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    Aniversário

    Aniversário  No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto.Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No tempo em que festejavam os meus anos, Eu tinha a […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    Aniversário  No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
    Eu era feliz e ninguém estava morto.Na casa antiga,
    até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
    E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

    No tempo em que festejavam os meus anos,
    Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
    De ser inteligente para entre a família,
    E de não ter esperanças que os outros tinham por mim.
    Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
    Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

    Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
    O que fui de coração e parentesco.
    O que fui de serões de meia província,
    O que fui de amarem-me e eu ser menino,
    O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
    A que distância!…
    (Nem acho…)
    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

    O que sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
    Pondo grelado nas paredes…
    O que sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através
    das minhas lágrimas),

    O que sou hoje é terem vendido a casa,
    É terem morrido todos,
    É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
    Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
    Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
    Por uma viagem metafísica e carnal,
    Com uma dualidade de eu para mim…
    Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga
    nos dentes!

    Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que
    há aqui:..
    A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na
    loiça, com mais copos,
    O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra
    debaixo do alçado -,
    As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
    No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
    Pára, meu coração!
    Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
    Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
    Hoje já não faço anos.
    Duro.
    Somam-se me dias.
    Serei velho quando o for.
    Mais nada.
    Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…

    O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…
    15-10-1929

    Mestre da Literatura Contemporânea
    Fernando Pessoa
    O eu profundo e os outros eus
    Record/Altaya – Rio de Janeiro

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