(A ideia aqui não é elaborar um tratado sobre a relação entre o desmatamento florestal e a renda da terra. Minha sugestão vai ao encontro da necessidade de se buscar a essência de determinados fenômenos. Espero que o debate aflore)

Acredito que uma análise de fundo do problema deve partir, em primeiro lugar, da própria reformulação da própria problemática agrária. Algo que, aliás, ocorre de tempos em tempos. Esta questão que suscita polêmicas muitas vezes desprovidas de um real sentido histórico deve ser vista à luz de seqüentes “redescobertas” que o país passou ao longo dos últimos dois séculos. Desde Cabral passando pela epopéia bandeirante e desaguando no surgimento de uma indústria mecânica (capaz de suprir trator e demais equipamentos congêneres) – de sua similar nas cadeias produtivas da indústria química – o que ocorreu neste país foi uma verdadeira revolução que nos pôs na vanguarda da agricultura internacional.

E não foi qualquer revolução. Antes fora de propósito, terras da caatinga, o cerrado, o pampa e a hiléia passaram a ser um compendio de possibilidades reais de expansão do fator terra, colocando por água abaixo a máxima, neomalthusiana, de uma poupança via agricultura comprometida por conta da elasticidade da produção. A industrialização do país possibilitou tanto a expansão da agricultura quanto a elevação da produtividade do trabalho. Se num momento a reprodução humana dependia do amansamento da natureza, noutro este “amansamento” tornou-se algo desnecessário diante do relevo que a plena utilização da técnica abriu.

Evidente que numa situação de outrora escassez de terras, tanto o latifúndio quanto o pequeno produtor eram síntese de uma contradição primária. Daí a bandeira da 3ª Internacional da revolução socialista “antiimperialista e antifeudal”. Porém, a industrialização e as já citadas novas possibilidades de expansão da fronteira agrícola permitiram – nas palavras de Ignacio Rangel – o surgimento de um agricultor de novo tipo, capitalista e para quem o próprio latifúndio se tornava um empecilho para sua reprodução como classe. Como a história escreve certo por linhas tortas, é interessante notar que se a palavra de ordem de “revolução antiimperialista” continua atual, o mesmo não ocorre com a “revolução antifeudal”.

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O quadro exposto acima é algo que pode ser transposto ao processo de transição feudalismo – capitalismo no Brasil, notadamente a transição de um período em que o fundamento nodal de poder da classe dominante deixara de ser a posse da terra para outro em que este mesmo poder estava a cargo de quem – de fato – obtivesse o monopólio do capital. Não precisamos nos esforçar para percebermos que esta transição marcou – também – a transformação da terra tanto em mercadoria, quanto em ativo financeiro.

A chamada etiologia do preço da terra não obedece às leis conformadoras de preço intrínsecas à lógica do “trabalho socialmente necessário”. Seu preço – conforme Friedrich Engels – é determinado em analogia com o próprio capital sob forma de “capitalização da renda territorial”. Esta “renda territorial da terra” é analisada sob três rendas: Renda Diferencial 1, Renda Diferencial 2 e Renda Absoluta. Mas, no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas no Brasil pode se dizer que uma chamada 4° Renda (descoberta por Ignacio Rangel) surgida no âmbito da própria financeirização da economia nacional atua sob condições que o analista mais dogmático tende a ignorar e nada mais é do que um novo campo de acumulação de capital. Especulativo, evidente.

Indo no concreto, concomitante com a expansão da fronteira agrícola o “normal” seria um movimento contrário do preço da terra. Isso não ocorre, ao contrário. Entre 2006 e 2010 a terra na fronteira agrícola da Amazônia teve um assustador aumento de 683%. Coincidentemente, tratam-se de terras – no máximo – ocupada por pecuária extensiva. Não se produz alimento. Eram florestas em sua totalidade e sua devastação está em plena concordância com a ação da dirá 4ª Renda da Terra. Em mais este caso, se tomarmos o conjunto do problema (derrubada de árvores, valorização do preço da terra, especulação que enceta lucros maiores que os obtidos à produção de grãos etc) nos depararemos com mais uma demonstração da desarmonia entre superestrutura x base econômica (as multas exorbitantes aplicadas ao país também demonstra a não exeqüibilidade de um capitalismo que não tem como meio de realização na produção e sim na especulação): os possíveis lucros que deveriam ser buscados na produção industrial, estão sendo encontrados tanto pela via de compra de títulos da dívida pública, quanto da especulação fundiária.

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Retornando, de nada adiantará aplicação de multas, legislação sobre mais APP`s, Reservas Legais e outras bobagens impostas de fora para dentro. O capital continuará a buscar realização onde melhor lhe convier. Se não for pela indústria, continuará sendo pela especulação cambial ou fundiária, operações de carry trade e derivativos. E a história demonstra que a elaboração de leis, sem que exista base econômica para sua realização, não passa de letras mortas diante da realidade nua e crua.

A “salvação” da Amazônia e do que resta de nossas florestas só será possível nos marcos de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND) que possibilite a plena realização do capital nos albores do aprofundamento da industrialização e utilização de toda capacidade financeira nacional para fins puramente produtivos. Dar conseqüência a este NPND demanda enfrentar o desafio de construção de uma reunião de forças políticas interessadas no desenvolvimento e capaz de enxergar a realidade como ela se apresenta e não como o sistema financeiro, as ONG`s ambientalistas, Marina Silva e outros insistem em nos apresentar.

A combinação entre juros altos, câmbio tipo “pacto colonial” e uma excessiva carga tributária transformará a floresta amazônica em cinzas. O futuro vai dizer se estou certo, ou não.

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Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois