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    Comunicação

    Que as armas não falem

    Na noite de 28 de agosto de 1961, em uma pequena sala sem janelas, no porão do Palácio Piratini, em Porto Alegre, o locutor Lauro Hagemann, ajeitando-se na cadeira, lê uma inflamada mensagem aos militares: "Atenção, ouvintes do Rio Grande do Sul e do Brasil. Neste momento, as emissoras que compõem a Rede Nacional da […]

    POR: Redação

    6 min de leitura

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    Na noite de 28 de agosto de 1961, em uma pequena sala sem janelas, no porão do Palácio Piratini, em Porto Alegre, o locutor Lauro Hagemann, ajeitando-se na cadeira, lê uma inflamada mensagem aos militares: "Atenção, ouvintes do Rio Grande do Sul e do Brasil. Neste momento, as emissoras que compõem a Rede Nacional da Legalidade passam a apresentar uma programação de homenagem especial às Forças Armadas do Brasil (…)". O locutor elogia o III Exército, uma das maiores guarnições do país na época, e seu comandante, o general Machado Lopes. Lopes aderira ao movimento pela legalidade, lançado sob liderança do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, para exigir a posse do vice-presidente João Goulart depois da renúncia de Jânio Quadros.

    O episódio está narrado em "1961 – Que as Armas Não Falem", dos jornalistas Paulo Markun e Duda Hamilton. O livro descreve os episódios que envolveram a renúncia de Jânio e a resistência de Brizola. Para a professora Maria José Barreiras, do curso de história da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a decisão de Brizola de requisitar a rádio Guaíba para transmitir as mensagens e ganhar apoios teve um peso "grandioso" para o movimento. "A defesa das instituições democráticas, invariavelmente frágeis na história do país, foi a principal contribuição do movimento."

    Tânia Almeida, diretora de relações públicas da Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do governo gaúcho, diz que a pequena sala de onde partiam as transmissões de Brizola em 1961 será transformada no Memorial da Rádio da Legalidade. O projeto faz parte de uma série de comemorações que o governo do Rio Grande do Sul está preparando para relembrar a data. Entre 25 de agosto, data da renúncia de Jânio, e 7 de setembro, quando Goulart tomou posse como presidente de um governo parlamentarista, do qual Tancredo Neves era primeiro-ministro, haverá uma série de eventos. Um site sobre o movimento pela legalidade ficará hospedado no portal do governo do Rio Grande do Sul.

    Nas escolas estaduais de ensino médio, a Secretaria de Educação vai promover um concurso e os melhores trabalhos serão editados em livro a ser lançado na Feira do Livro de Porto Alegre. Também será produzido o Musical da Legalidade – espetáculo de cor e som, com duas apresentações na capital gaúcha. Um ônibus, dotado de equipamento multimídia, vai rodar o interior do Estado exibindo filmes documentais sobre o tema.

    Na primeira semana de setembro, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) deve fazer seu congresso nacional em Porto Alegre, tendo como tema os 50 anos do movimento pela legalidade, com exposição de fotos e documentos da época. O deputado Brizola Neto (PDT-RJ) tem conversado com o irmão, Leonel Brizola Neto, que é vereador no Rio, para organizar a semana da Legalidade na Cinelândia, com exposições de fotos e a exibição de um documentário. O deputado também vem tratando da montagem de uma exposição no espaço que liga os anexos 3 e 4 da Câmara dos Deputados ao plenário.

    Almino Affonso, ministro do Trabalho e Previdência Social de Goulart, testemunha dos episódios de 1961, recorda que se pretendia, com a resistência no Sul, que o vice-presidente cruzasse a fronteira (ele voltou da China para o Uruguai) e rumasse para Brasília, em uma espécie de repetição do gesto de Getúlio Vargas, que em 1930 chegou ao Rio de Janeiro. "Jango se recusou, para não levar o povo a uma luta sangrenta. Ele aceitou o sistema parlamentarista como solução conciliatória e isso levou a uma divisão no PTB. Eu critiquei o que chamei de transação inaceitável", lembra Almino, que foi líder do partido na Câmara Federal.

    Almino considera, como disse em entrevista ao Valor Econômico, que o governo de Goulart foi de um ano e dois meses, contando-se o período entre o retorno ao presidencialismo, em 1963, e o golpe de março de 1964. "Antes [no parlamentarismo], Jango tinha influência, mas o chefe de governo era o presidente do conselho."

    O governo Goulart viu-se submetido a impasses nos campos econômico, social e institucional. "Um analista do período disse, corretamente, que foi um governo sitiado", recorda Almino. Segundo ele, Goulart chegou a propor uma política de convergência, baseada em maioria parlamentar, que contaria com o apoio de personalidades de diferentes partidos que aceitassem um determinado tipo de programa, garantindo a governabilidade.

    "Fiz missões com duas lideranças da época. Fui, em nome do presidente, ao senador João Agripino, uma das maiores figuras da UDN, para apresentar a proposta. Ele se encantou. Fui a Tancredo Neves, que também se encantou. Chamei San Tiago Dantas e entreguei a ele a tarefa de articular um programa alternativo. Foram dias e dias na casa de San Tiago, no Rio, onde estavam figuras de todos os partidos. Sarney, da UDN, José Aparecido [de Oliveira], todos os partidos que aceitassem esse programa genérico. O programa foi publicado na "Folha de S. Paulo", no final do governo, já em 1964. Mas não se podia completar a aliança se o PTB não viesse homogêneo. Brizola se recusou e o programa foi por água abaixo."

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    Fonte: Valor Econômico