de maior qualidade.

A Amazônia legal é, atualmente, palco de grandes investimentos públicos e privados em infra-estrutura. Usinas hidroelétricas, construção de gasodutos e o asfaltamento de rodovias que atravessam a floresta para conectar núcleos urbanos, são alguns dos exemplos. De acordo com Eduardo, apesar de serem importantes, esses projetos causam um grande impacto no patrimônio arqueológico.

“No caso específico do Rio Madeira, diversos grupos humanos ocuparam suas margens ao longo de milhares de anos. Essas áreas estão comprometidas porque serão alagadas com as barragens das usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, em um prazo estipulado de três anos”, conta o pesquisador. Isso obriga os arqueólogos a trabalharem contra o tempo para tentar coletar o máximo de informações antes que o patrimônio fique submerso. “Não é por incompetência dos arqueólogos, mas é humanamente impossível produzir conhecimento de qualidade em uma escala de tempo tão curta”, disse Eduardo.

Em 1995, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) concedeu sete licenças de pesquisa arqueológica em todo o país. No ano passado, foram quase mil. Eduardo se questiona sobre as condições em que esses projetos estão sendo fiscalizados.

Os maiores empregadores, atualmente, são a Petrobrás e a Vale, que não possuem arqueólogos em seu corpo técnico. Para cumprir com a legislação, contratam temporariamente profissionais de instituições de pesquisa, como a USP e o Museu Emilio Goeldi (PA), ou de empresas prestadoras de serviço.

Povos da Amazônia
A região é ocupada há mais de 12.000 anos por grupos humanos muito diversos. Com isso, existem milhares de sítios arqueológicos espalhados por toda a Amazônia, que indicam a existência de povoamentos permanentes, densos, hierarquizados e estáveis que transformaram os ecossistemas de forma sofisticada.

No livro “Quando o Amazonas corria para o Pacífico”, o ecólogo Evaristo Eduardo de Miranda afirma que resta pouca natureza intocada e não alterada pelos humanos na Amazônia. Entretanto, seja qual tenha sido o impacto sobre a flora e fauna do sistema de exploração praticado pelos indígenas, ele não implicava comprometimento da dinâmica hídrica, nem da qualidade das águas, nem o desaparecimento da floresta.

“Sabemos dos problemas que enfrentamos atualmente com o uso e ocupação do território amazônico. Talvez as populações que viveram no passado, na região, possam responder alguns dos nossos questionamentos. Mas o que fazer com tamanha riqueza arqueológica é o maior desafio”, diz Eduardo.

O critério utilizado pelos arqueólogos para trabalhar em uma área, se baseia em hipóteses levantadas anteriormente por outros pesquisadores. Por exemplo, desde a década de 70 foi proposto que a região próxima à Manaus, onde se localiza a confluência de três dos maiores rios amazônicos – Negro, Solimões e Madeira – devia ser uma área de presença humana muito antiga. “A hipótese de que a ocupação das áreas ribeirinhas teria levado à expansão demográfica de outras áreas da Amazônia me levou a estudar a região”, conta Eduardo.

O arqueólogo cita outro exemplo: a região de Rondônia. “Possivelmente foi onde, há 7.000 anos, ocorreu a domesticação da mandioca, planta econômica e simbolicamente muito importante”, relata o arqueólogo. A hipótese surgiu com a descoberta de uma espécie de planta selvagem muito parecida com a mandioca.

No entanto, muitas áreas da Amazônia nunca foram pesquisadas. “A parte do rio Juruá que desemboca no rio Amazonas, por exemplo, é desconhecida. Dessa forma, não temos condições sequer para formular hipóteses sobre a arqueologia do lugar e dar início às pesquisas”.

Interessante é lembrar que, apesar das limitações que sofreu ao longo das décadas com a falta de profissionais e investimento, a arqueologia genuinamente brasileira nasceu na Amazônia, por volta de 1870.

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(*) A reportagem foi elaborada com base em uma conferência de imprensa do projeto Repórter do Futuro – Módulo Amazônia, organizado pela Oboré (Projetos Especiais em Comunicações e Artes). São Paulo, maio de 2011.

Fonte: Carta Maior