Também será mantida a margem de tolerância de dois pontos percentuais, acima ou abaixo do centro da meta. Uma das principais críticas a essa decisão é que a meta de inflação deveria ser uma sistemática que fizesse convergir para baixo as expectativas futuras de comportamento dos preços. Ao manter a meta, o governo estaria sinalizando que não pretende realizar esforços para reduzir a inflação futura.

No entanto, dada a estrutura de formação de preços no Brasil e a forma como se medem as expectativas do mercado, ambas com grandes distorções, a decisão de manter a meta de inflação para os próximos anos é acertada.

Nós adotamos há doze anos o sistema de metas de inflação, mas, avançamos muito pouco na desindexação da economia. A correção automática de preços de tarifas e contratos com base na inflação passada e, muitas vezes, definida por indicadores como o IGP, Índice Geral de Preços, por exemplo, tende a tornar muito rígida a estrutura dos preços relativos da economia.

Isso ocorre, principalmente, quando há um choque de preços relacionado ao aumento dos preços das commodities no mercado internacional, ou há uma desvalorização da moeda. Esses movimentos de preços refletem no indicador, que, por sua vez, é aplicado para reajustes de contratos e preços, espalhando para grande parte da economia um choque que seria apenas localizado, se não houvesse um quadro geral de indexação.

A segunda distorção importante no sistema atual é que a captação de expectativas do mercado está majoritariamente baseada nas premissas adotadas pelo mercado financeiro e não dos setores produtivos, dos trabalhadores, ou da academia. Isso representa um viés, além de um claro conflito de interesses, uma vez que uma parcela expressiva da dívida pública negociada no mercado é corrigida pela evolução da taxa básica de juros, fortemente influenciada pelas expectativas de inflação.

Um terceiro aspecto que poderia ser aperfeiçoado é o horizonte de cumprimento da meta de inflação. O sistema atual baseado no ano calendário é muito curto, especialmente quando ocorre um choque de preços. A combinação destes fatores apontados tende a pressionar para cima as taxas de juros e é um dos fatores que explica o evidente distanciamento entre os juros domésticos e a média internacional.

Também é preciso aprimorar a forma de comunicação do Banco Central com a sociedade. Há uma relativa flexibilidade no nosso regime de metas de inflação, ao admitir uma tolerância de até dois pontos percentuais, adequado para conviver com choques de preços de oferta, como os vivenciados recentemente. No entanto, isso nem sempre é tratado da forma mais adequada pelos meios de comunicação, principalmente, que também tem suas fontes majoritariamente focadas na visão do mercado financeiro. O resultado é que a aproximação da inflação acumulada em doze meses do teto da meta (6,5%) é interpretado, equivocamente, como uma derrota do Banco Central!

A conseqüência é qualquer pressão inflacionária mesmo que essencialmente de oferta tende a ser combatida com uma única arma que é a elevação das taxas de juros. Essa evidentemente não é uma medida neutra, assim como não há decisão de política econômica que não represente custos. Ao elevar a taxa real de juros e mantê-la elevada por muito tempo, há uma transferência de renda de toda a sociedade, via pagamento de impostos, para os credores da dívida pública.

No último ano esse montante chegou a quase R$ 200 bilhões, ou, o equivalente a mais de 5% do PIB (Produto Interno Bruto). Este não é um caminho saudável para a economia brasileira e é recomendável, sob o ponto de vista econômico, político e social e que incorporemos a redução do custo de financiamento da dívida pública, leia-se das taxas de juros, como uma das prioridades da política econômica. Enquanto isso, diminuir a meta de inflação, significaria, pelas condições expostas, ampliar as disparidades da economia brasileira.

Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.

_________________

Fonte: Terra Magazine