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    Comunicação

    Eu e a Brisa da Mangabeira

    Eu e a Brisa da Mangabeira Na fria geografia deste lugar à beira da baía do Marajó a tímida memória de minha avó tapuia evém da velha aldeia das Mangabeiras, Lugar de Ponta de Pedras e freguesia de nossa senhora da Conceição de Ponta de Pedras. ondas tontas estrondam com um rumor de séculos de […]

    POR: Redação

    5 min de leitura

    Eu e a Brisa da Mangabeira

    Na fria geografia deste lugar à beira da baía do Marajó
    a tímida memória de minha avó tapuia evém da velha aldeia
    das Mangabeiras, Lugar de Ponta de Pedras
    e freguesia de nossa senhora da Conceição de Ponta de Pedras.

    ondas tontas estrondam com um rumor de séculos
    de encontro às pedras de ponta contra o vento
    na reponta da maré
    eu boto fé na ilha filha da Cobragrande:
    onde refaço a história do paraíso perdido
    aproveitando cacos de índio
    e fragmentos de mito que vem dar à praia.

    a imaginação desmaia ao passar dos dias e noites do fim do mundo
    ilhamento do pensamento condenado ao ostracismo
    no delta estuário da maior bacia fluvial do planeta
    nosso Mar Doce sem tombamento outro que o tombo do Dilúvio
    reserva da biosfera não-declarada por nada deste mundo
    patrimônio natural do Brasil olvidado pelos poderes da República
    tesouro encoberto no fundo do rio das Amazonas.

    nesta estúrdia paisagem à margem da História sou eu
    o mais estranho dos estrangeiros para rebanhos de búfalos, cardumes encantados
    e nuvens de garças e guarás desmemoriados:
    apesar da colunata natural de altos miritizeiros ao adeus da hora
    me dizer, assim – pobre de mim! – "tenha paciência,
    tenha paciência"…

    e se isto tudo não bastasse
    temos aí a grande ilha do Marajó, país da Boiúna
    monumenta do barro dos começos da civilização amazônica
    1500 anos paridos dos 10 mil do paleo ameríndio
    me contemplam no úmido vento do equinócio.

    quem será meu sócio neste negócio da invenção do amanhã?
    mercado futuro do raro lugar de memória do Novo Mundo
    onde águas barrentas do grande Nilo amazônico
    misturam-se às águas salgadas da Amazônia azul.

    por necessidade e acaso aqui a Biodiversidade
    inventou a Diversidade Cultural do “rio Babel”.

    os tesos da ilha do Marajó são arquitetura do barro
    dos começos do mundo sem fundo
    primeiros engenheiros da amazonidade
    cerca dos anos 400 e 500 depois de Jesus Cristo.

    pouco importa a sorte dos herdeiros sem eira nem beira
    a aldeia Mangabeira sumiu do mapa no Diretório dos Índios
    há 70 anos o nobre IPHAN venceu a queda de braço
    contra o provecto arroubo do Museu Nacional:
    e a pedra colonial sepultou o barro pré-colombiano
    com uma mísera pá de cal sobre a memória das "tribos" extintas…

    nas asas da brisa como explicar uma coisa destas?
    se nem mesmo o “imperador da língua portuguesa”
    (Padre Antônio Vieira segundo Pessoa)
    conseguiu retratar estas paragens mais do que uma pálida imagem
    das ilhas de terras roubadas pelas águas grandes
    na “História do Futuro” e carta à regente viúva de Dom João IV
    ao dar conta da missão de pacificação dos feros Nheengaíbas, diz-que.

    não é sempre que um caboco como este que vos fala, neto de índia de aldeia extinta vem à praia da Mangabeira dialogar
    com a brisa da baía escura a meditar sobre a exclusão humana
    e a resistência da brava gente marajoara.

    até meu velho pai fatigava-se de minha louca busca
    das origens do vasto mundo
    e invenção do rio das Amazonas.

    mas, pouco interessa aos donos da História as cismas de um caboco malmente alfabetizado além da cartilha oficial
    letrado no sítio do Ara Veja! por conta própria:
    tanto faz a canoa bater no pau ou como na pedra
    o naufrágio é o mesmo…

    o velho sol que arrastou conquistadores Tupinambás
    das costas do Maranhão ao Salgado Paraense
    vai sentando em riba da ilha grande no rumo do Araquiçaua.

    quem ainda sabe que o porto do Sol é portal da Terra sem Mal?

    um pouco mais e o astro vai atar a rede e dormir
    na espera da manhã.

    o mundo se esqueceu da saga do guerreiro da Terra sem males, ninguém fala do mistério da Primeira Noite do Mundo
    e da extraordinária resistência oposta pelos antigos habitantes das ilhas do Pará e Amazonas à invasão da terra Tapuia.

    Acorda, oh pátria amada Brasil! País do Cruzeiro do Sul
    (nosso Arapari, fronteiras da estrela mãe dos viventes, Guaracy).

      José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da gente marajoara".

    autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica" e "Amazônia latina e a terra sem mal", blog http://gentemarajoara.blogspot.com

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