Inflação, juros e salários
Por quê os juros não caem diante de uma realidade mundial de juros baixos e capitais ociosos? Por que o real se valoriza num ambiente internacional de concorrência oligopólica acelerada e tendência – histórica – de proteção de terceiros mercados nacionais como resposta de uma crise, também, do comércio exterior? Nossa indústria se esfarela por culpa de campanhas salariais irresponsáveis? O problema dos juros só se soluciona com mais “responsabilidade fiscal”, com mais “austeridade”e rígido controle sobre os “gastos” governamentais? Sobre qual ciência se assenta determinadas “verdades”, outrora mentiras contadas um milhão de vezes?
Como se combate a inflação no Brasil todos já sabem. Juros, abertura comercial e enxugamento de moeda “excedente” em circulação. O aperto monetário está sempre na moda tendo os investimentos e gastos governamentais como alvo. Uma visão de classe social do processo demanda concordarmos com os “intelectuais” do sistema financeiro, percebendo que a qualidade dos gastos do governo brasileiro é mesmo péssima e, inclusive, tem responsabilidade direta nas altas inflacionárias. Vejamos.
O orçamento geral da União para o ano de 2010, segundo dados do SIAFI (disponibilizados também por Maria Lucia Fattoreli em interessante artigo no Le Monte Diplomatique), foi de R$1,414 trilhão. Deste montante, 44,93% (R$ 635 bilhões) foi destinado ao pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida interna. Para a previdência social o repasse foi de 22,12%; para a saúde 3,91%; saneamento básico 0,04%; ciência e tecnologia 0,38%.
O saqueio institucionalizado também é bem perceptível nas “operações de enxugamento” executadas pelo Banco Central: em 2009 custaram R$ 147 bilhões e R$ 50 bilhões no ano seguinte. Outro dado interessante recém-divulgado pelo IBGE e mediada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor demonstra que a inflação calculada pelo IBGE entre janeiro e abril de 2011 aponta que 73% da mesma é causada por alta nos alimentos e por preços administrados pelo próprio governo. Até onde tenho conhecimento, o povão não contrai crédito bancário para comprar alimentos, nem tampouco para pagar conta de luz ou água. Pior ainda é se fazer crer que o grande responsável pela inflação é o trabalhador que compra um eletrodoméstico em 36 prestações.
Triste saber que a propaganda oficial e do sistema financeiro (as duas se confundem) ainda vaticinam por “melhor qualidade do gasto” e a própria presidenta da República ainda fala para entusiastas em “crescimento com estabilidade monetária” e em crescimento com “responsabilidade fiscal”. Seu ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com uma naturalidade incrível, fala em “câmbio que veio para ficar” e da necessidade dos empresários brasileiros em “driblar o câmbio com criatividade” como se a criatividade fosse capaz de burlar as leis econômicas mais elementares.
A burla das leis econômicas mais primitivas continuou com a presidenta afirmando – semana passada – durante cerimônia de posse da diretoria da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), em Porto Alegre que, "vamos fazer uma defesa contundente da indústria contra práticas protecionistas, desleais e fraudulentas que afetam nosso comércio exterior". É como se um país que pratica a maior taxa de juros do mundo, a carga tributária que mais onera a produção entre as 30 maiores economias e a moeda que mais se valorizou diante do dólar nos últimos anos servisse de parâmetro moral a um país como a China; país este que alçou a proteção de suas cadeias produtivas e empregos ao nível de “questão de segurança e soberania nacional”.
A pergunta que não quer calar. Como combater a inflação diante do fato da mesma ter sido alçada ao patamar de problema político e capaz de mobilizar toda a “inteligência” da nação em torno de sua solução? Acredito que a primeira observação deve se referir à política e à estratégia. Diante de um Estado transferidor de altas somas ao sistema financeiro não é difícil perceber que existe um claro viés de “força material” nestas opções. Os bancos são os donos do poder no Brasil e seu enfrentamento poderá determinar uma luta de dimensões nada imediatas e sim estratégicas.
Sempre digo que as experiências bolivarianas tiveram sucesso na medida em que destituiram as classes dominantes de sua real base material, o petróleo e o gás natural. No Brasil a base material da classe dominante em nossa superestrutura está no manejo da política monetária. Expropriar a política monetária do sistema financeiro é o relevo por onde se abrirá caminho, inclusive, para uma hipotética transição ao socialismo no Brasil. As campanhas salariais, neste conjunto, são instrumentos altamente eficazes de acúmulo de forças e conscientização popular, parte essencial da tática de nosso movimento. Esse é um ponto.
Outro ponto é a consciência de que o grande responsável pela inflação no Brasil, por incrível que possa parecer ao senso comum, é a própria taxa de juros. A taxa de juros responde pelo aumento dos custos de produção, que por sua vez são repassados ao consumidor. A política monetária inibe o alargamento da base de oferta, restringe a harmonia entre oferta e demanda e causa prejuízos incálculáveis ao conjunto, não somente do orçamento, mas também do corpo social como um todo. Nenhum argumento ao contrário se sustenta cientificamente ao custo da perpetuação da mentira que se reproduz, também, graças a movimentos sociais com os pés fincados no imediato, sem fôlego teórico para discussões de fundo sobre o nosso país. Nada ajuda, neste sentido, colocar no centro de mobilizações bandeiras liberais sob a ilusão de “aos poucos ir conquistando a superestrutura” e a “moldando à nossa imagem e semalhança” diante de um país que alcança o “pleno emprego” e que alarga a “democracia”. Não existe democracia possível num contexto provado pelos números acima, nem tampouco paz social onde os indices de desemprego que tem queda sustentada por empregos de baixa qualidade.
A batalha é dura e eu pessoalmente não me sinto nem um pouco confortável de exibir uma postura nada convencional para os parâmetros da dita esquerda brasileira que ocupa o governo federal. Existe uma distância enorme entre essência e aparência. As pessoas fazem escolhas, e eu fiz a minha. Meu amor incondicional ao meu país e aos trabalhadores não me permite tergiversar sobre a verdade por detrás de discursos e opiniões de intelectuais “bonitinhos” tanto do sistema financeiro quanto dos frequentadores de balcões das instituições de fomento científico financiados pelo governo. Diante do fato de “que do pó viemos ao pó retornaremos” não me resta grandes alternativas a não ser a da independência intelectual, do postura de combate e da umbilical ligação com um projeto de nação e o compromisso com a emancipação social e a construção de um poder político dos trabalhadores e das mais amplas massas populares.