Ilhas do Mundo

O fim do mito do fim da História com a queda do muro de Berlim derruba agora, na segunda década do século 21, a ditadura cibernética pela contradição do uso e abuso da computação nas comunicações humanas. A inteligência artificial que levou ao supercomputador e à nanotecnologia a serviço de grandes corporações financeiras caiu na besteira de abrir um leque de possibilidades ao alcance das massas: com isto, por acaso, como tudo na vida real elevou-se a luta de classes a um patamar de alta imprevisibilidade de resultados, malgrado as pretensões dos senhores e senhoras donos do mundo.

Por exemplo, o moleque de rua que mexe com computador e vira hacker, o caso Wikileaks, a pressão infernal de blogueiros “sujos” sobre a límpida hegemonia da Mídia capitalista; são evidências de uma revolução que está apenas no começo e chama atenção no momento com a desestabilização de velhas ditaduras na África do Norte e Oriente Médio, como também a guinada da Europa para a direita com descrédito da esquerda caviar.

Outra balela foi a estória do “mundo sem fronteiras”… Na verdade, as fronteiras passam a ter novos significados e funções. O planeta China dá o melhor exemplo do novo papel de fronteira. Logo a China, “cortina de bambu”, com sua cidade proibida e fama de isolamento! Agora, vem o império norte-americano reclamar do apetite voraz da indústria “made in China” sobre mercados de matérias-primas na África, América do Sul, Oceania. E o que os países da OTAN oferecem em troca dos negócios da China? Democracia, dizem eles. Mas já se conhece que tipo de “democracia” de exportação do grande irmão, que sempre fala com o “big stick” (porrete) escondido atrás da costa.

Dizer coisas assim é anti-americanismo, dizem em Washington-D.C/USA. Mas, ninguém é mais anti-americano que os norte-americanos ‘wasp” (brancos anglo-saxões protestantes), que cunharam o célebre “índio bom é índio morto”. Quando se sabe que o nome de nosso continente, ao contrário da propaganda colonial dando honras a Amerigo Vespucci; na verdade vem das montanhas da Nicarágua, de Amerika, “o país do vento”, em língua maya. De fato, os povos americanos humilhados pelo imperialismo Wasp podem ser anti-imperialistas, mas não anti-americanos. Também não podem ser contrários a Europa, quando se recordam dos tantos emigrantes europeus expulsos pela intolerância e a pobreza para “fazer” a América. Ou misturar judaísmo e sionismo, quando se sabe o quanto de judeus e cristão-novos estão no cerne da história da independência das Américas.

Por que isto agora? A democracia popular emergente na América do Sul (produto da mestiçagem cultural) não interessa aos “democratas” de primeiro mundo, isto é ao império etnocentrista do Ocidente. Não por acaso a Convenção da Diversidade Cultural, aprovada quase por unanimidade, pela UNESCO teve os votos contrários dos EUA e do Estado de Israel. Mas, os Estados Unidos da América e Israel são monólitos. Longe disso, a federação estadunidense é um bom exemplo de biodiversidade e diversidade cultural. Então, as fronteiras culturais, econômicas e tecnológicas são mais efetivas do que as fronteiras políticas e administrativas.

A Comuna de Paris com sua breve história ainda está a suscitar muitas reflexões sobre a emergência do mundo pós-imperial. Nos próximos vinte ou trinta anos, ilhas-comunas autosuficientes poderão corresponder a algo como um milhão de aldeias integradas por uma grande solidariedade entre os povos, tornando o planeta menos inseguro para a humanidade e a sobrevivência de todos seres vivos. A humanização da ciência e tecnologia abandonará a concepção virtual “global” para focar a realidade local. Assim, a população mundial participará efetivamente da reforma da ONU e dos países centrais do sistema como questão vital de sobrevivência da humanidade e de segurança da paz mundial.

Mas, o sucesso da futura missão da ONU para a paz e sustentabilidade socioambiental do planeta Terra será menos difícil se recuperar a idéia original do velho Voltaire, no “Cândido”, segundo a qual é preciso saber que o mal existe de modo inerente à natureza humana. Com Saramago, não nascemos bons: nós temos a possibilidade de nos tornar bons… E isto menos por vontade individual, mas pelas circunstâncias de vida na relação social com os outros. É dizer, com Marx e Engels, que a luta de classes não é invenção de mentes tenebrosas, mas fato da história material objetiva. Sua superação talvez seja possível tanto quanto desejável, pelo desenvolvimento humano. Todas utopias convergem na esperança mítica de uma Terra sem males para todos: sem IDH decente para toda gente não progresso nenhum que se sustente.

O autor do “Cândido”, revolucionário liberal e anticlerical tremendo do século das Luzes, advertia há dois século “é preciso cultivar nosso jardim”! O Brasil florão da América iluminado pelo sol do novo mundo, precisa que seus cidadãos deixem de ser cândidos compradores de fetiches. A armadilha neoliberal de um crescimento desbragado que vai de encontro à liberdade e ao desenvolvimento humano. A concretude da liberdade é democracia plena na Polis emancipada. Vem aí, em 2012, mais uma rodada de eleições municipais e o debate de reformas políticas urgentes está posto. O mundo inteiro não poderá ser salvo de si mesmo, mas algumas cidades – como se fossem ilhas-jardins dotadas de jardineiros cuidadosos – podem ser parteiras do desenvolvimento e da paz neste mundo

    José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da gente marajoara".

autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica" e "Amazônia latina e a terra sem mal", blog http://gentemarajoara.blogspot.com