A juventude como commodity
Sem projeto nacional de desenvolvimento, a juventude das periferias das grandes cidades tem algumas opções: ou se afundam nas drogas e nos exércitos do crime organizado ou se transformam numa commodity, produto de exportação e certo grau de indignidade.
Vejamos. As altas taxas de juros, contínuos cortes orçamentários e dumping institucionalizado sob o orçamento nacional pelo próprio Estado em prol do pagamento religioso dos juros da dívida interna têm criado um ambiente onde o Estado não sinaliza no sentido de direcionar o mercado, que, por sua vez, sinaliza a tendência de “não inversão” ao capital nacional privado nacional. Esta tendência de “não inversão” se exacerba com a contínua valorização do real diante do dólar, valorização esta que atingiu seu ápice desde o choque cambial de 1999. Quando falo em capital privado nacional quero me referir ao único setor capaz de gerar empregos de qualidade e apontar o dedo no sentido da estabilidade social e do próprio projeto nacional em si. A essência, a base de qualquer projeto nacional digno deste nome está na formação da grande empresa, estatal e/ou privada, e seu entrelaçamento com o sistema financeiro nacional.
Tudo tem um custo. Segundo relatório do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), “nos primeiros cincos meses de 2011 o crescimento industrial não chegou a 2%, muito longe da taxa alcançada no mesmo período do ano passado (17,3%) ou do ano como um todo de 2010 (10,5%). É claro que esses últimos índices têm correspondência em um processo de recuperação de nossa economia à crise internacional, razão pela qual foram mais expressivos. Mas, se retrocedermos ao período pré-crise, a comparação também faz sobressair o magro desempenho de 2011: no ano cheio de 2007, a expansão industrial foi de 6,0% e de 6,3% no período janeiro/maio de 2008”. A presente valorização cambial ocorre num momento amplamente indigesto da economia internacional, onde países como China, Coreia do Sul e Alemanha centram seus esforços em mercados alternativos à América do Norte e Zona do Euro.
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O mercado brasileiro é centro desta estratégia de economias caracterizadas por um comércio exterior com alto grau de planificação. A invasão de carros Hyundai (Kia) a olhos vistos é só a ponta do iceberg deste processo de destruição da capacidade de pensar o dia seguinte de nosso país em prol do combate de inflações reais e imaginárias e de uma bolha interna de crédito que se avoluma diante da alta taxa de juros e da geração de empregos de baixa qualidade e que se reflete numa taxa de inadimplência que saltou de 5,9% em 2009 para 8% em 2011. Muito sugestivo é o fato de que enquanto a produção industrial nos últimos sete anos, segundo pesquisa recente do SEBRAE, ter crescido 130,6%, o comércio varejista ter tido alta de 194,5%, o que demonstra uma grande incompatibilidade entre indústria e comércio solucionada, sob forma de crime de lesa pátria, pela abertura para os produtos importados.
Daí a necessidade de conter a inflação via abertura comercial. Eis o limite de um crescimento pautado pelo consumo em detrimento do investimento. Eis o limite de um modelo onde o objetivo “estratégico” de combate à inflação sugere uma “variável” chamada de “crescimento potencial”, ou seja, qual o crescimento possível sem que se redunde em pressões inflacionárias. Logo, enquanto a China pode se planejar para crescer 10% ao ano, o Brasil não pode passar de míseros 4%. Daí o FMI aplaudir a política monetária vigente é apenas um passo. E tudo leva a crer em mais um aumento da taxa SELIC na próxima reunião do COPOM.
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Volto a repetir: tudo tem um custo. O custo de rifar o futuro da nação em troca de índices macroeconômicos digeríveis à grande banca tem custado caro, principalmente à juventude. São alarmantes os índices de desemprego entre os jovens de 18 e 29 anos. Segundo dados divulgados recentemente pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 54% dos desempregados no Brasil são jovens (com idades entre 18 e 29 anos), desses mais de 40% têm procurado trabalho há mais de seis meses e 25% estão desempregados há mais de um ano. Cidades como Salvador convivem com índices, para esta faixa, superiores a 40%. O exército industrial de reserva perfeito para o crime organizado e uma latente reserva de mercado para o consumo de drogas baratas.
As emendas propostas saem piores que os sonetos trovados pela realidade. Discursos são adotados como verdades mater. O primeiro é a preocupação de uma elite mesquinha sobre a “desqualificação da mão-de-obra”. Evidente que o sistema educacional brasileiro é uma tremenda vergonha. Mas essa vergonha não terá fim partindo de pressupostos liberais “pré-Revolução Francesa” como a dos “10% do PIB para a Educação” e sim com salários dignos para professores e funcionários. Quem acredita e amplifica estas fantasias (políticas públicas para a juventude, por exemplo) não percebe que o Brasil de Getúlio Vargas, Juscelino e Ernesto Geisel implantou tanto uma indústria pesada, como sua variante sob forma de indústria mecânica com muito pouca estrutura educacional adequada. Conforme meu amigo e professor Carlos Lessa apontou recentemente, as pessoas, em matéria de indústria, aprendem trabalhando e sua avidez em manter o emprego a leva a uma continua auto-qualificação. O que explica, em grande parte, este dinamismo único de um país que saiu da Idade Média em 1930 e adentrou a Idade Contemporânea em 1980.
A juventude quer emprego, algo negado pela política monetária. Mais uma vez me remeto ao querido Carlos Lessa: “Se o Brasil tiver cursos de alta qualificação sem gerar os empregos correspondentes, será introduzida uma nova commodity nas exportações nacionais – o próprio brasileiro”. Me permito a estender esta afirmação colocando a própria juventude como o valor agregado desta commodity.
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Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, autor de “China: infra-estruturas e crescimento econômico” e pesquisador da Fundação Maurício Grabois