A Prostituta e o Infinito
A Prostituta e o Infinito
Já passava da meia-noite, de um frio imenso, quando aquele carro parou poucos metros à frente.
Ela sabia que, com jeito, conseguiria o cliente e cumpriria, em menos de quatro horas de trabalho, sua meta de três programas para aquela noite. Conseguiria ir para casa mais cedo e ouvir um pouco de música ou, quem sabe, ler um pouco mais daquele livro, há dias deixado ao lado da cama.
Caminhou lentamente – julgava excitante caminhar assim – e, ao chegar à janela, inclinou-se para olhar dentro do carro. Apresentou da forma mais clichê possível, o infalível decote. Sorriu para o homem ao volante.
Este, ao contrário dela, não possuía expressão alguma. Ficava parado. Sentado. Mãos no volante. Olhar para frente. Sem piscar. “Ô querido, vai querer fazer o programa?”. Nada. O homem continuava a olhar para frente, olhando para o nada, para o infinito. “O moço, seguinte, eu vou voltar ali para o ponto se você não falar nada. Tá com vergonha? É a primeira vez que vem pra essas bandas? Eu posso ser carinhosa também, se quiser. Sabe? A gente faz o que o cliente pede. Ontem veio um cara aqui, assim como você, num carrão assim: igual ao seu. Boa pinta também. Cara bem sucedido, grisalho. Era casado também. Você é casado, né? Todos os caras como você são casados. Todos. Mas não precisa ficar com essa cara de tristeza. Eu não vou te fazer mal e ainda pode me chamar pelo nome da sua mulher, sua prima, sei lá. Quem você quiser.”. Silêncio. “Olha aqui, falando sério, eu só preciso fazer mais um programa para ir embora. Está um frio terrível e ainda estou com fome. Eu posso fazer um desconto pra você, sei lá, posso cobrar vinte e cinco reais por uma hora. Garanto que depois vai querer me dar uma gorjeta. O que acha? Ô cara, você não vai falar nada? Você é surdo?”.
Permanecia ali, parado, estático, a olhar a algum lugar que, certamente, era bem longe dali. Ela ficou debruçada na janela por mais alguns minutos e, impaciente, voltou para seu ponto, para ver se algum outro cliente aparecia. De lá – do ponto – ela ficava a olhar para dentro daquele carro preto e pensar no que estava acontecendo. E ele ali, parado, mudo, estático, amorfo, há quase uma hora. Pensando.
* Luiz Henrique Dias é dramaturgo. Siga ele lá no twitter: @LuizHDias