Repondo a verdade sobre a votação do Código Florestal
O que há de politicamente importante na elaboração e aprovação do novo Código Florestal
A aprovação do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados, matéria relatada por Aldo Rebelo (PCdoB), causou grande polêmica e críticas ao Partido. Queremos de modo sucinto expor nossa opinião sobre a natureza da legislação aprovada e as consequências políticas derivadas desse processo.
O primeiro ponto a destacar é que esse Projeto de Lei foi uma proposição de iniciativa da própria Câmara. Um projeto de tamanha importância e abrangência ter origem na própria Câmara é um fato raro, senão inédito.
Em segundo lugar, esse projeto vem em resposta a um problema de dimensão nacional, que decorre de uma legislação ambiental construída com base na valorização absoluta dos objetivos do conservacionismo ambiental, desconsiderando, muitas vezes, o equilíbrio que deve resultar no desenvolvimento sustentável.
A atual regulação ambiental, que alterou o Código Florestal de 1965, foi feita de forma autoritária, pelo uso de medidas provisórias ou decretos, a exemplo da Medida Provisória 1.511, de 1996, reeditada e alterada mensalmente até 2001 (MP 2166-67), que continua vigendo sem nunca ter sido submetida a votos no Congresso Nacional. Esta MP – reeditada 67 vezes – transferiu poderes de regular a órgãos do Poder Executivo, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e elevou as exigências de áreas de conservação obrigatória, inclusive ampliando a reserva legal de 50% para 80% nas propriedades rurais do bioma amazônico.
Sabemos que muitas dessas decisões são fruto de importantes e significativos encontros e acordos internacionais, inclusive a ECO92, mas algumas dessas regras vêm sendo exigidas de forma retroativa, desrespeitando a situação em vigor nas propriedades na data de sua publicação, mesmo quando essas propriedades estavam regulares em relação à obrigação até então em vigor.
A aplicação retroativa de novas regras é a responsável pela criação de um gigantesco passivo ambiental – traduzido em áreas de proteção permanentes (APPs) e Reservas Legais (RL) parcial ou totalmente utilizadas para produção agrícola ou de exploração florestal predatória ou sem manejo adequado, em especial nas regiões de agricultura consolidada. Esse processo terminou por criar uma grave situação de insegurança jurídica.
A impossibilidade de cumprir as crescentes exigências nos termos da legislação atual acabou por colocar na ilegalidade a maior parte dos proprietários rurais, em especial os pequenos para quem as APPs representam uma perda de área agricultável proporcionalmente maior do que para os grandes. Importante destacar que a produção de alimentos que vai para a mesa do povo decorre das atividades produtivas dos pequenos e da agricultura familiar.
A situação criada tornou-se insustentável, obrigando o governo a adiar, por meio do Decreto 6.514, de 2008, a cobrança das multas já exaradas, até 11 de junho de 2011. Este decreto foi reeditado, no último dia 10 de junho, uma vez que o anterior deixou de vigorar e a votação do Novo Código Florestal não foi concluída, restando a apreciação da matéria no Senado Federal. Neste momento eram esperados novos protestos alegando “Anistia” e eles não vieram de ninguém.
Segundo a CONTAG, entidade que representa os pequenos produtores, com esmagadora maioria de agricultores familiares, sem a reprodução deste texto no código e emergencialmente no decreto, 70% da agricultura familiar pararia de plantar e produzir alimentos.
Isso demonstra que o próprio governo reconhece a existência da lacuna legal criada, e a necessidade de um marco regulatório que estabeleça como lidar com este passivo, oferecendo uma solução justa e definitiva ao problema. Cabe ressalvar que tanto o decreto original, como a proposta aprovada pela Câmara e o atual decreto contêm os mesmos mecanismos. Esse decreto, cujo conteúdo vem sendo erroneamente caracterizado como anistia aos desmatadores, não provocou estímulo ao desmatamento que, ao contrário, teve drástica redução até agosto de 2010.
Neste sentindo, o objetivo da proposta para o novo Código Florestal, aprovado pela Câmara, é consolidar a legislação ambiental atual e, ao mesmo tempo, solucionar os problemas decorrentes de sua aplicação. Em relação às regras de conservação ambiental em vigor, a proposta deixa-as quase intocadas. As disposições inovadoras do Código tratam das obrigações a que as propriedades terão que se submeter a fim de recuperar as áreas de conservação que devem ser reconstituídas.
Para tanto, o Código prevê a criação de um Programa de Regularização Ambiental regionalizado, sob responsabilidade conjunta da União e dos Estados. Apenas para os proprietários que aderirem ao Programa ficará suspensa a cobrança das multas ambientais aplicadas, até que se cumpra a efetiva recuperação de áreas preservadas. Caso essa recuperação não se cumpra, todas as multas suspensas serão cobradas. Não se concede, portanto, nenhuma “anistia”.
Destaque-se que, mesmo nessa regra de suspensão temporária e condicional das multas, o novo Código não inovou, apenas repete as condições já estabelecidas pelo Decreto 6.514/2008, já citado.
Desse modo, e em síntese, podemos afirmar que o novo Código, relatado por Aldo Rebelo, não só mantém todas as áreas de conservação legal, como permitirá, no prazo estabelecido pelo Programa de Regularização Ambiental, a recuperação daquelas áreas hoje utilizadas para a produção agrícola.
Destacamos abaixo alguns dispositivos do projeto que vem ao encontro da importante e indispensável preservação ambiental, garantindo ao Brasil a referência mundial nesta matéria e o cumprimento das metas anunciadas para redução de emissão de gases.
Art. 4.º – As APPs são mantidas em 30m a 500m na borda dos cursos d´água, em 50m nas nascentes, 30m em áreas urbanas, preservando encostas e topos de morros, restingas fixadoras de dunas e mangues;
Art. 3.º, inciso IV – Área rural consolidada só pode ser considerada a registrada até julho de 2008, o que derruba o argumento de que a partir do código os grandes fracionarão suas propriedades para obter benefícios;
Art. 7.º, particularmente em seu § 1.º – Regras rígidas e claras para recomposição de APPs. Veda a expansão de qualquer atividade econômica que não seja ecologicamente sustentável, qualquer nova conversão de floresta nativa para uso alternativo do solo. Indica, ainda, o plano de manejo sustentável mesmo em áreas rurais consolidadas – derruba aqui o argumento de permissão ou estímulo ao desmatamento;
Art. 13 e 14 – Preserva o recurso da reserva legal – mecanismo único no mundo, mantém suas atuais dimensões, de 80% na Amazônia, 35% no cerrado, 20% em outras áreas. Para qualquer alteração destes percentuais por definição de zoneamento ecológico-econômico, os órgãos ambientais do Governo Federal deverão considerar a existência de unidades de conservação, demarcação de terras indígenas, preservação da biodiversidade, recursos hídricos e corredores ecológicos;
Art. 13, 7.º – O texto aprovado tem o cuidado com os efeitos sociais da Lei, protegendo os pequenos proprietários dos efeitos que a soma da reserva legal com as APPs, pode causar sobre sua capacidade produtiva, dando a possibilidade de readequação e recomposição de vegetação nativa em propriedades até quatro módulos fiscais, consideradas as propriedades registradas até julho de 2008 – novamente aqui impedindo um novo fracionamento para burla da legislação;
Art. 15 – estabelece que a definição da reserva legal deva ser definida de acordo com o plano de bacia hidrográfica, o zoneamento ecológico econômico, formação de corredores ecológicos com outra reserva legal, áreas de APPs, áreas de maior importância para preservação da biodiversidade;
Art. 24 – clara definição de que qualquer manejo em reserva legal para uso econômico deverá seguir o manejo sustentável, diretrizes determinadas em seus incisos de: não descaracterizar a vegetação local e não prejudicar a vegetação nativa, assegurar a manutenção da diversidade de espécies, adotar medidas que favoreçam recuperação de vegetação nativa;
Art. 35 – Estabelece, em áreas rurais consolidadas, a exigência de recomposição de 15m de vegetação em margens de rios de até 10m de largura e, torna obrigatório o uso de critérios técnicos de conservação do solo e água;
Todo o capítulo terceiro dedica-se ao controle da origem de produtos da floresta e claramente submete o manejo ao licenciamento ambiental por órgãos competentes, preservando APPs e Reserva Legal, além de dar transparência dos dados pela rede mundial de computadores;
-Arts. 48, 49 e 50 – Determinam estímulos financeiros para a recuperação e a recomposição de APPs e Reserva Legal em pequenas propriedades e de agricultura familiar e aqueles inscritos no cadastro ambiental rural;
Art. 58 – No capítulo XI “Controle do Desmatamento”, estabelece o embargo da obra, do empreedimento ou da atividade irregular em relação a esta lei, pelo órgão ambiental competente, assegurando a devida publicidade do ato, sem gerar a paralização das demais atividades que estejam regulares;
Art. 43 – inova ao regular o uso da floresta para fins industriais, criando mecanismo de controle por meio do Plano de Suprimento Sustentável –PSS, que deve ser apresentado, pelo empreendedor, ao órgão competente do SISNAMA,. Este plano visa garantir a sustentabilidade no uso dos recursos florestais, por meio do uso racional, com o cuidado para a não extinção ou exaustão dos recursos naturais pelas indústrias. Este artigo estimula a ampliação, de forma regulada, de alternativas à economia da região, não limitando-a ao uso artesanal ou agropecuário dos recursos florestais;
Art. 60 – Estabelece outras ações que o Poder Público Federal, Estadual e Municipal poderão usar para a proteção das florestas e demais vegetações, além da criação de unidades de conservação sem prejudicar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC);
Arts. 62 e 63 – Alteram a Lei 6.938/1981, estimulando a instituição da servidão ambiental, na qual uma pessoa natural ou jurídica pode destinar, total ou parcialmente, sua propriedade para preservar, conservar ou recuperar recursos ambientais ali existentes. A destinação pode ser temporária (mínimo de 15 anos) ou perpétua. Estabelece mecanismos fiscais e financeiros de incentivo equiparando a Servidão Ambiental à Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN. Exclusão destas áreas para o cálculo do isentando-a do Imposto Territorial Rural (ITR).
Por fim o projeto aprovado, não só prima pela preservação das florestas em pé, da biodiversidade brasileira e de nossos recursos hídricos, como também estabelece de forma controlada e sustentável o uso destes recursos. Estimula atividades econômicas com a floresta em pé, bem em acordo com toda a legislação ambiental aprovada por esta Casa nos últimos 8 anos, e com o atual governo federal. Para cada uso, estabelece mecanismos de controle e fortalece o Sistema Nacional de Meio Ambiente. Assim sendo não observamos nenhum estimulo ao desmatamento.
Por tudo isso, é que a Câmara dos Deputados tendo a devida responsabilidade ambiental, mas também considerando os aspectos econômicos, sociais e culturais do uso de nossas florestas– aprovou o novo Código por 86% dos votos – 410 a favor e 63 contra. Um placar inédito para uma proposição importante e polêmica. Escore bem superior ao de outros temas afins, votados pelo plenário da Câmara, como as Leis de Biossegurança, de Florestas Públicas, como também das polêmicas causadas pela tramitação das Leis dos Resíduos Sólidos que levou 20 anos para ser aprovada e da Mata Atlântica que levou 15. Todos com escore bem mais equilibrado. Ou seja, será que há de fato tantos desacordos neste texto? Será que a representatividade de uma maioria de 86% e com posição favorável do governo federal, não deve ser considerada como um fato democrático? Houve espaço para todos debaterem e exporem seus argumentos. Não houve uma divisão significativa no plenário. Onde está, então, a falta de representatividade política? Serão todos “ruralistas”?
O processo legislativo e as decisões assumidas não refletem a posição única de um partido, mas a correlação de forças existentes diante das possibilidades de acordo com os diversos partidos e com o governo em cada uma de suas esferas.
Não abrimos mão de princípios que são caros à nossa história, mas na construção de uma legislação que garanta os benefícios fundamentais aos menores, e neste caso, aos agricultores familiares, é preciso dialogar; ouvir e incorporar opiniões e propostas dos diversos segmentos sociais e políticos. Esta é a razão principal de beneficiar os pequenos até 4 módulos fiscais, que não necessariamente configuram-se como propriedade familiar.
A polêmica da emenda 164, do PMDB
A maior polêmica se deu quanto à emenda 164, apresentada pelo PMDB. Essa emenda trata da recuperação de APPs de beira de rios em regiões de agricultura consolidada. A segurança jurídica gerada pela emenda atinge um conjunto de produtores agrícolas estimados pela Embrapa em dois milhões de famílias, a grande maioria delas de pequenos agricultores, que habitam e produzem há gerações em áreas de beira de rios, posteriormente consideradas como de proteção permanente. O dispositivo alterado pela emenda 164 fazia com que essas famílias ficassem impossibilitadas de continuar suas atividades até que o Poder Público viesse a estabelecer a que novas regras eles estariam submetidos para voltar a produzir. Mesmo a continuação da habitação dessas famílias em suas glebas estaria ameaçada pela ausência das novas regras.
Neste caso, o que fez a emenda 164 foi inverter a situação, permitindo que esses dois milhões de famílias continuem a morar e a produzir como dantes, até que as novas regras venham a ser estabelecidas. Mesmo assim, esses produtores serão restringidos, nas áreas de preservação, àquelas atividades de baixo impacto ambiental. Quando estabelecido o Programa de Regularização Ambiental, essas áreas também estarão sujeitas às restrições que ali forem feitas às atividades agrossilvipastoris tradicionalmente praticadas. Fazer diferente seria deixar no abandono, de forma inaceitável, essas famílias de brasileiros.
Desse modo, ao contrário do que vem sendo dito, a emenda 164 não convalida as intervenções econômicas nas APPs. Todo o disposto no artigo alterado está subordinado ao conteúdo do seu § 3º, que dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA). O conjunto dessas alterações estabelece:
– a preservação integral das APP em áreas de risco;
– as vegetações nativas protetoras de nascentes, dunas ou restingas, somente podem ser suprimidas em caso de utilidade pública;
– nas APPs, serão executadas apenas ações de baixo impacto ambiental previstas em lei;
– vedação à expansão dessas ocupações em relação à situação existente em 22/07/2008 (data de edição do Decreto 6.514) e
– em relação às ocupações preexistentes a essa data, a manutenção das chamadas atividades consolidadas ficarão subordinadas ao Programa de Regularização Ambiental, que será regulamentado por decreto presidencial.
Aprovamos essa emenda por considerá-la em perfeita concordância com o espírito que preside o novo Código, aliando à defesa dos interesses ambientais e produtivos à segurança jurídica dos brasileiros que produzem e residem no campo.
O Programa de Regularização Ambiental, de responsabilidade do governo federal, deve ser imediatamente formulado, considerando os compromissos de redução das emissões de CO2 assumidos pelo Brasil internacionalmente.
Marcamos a defesa do desenvolvimento sustentável, com equilíbrio entre preservação ambiental e atividades econômicas, considerando soluções de passivos ambientais e sociais.
Ao contrário também do que se afirma, o novo Código não só preserva e defende as áreas ambientais protegidas e ainda intactas, como permite que áreas devastadas no passado sejam reconstituídas por meio do Programa de Regularização Ambiental, que conta com regras claras e estáveis, dando aos produtores agrícolas a necessária segurança jurídica. As regras complementares necessárias à adequação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) levará em conta às características específicas regionais, e serão de responsabilidade conjunta da União, dos Estados e do Distrito Federal, como prevê a Constituição. Portanto, não há nenhuma delegação da União aos demais entes federados.
O Programa de Regularização Ambiental também oferece aos pequenos produtores incentivos fiscais e financeiros para que busquem recuperar e até ampliar suas áreas de proteção. E este é que deve ser o foco das atuais políticas publicas na área ambiental. Estimular conscientização para a preservação ambiental através de incentivos, levando de fato a geração de uma cultura preservacionista com sustentabilidade econômica. Sob este princípio de gestão pública do meio ambiente, poderemos cada vez mais diminuir o uso dos mecanismos coercitivos. Almejando, com isso, uma sociedade desenvolvida que veja no uso sustentável do meio ambiente uma forma de atingir o desenvolvimento econômico e a justiça social.
O novo Código Florestal vem para conciliar a adequada proteção das riquezas de nosso meio ambiente – seus biomas e sua biodiversidade, patrimônio de todos os brasileiros – mas preservando o espaço para que a produção agrícola possa seguir se desenvolvendo, assegurando agora e no futuro, ao Brasil e ao mundo, a produção de alimentos, de matérias primas e também de energia limpa e renovável.
Na fase de debates no Senado buscaremos a continuidade da ausculta principalmente daqueles que seriamente apresentam suas críticas e avaliaremos a necessidade de algum ajuste que se faça necessário e que possamos protagonizar em defesa da verdade e da boa fé que move as pessoas de bem.
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Deputada Federal (PCdoB-RJ)