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    Comunicação

    Lembrança de Morrer

    Lembrança de Morrer Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    Lembrança de Morrer

    Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
    Que o espírito enlaça à dor vivente,
    Não derramem por mim nem uma lágrima
    Em pálpebra demente.

    E nem desfolhem na matéria impura
    A flor do vale que adormece ao vento:
    Não quero que uma nota de alegria
    Se cale por meu triste passamento.

    Eu deixo a vida como deixo o tédio
    Do deserto o poento caminheiro…
    Como as horas de um longo pesadelo
    Que se desfaz ao dobre de um sineiro…

    Como o desterro de minh’alma errante,
    Onde o fogo insensato a consumia,
    Só levo uma saudade – é desses tempos
    Que amorosa ilusão embelecia.

    Só levo uma saudade – é dessas sombras
    Que eu sentia velar nas noites minhas…
    E de ti, ó minha mãe! pobre coitada
    Que por minhas tristezas te definhas!
    De meu pai… de meu únicos amigos,
    Poucos, bem poucos, e que não zombavam
    Quando, em noites de febre endoidecido,
    Minhas pálidas crenças duvidavam.

    Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
    Se um suspiro nos seios treme ainda,
    É pela virgem que sonhei!… que nunca
    Aos lábios me encostou a face linda!

    Ó tu, que à mocidade sonhadora
    Do pálido poeta deste flores…
    Se vivi… foi por ti! e de esperança
    De na vida gozar de teus amores.

    Beijarei a verdade santa e nua,
    Verei cristalizar-se o sonho amigo…
    Ó minha virgem dos errantes sonhos,
    Filha do céu! eu vou amar contigo!

    Descansem o meu leito solitário
    Na floresta dos homens esquecida
    À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
    – Foi poeta, sonhou e amou na vida. –

    Sombras do vale, noites da montanha,
    Que minh’alma cantou e amava tanto,
    Projetei o meu corpo abandonado
    E no silêncio derramai-lhe um canto!

    Mas quando preludia ave d’aurora
    E quando, à meia noite, o céu repousa,
    Arvoredos do bosque, abri as ramas…
    Deixai a lua pratear-me a lousa!

    Lira dos Vinte Anos
    Álvares de Azevedo
    Martins Fontes 1996

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