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    Comunicação

    A Entrevista

    A ENTREVISTA – O senhor pode me dizer o seu nome pausadamente, para que eu possa avaliar o timbre de sua voz? – Alberto. Ele respondeu olhando ora nos olhos, ora nos lábios dela. Quem sabe fosse ela importante na empresa, pois fora escolhida para fazer as entrevistas dos candidatos à vaga de atendente de […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    A ENTREVISTA

    – O senhor pode me dizer o seu nome pausadamente, para que eu possa avaliar o timbre de sua voz?
    – Alberto.
    Ele respondeu olhando ora nos olhos, ora nos lábios dela. Quem sabe fosse ela importante na empresa, pois fora escolhida para fazer as entrevistas dos candidatos à vaga de atendente de portaria. Algo como uma gerente. Mas uma gerente de pescoço aparente e fios de cabelo castanho claro escapando do coque e escorrendo em volta das orelhas, indo desaguar pouco acima dos ombros. Era dona de olhos também castanhos, mas pouco mais escuros, realçados e expressivos. Uma boca com pouco mais carne no desenhado lábio superior. Falava calmamente, tinha as mãos sobre a mesa e a pelugem do braço eriçada.
    – E já tem experiência em atendimento?
    – Absolutamente.
    – Vejo que fala inglês com fluência.
    Ela afirmou com base na ficha entregue a ela para orientar a entrevista, mas, nesse momento, já não tinha mais os olhos na ficha. Observava os ombros de Alberto: desenhados por natureza, pois nunca em vida frequentou uma academia. O mesmo se poderia dizer do restante do corpo. O perfume amadeirado que usava se realçou naquele instante. O rosto de traços finos era valorizado pelos olhos esverdeados – iluminados pela luz que vinha da janela – e o cabelo estava bem cortado, aparado para a entrevista.
    – Falo inglês desde pequeno, moramos um tempo fora do país.
    – Agradecida. Assim que houver um resultado, faremos contato.
    O rapaz levantou-se, estendeu a mão a ela e a cumprimentou. Seus olhos encontraram-se ainda uma última vez antes de ele chegar à porta e rumar na direção da rua, ouvindo apenas, ao fundo, a voz dela dizer “o próximo”.
    O que fez o resto da tarde foi ler, ao lado do telefone, e esperar. Ali ficou por horas, por livros, por pensamentos, até adormecer. Acordou em alguma hora da madrugada com um barulho de interfone. Ao atender, a voz pediu para subir. À porta, ela entregou-lhe um envelope.
    – Aqui estão seus documentos. Infelizmente a vaga já foi preenchida.
    Ele a beijou e, enquanto os passos orquestrados de ambos os levavam para dentro do apartamento, ele prendeu com seus lábios o dela, o mais carnudo e, novamente – dessa vez sem medo do presente – os olhos se encontraram.

     * Luiz Henrique Dias é dramaturgo. Siga ele lá: @LuizHDias

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