Novo Código: o homem e a floresta, ambos de pé
A presidenta Dilma Rousseff, no último dia 10 de junho, foi impelida a reeditar o decreto que posterga a cobrança das multas ambientais decorrentes do não cumprimento de um cipoal de leis e normas que se agregaram ao velho e bom Código Florestal de 1965. Ela apenas repetiu o que fizera o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esta repetição tem uma razão imperativa: a legislação específica vigente coloca na ilegalidade praticamente todas as propriedades rurais do país. As exigências referentes às Áreas de Proteção Ambiental (APPs) e às Reservas Legais (RLs) foram, com o tempo, aumentadas progressivamente, com efeito retroativo. Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais fixou como crime o desrespeito às normas referentes às APPS e RLs e estabeleceu multas aos delitos. Tudo somado gerou um enorme passivo ambiental.
O governo brasileiro, desde então, enfrenta um fato tão constrangedor quanto surreal: sua agropecuária – uma das mais importantes do mundo – é uma “fora da lei”. Desde 1999, portanto há 12 anos, a Câmara dos Deputados deu-se conta desse vexame e se lançou a resolvê-lo. Contudo, um poderoso feixe de interesses provenientes de dentro e fora do país interditou o debate, o que provocou uma instabilidade jurídica no campo, prejudicando, sobretudo, os pequenos agricultores. Vitimados com sucessivas multas, eles passaram a vender suas propriedades ou interromperam a atividade produtiva.
Em 2009, a Câmara retoma o elo perdido de 1999. Criou uma Comissão Especial e o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi o escolhido para relatar a matéria e propor uma nova redação ao Código Florestal. Rebelo fixou um método: amplo debate com a sociedade. Reuniu-se com agricultores, cientistas, ambientalistas, ONGs, universidades, centros de pesquisa, governos… Fez mais de uma centena de audiências e viajou pelo país afora. Deparou-se com o seguinte paradoxo: a agricultura fora da lei e a lei fora da realidade. Desse modo, fixou sua diretriz: a partir do chão vivo da agricultura, escrever uma nova lei que alcançasse forte consenso em torno do equilíbrio possível entre produção agropecuária e preservação do meio ambiente. Além do método e da diretriz, fez uma escolha: deliberadamente proteger os interesses e direitos dos pequenos agricultores, já que o escudo dos grandes é a própria força política e econômica de que dispõem.
Depois de dois anos de trabalho, nove meses de preparação do texto para o qual teve a colaboração de quase meia centena de consultores, Rebelo concluiu a redação do novo Código Florestal. O Projeto de Lei – com a reafirmação das APPS e das RLs a partir da objetividade, do país real – garante que o Brasil continuará sendo um dos países com mais áreas de floresta e mata nativa preservadas. Simultaneamente, retira milhões de agricultores da ilegalidade; cria as condições para que a produção cresça, sem a devastação das florestas; e assegura aos pequenos produtores uma solução jurídica para que sigam produzindo alimentos, em harmonia com a legislação ambiental.
No dia 24 de maio último, o relatório de Aldo Rebelo foi a voto: aprovado por nada menos que 410 deputados. Apenas 63 votaram contra. Obteve o apoio do governo, da base aliada e de grande parte da oposição. Com outro número de votos foi aprovada também a emenda 164, de autoria do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), que estende a segurança jurídica aos produtores agrícolas em regiões de agricultura consolidada.
O leitor, a leitora pode muito bem indagar: se tantas virtudes há no relatório, por que tanto ataque recebe? Primeiro: a pressão internacional. A produção e o comércio mundial de alimentos e biocombustíveis movimentam bilhões de dólares e têm importância estratégica. O Código é uma expressão do exercício da soberania brasileira sobre o território nacional e isso incomoda muita gente. Segundo: ao declarar a agricultura como atividade nobre a ser incentivada, isso se chocou com uma visão santuarista que, abstratamente, torna absoluto o valor da natureza em detrimento da produção e da questão social.
Terceiro: expectativas superdimensionadas sobre o papel do Código, injustamente o criticam por ele não realizar aquilo que não lhe compete, tal como subverter o modelo agrícola e a estrutura fundiária do país.
Quando baixar a poeira levantada pelo choque entre as diferentes concepções e pela confusão disseminada pela mídia, se verá que a proposta de Rebelo é o ponto de equilíbrio. Ela assegura a um só tempo a produção de alimentos e de energia limpa com a preservação das florestas. Homem e a floresta, ambos de pé.
Adalberto Monteiro
Editor